domingo, 23 de maio de 2010

Bullying', violência que cresce nas escolas, vira tema de livro de psiquiatra best-seller

A psiquiatra Ana Beatriz diz que os casos de bulltying estão aumentando e é responsabilidade dos adultos combatê-los / Foto: Gustavo Stephan

RIO - A psiquiatra carioca Ana Beatriz Barbosa Silva tornou-se uma best-seller ao penetrar no enigmático mundo das pessoas frias e perversas e transformá-lo no livro "Mentes perigosas - o psicopata mora ao lado" (Editora Fontanar), com mais de 400 mil exemplares vendidos. Sua predileção, porém, não são pelos Hannibals Lecters da vida (Anthony Hopkins em "Silêncio dos inocentes"), mas, sim, pelas vítimas de bullying. Crianças ou adolescentes que sofrem algum tipo de violência intencional na escola, repetidas vezes, por serem, de alguma maneira, menos poderosas que seus agressores.
- Tenho simpatia pelas vítimas de bullying porque elas sofrem e amadurecem mais cedo. Se descobrirem logo o talento que têm, serão muito bem-sucedidas. Será essa aptidão especí$que as libertará do bullying. Elas passarão a ser respeitadas até por seus agressores. Porque os seres humanos tendem a se curvar diante de um grande talento - explica Bia, como prefere ser chamada, citando como exemplos de sua tese famosos vítimas de bullying, como o nadador Michael Phelps, que era o capacho dos colegas; a atriz Kate Winslet, gorducha; o ator Tom Cruise, disléxico; a cantora Madonna, exótica; o jogador David Beckham, careta.

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Comportamento traz consequências por toda vida
Mas não foi a simpatia pelas vítimas que fez Bia lançar seu novo livro "Bullying - mentes perigosas na escola" (Fontanar). Sua motivação foi alertar para o problema e ajudar pais, educadores, crianças e adolescentes a superarem um comportamento que pode trazer consequências para a vida inteira.
- Os casos de bullying estão aumentando e não é só porque estamos tendo mais conhecimento sobre o assunto. O bullying sempre existiu, em qualquer época. Mas a violência de um modo geral vem crescendo e isso se reflete nas crianças - diz a psiquiatra, autora também de "Mentes inquietas", sobre déficit de atenção.
Bia explica que a sociedade contemporânea tornou-se mais individualista e competitiva, o que vem mexendo profundamente com as relações humanas, hoje alienantes.
- Os pais incentivam os filhos a serem melhores do que seus colegas. Querem que o filho seja um vencedor a qualquer preço. E vendem como o sonho de juventude ter o primeiro milhão de dólares antes dos 25 anos - explica a psiquiatra. - Temos a sensação de estar só no mundo e destinados a viver dentro de nossos próprios valores, não de valores coletivos.
Para tornar a questão ainda mais complexa, uma nova modalidade de bullying, vem sendo cada vez mais empregada: o cyberbullying, em que todas as ferramentas tecnológicas são usadas com a intenção de humilhar e maltratar a vítima. Com dois agravantes: os limites para dissipar a maldade são virtuais (na internet, não há muros de escola) e o anonimato do agressor é muito mais garantido. A americana Megan Meier, de 13 anos, suicidou-se em 2006 depois de sofrer cyberbullying. Phoebe Prince, de 15 anos, também se matou neste ano nos EUA, depois de sofrer ataques na escola e na internet. Mais recentemente, o brasileiro Matheus Abvragov Dalvit, de 15 anos, foi assassinado em Porto Alegre depois de reagir a constantes ataques de bullying.
De quem é a responsabilidade? Sem aliviar, a psiquiatra é categórica: dos adultos, isto é, dos pais e dos profissionais da escola, inclusive nos casos de cyberbullying, em que há dificuldade de acessar o mundo frequentado pelo adolescente.
- Pais e educadores precisam descobrir se a criança é vítima de bullying, se é praticante ou se é espectadora. E, depois, devem elaborar uma estratégia para combater o problema. As meninas agressoras costumam praticar um bullying mais dissimulado, sutil, isolando a vítima do grupo. Os meninos costumam ser mais agressivos, partindo para ataques físicos. Ambas são muito cruéis - diz Bia.

Pais e escolas devem agir juntos contra as agressões
No grupo dos agressores, Bia faz uma divisão entre quatro tipos: aquele com falta de limites, que provoca risadas no grupo ao zombar do colega e normalmente tem pais muito omissos ou permissivos. Outro seria o agressor que não tem como modelo educacional o altruísmo e a solidariedade. Um terceiro seria o agressor ocasional, que num período difícil de sua vida (separação dos pais, doença de um parente) se torna agressivo. E um quarto tipo, felizmente a minoria das minorias, seria o da índole realmente má, em que a intervenção dos pais poderia amenizar os estragos, mas que precisaria para sempre de acompanhamento.
Os pais são protagonistas nesse enredo. Se o filho é criança, pelo bate-papo, pela obser$ção do comportamento, é possível entender o que se passa. Segundo Bia, até os 8 anos, a criança não tem a sofisticação de disfarçar a maldade e conta o que vive com naturalidade. Cabe aos pais reconhecerem o que não pode ser natural. Eles precisam intervir, seja protegendo o filho (se ele for vítima), seja incentivando o espectador a contar o que vê, ou punindo com limites rígidos, sem abrir exceções, o agressor.
Mudanças drásticas, como não querer ir à escola, perder o apetite, deprimir, são sinais de que a criança pode estar sofrendo bullying. Bia recomenda que os pais não só conversem com o filho como procurem pessoas da escola, como o cantineiro, o porteiro, o professor de educação física, o faxineiro, antes de chegar à coordenação, para saber se há algo errado. Quanto mais cedo o problema for detectado, menos danos trará à criança.
- As vítimas preferenciais são as que já têm uma feridinha aberta, pronta para sangrar. São as mais tímidas, mais gordas, muito magras, que usam óculos, que têm autoestima mais frágil.
Se o filho é adolescente e as conversas familiares são mais difíceis, Bia é a favor de um controle rígido:
- Os pais devem saber exatamente o que a criança ou o adolescente vê no computador. Se for preciso, que bloqueiem conteúdos. Também devem conhecer o grupo de amigos. E defendo umas incertas, do tipo ir até a boate onde o filho está para verificar se estão todos numa boa ou entrando em coma alcoólico. O adolescente tem realmente uma mudança de comportamento nesta fase. Mas os pais conhecem seu filho desde a infância e ele não pode se transformar em outra pessoa só porque chegou à adolescência. Se isso acontecer, há algo errado.

Especialista quer câmeras no recreio e teatro antibullying
A escola é a outra protagonista desta história. Bia defende que sejam adotadas políticas concretas para combater o bullying naquele espaço, como instalar câmeras nas áreas onde as crianças passam o recreio, momento onde as agressões são mais frequentes, para identificar e inibir os agressores.
- Sinceramente, que privacidade a criança precisa ter na hora do recreio? A escola é um espaço para se ensinar ética e cidadania. Ela também pode trabalhar o tema de várias formas, premiando a vítima, como montando uma peça de teatro antibullying. Ou propondo um concurso para o melhor vídeo feito pelas crianças sobre o assunto. É nessa hora que o agressor se retrai - diz ela.


O Globo

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