quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Haitianos aceitam dar filhos a estrangeiros em busca de vida melhor


"Eu daria meu filho de novo. Ansitho merece uma vida melhor do que a nossa", disse à agência de notícias France Presse Anchello Cantave, um agricultor de Callebasse, povoado uma hora a leste de Porto Príncipe --onde, como outros pais, ele entregou o filho de 5 anos para os missionários de Idaho.
Condenados a um destino de infortúnio, os habitantes de Callebasse receberam a visita dos dez missionários batistas de Idaho (EUA), "dois dias depois do terremoto" de 12 de janeiro, que derrubou cerca de 50 casas do pequeno povoado. A maioria dos pais aceitou entregar um de seus filhos para "partir com os estrangeiros para outro país".
Cantave, 36, está convencido da boa vontade dos dez americanos presos no Haiti há uma semana, acusados de "sequestro de menores e associação criminosa". Eles foram detidos dia 29 de janeiro com 33 menores na fronteira com a República Dominicana, sem qualquer documento.
"Os americanos levaram as crianças com o nosso consentimento", afirmou Fritzian Valmont, pai de três meninas de 11, 8 e 2 anos. Ele e sua mulher decidiram entregar "a do meio" aos missionários, admitiu. Era a pequena Alentina, entregue "com dois filhos da minha irmã: Carl Ramirez e Dawin Stanley, todos de 8 anos", contou Valmont.
"Se [os americanos] tivessem trazido um grande ônibus que pudesse levar mais crianças, muitas mais teriam partido", afirmou o homem, com o orgulho de qualquer pai que acredita ter feito o melhor que podia por uma filha.
A poucos metros de Cantave e Valmont está sentada Jean Ricia Geffrand, uma viúva de 47 anos, mãe de cinco, já avó. O ar de anciã e as cataratas nos dois olhos são testemunhas de uma vida inteira passada na miséria. "Eu dei a minha filha porque não tinha nada para dar a ela", afirmou, em referência a Beline Chewi, 2, sua caçula.
"Na quinta-feira depois do terremoto --que foi na terça-feira-- veio Issac, um homem que vive aqui, e nos perguntou se queríamos que as crianças fossem embora, porque estariam melhor com eles", afirmou Geffrand, em creole. Issac era identificado no povoado como vizinho e tradutor "dos americanos".
Em um bloco de concreto ao lado de Geffrand está sentada Saurentha Muran, 25, com a pequena Magdalenne adormecida em seus braços. Perguntada se concorda com a atitude dos pais que entregaram suas crianças, responde: "Eu também dei um". É Ansitho, o menino de 5 anos que teve com Cantave.
E por que escolheram Ansitho para ir embora? "Conversamos com eles e perguntamos aos três qual queria ir para essa escola na República Dominicana, e ele disse que queria ir", disse a mãe, reconhecendo que sente sua falta, mas afirmando --como os outros pais-- que não recebeu nada em troca pela criança.
"A única razão pela qual agora os queremos de volta é por causa dos problemas com a imprensa", explicou Valmont, apoiado por Josette Massillon, tia de Alentina, Carl Ramirez e Dawin Stanley. "Se depois do julgamento os americanos puderem partir de novo com as crianças, eu vou estar de acordo", afirmou Cantave.
Ele está pensando em visitar o filho esta semana na organização beneficente que se ofereceu para cuidar dos 33, que têm entre dois meses e 12 anos, até que o caso seja esclarecido.
Procurada pela France Presse, a organização não estava disponível confirmar a identidade das crianças. "Se Ansitho quiser voltar eu o receberei, mas talvez não seja o melhor para ele", pondera Muran, sua mãe, que está grávida e daqui a um mês dará à luz outra criança. "Não sei bem como é isso", responde, quando perguntada sobre métodos anticoncepcionais. "Mas eu gosto de crianças".
As maioria dos habitantes de Callebasse se declara batista, mas desconhece a religião dos missionários que levaram seus filhos em nome da organização religiosa New Life Children's Refuge. O lema deste grupo é "Salvar os órfãos abandonados nas ruas, hospitais e orfanatos em ruínas".

PAULA BUSTAMANTE


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