sexta-feira, 3 de julho de 2009

Toque de recolher infanto-juvenil gera discussões


Para o Conanda, além de ser feito por profissionais despreparados, o toque de recolher contraria o direito à convivência familiar e comunitária, restringindo, também, direitos de adolescentes que estudam à noite

Juízes da Infância e da Juventude de alguns municípios de quatro estados brasileiros, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Paraíba, decretaram, por meio de portaria, o toque de recolher para crianças e adolescentes. A justificativa é que a medida visa à diminuição da violência infanto-juvenil. Os horários e idades limite para estar desacompanhado de um responsável variam. Em São Paulo, por exemplo, nos municípios de Fernandópolis, Ilha Solteira e Itapura, quem tiver menos de 18 anos não pode estar nas ruas desacompanhado dos pais ou responsáveis a partir das 20h. O modelo foi copiado em Santo Estevão (BA). Desde 15 de junho, em Patos de Minas (MG), somente adolescentes de 16 a 18 anos podem circular após o horário estipulado, se tiverem uma carteira de identificação expedida pela Vara da Infância e Juventude da cidade. O juiz da Vara da Infância e Juventude de Patos de Minas (MG), Joamar Gomes Vieira Nunes, afirma que a portaria foi editada para preencher o vácuo deixado pelo Estado, pela família e pela sociedade. “A família não tem mais poder sobre o adolescente”, diz. Para ele, a sociedade acha que os adolescentes são um problema sem solução e o Estado não oferece os aparatos necessários, como educação integral e programas para recuperá-los do vício das drogas. Para tentar derrubar a portaria, o Ministério Público de Minas Gerais apelou ao Tribunal de Justiça do estado e protocolou reclamações na Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas nenhum dos órgãos se manifestou até agora. O promotor de Justiça Jaques Souto Ferreira garante que o toque de recolher é inconstitucional e fere o Estado democrático de direito. “O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permite a criação de portarias para regulamentar a presença de crianças em eventos, mas não permite restrições genéricas”, explica o promotor. Apesar das contestações, segundo Gomes, relatório divulgado pela polícia militar na quarta-feira (01) mostra que a taxa de atos infracionais infanto-juvenis cometidos entre 23h e 6h foi zerada. As ocorrências registradas pelo Conselho Tutelar caíram 95%. Polícias Militar e Civil, agentes do corpo de bombeiros, conselheiros tutelares e voluntários são os responsáveis pela vigilância das ruas. No caso de descumprimento da regra, pais e comerciantes podem receber multa de três a 20 salários mínimos. O presidente da Comissão Nacional de Legislação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coelho, acredita que, caso seja provocada, a entidade pode entrar com uma ação civil pública contra as portarias, que seriam inconstitucionais.

Visão do Conanda – O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) pediu providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o toque de recolher. O parecer enviado ao CNJ reforça o descumprimento do artigo 149 do ECA que não prevê a restrição do direito à liberdade de crianças e adolescentes de forma genérica, e sim restrições de entrada e permanência em certos locais, que devem ser decididos caso a caso. O parecer destaca, ainda, que a apreensão desses adolescentes nos estabelecimentos e ruas da maneira como vem sendo feita é ilegal porque os coloca em situação vexatória e humilhante. “Em muitos casos, a atuação dos órgãos envolvidos no toque de recolher denota caráter de limpeza social, perseguição e criminalização de crianças e adolescentes, sob o viés da suposta proteção”, diz o relatório. Para o conselheiro do Conanda Ariel de Castro Alves, as recentes portarias são um atestado de incompetência das autoridades que não desenvolvem programas de apoio às famílias e políticas públicas que garantam os direitos desses menores. “Os juízes alegam que a violência infanto-juvenil vai diminuir. Mas a violência de maneira geral, praticada por adultos, vai aumentar, porque a polícia nesses municípios foi tirada de suas atribuições para vigiar crianças e adolescentes”, acredita o conselheiro. Para o Conanda, a abordagem de crianças e adolescentes que se encontrem em situação de rua ou risco deve ser feita por educadores sociais e não pela polícia. E o toque de recolher contraria o direito à convivência familiar e comunitária, restringindo, também, direitos de adolescentes que estudam à noite. “Os juízes dizem que as famílias concordam. A sociedade apoia porque no Brasil se vive entre a omissão e a histeria”, conclui Alves.

[Jornal do Brasil (RJ), Luciana Abade, 03/07/2009]

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