A infância deveria ser a época mais relaxada da vida. Mas o número de crianças ansiosas aumentou 60% em uma década no Brasil. Como perceber – e tratar – o distúrbio
As crianças são, por natureza, ansiosas. Todo pai sabe que vai ouvir mais de 20 vezes a pergunta sobre quanto tempo falta para acabar a viagem ou chegar o dia do aniversário. Mas às vezes a ansiedade passa dos limites. É comum que uma menina de 11 anos pergunte quando vai ser uma festa. Não é comum que ela durma com um relógio e acorde durante a noite para checar quantas horas faltam. Letícia dos Santos fazia isso. Todo evento importante era precedido de grande sofrimento. “Ela chegava a ter falta de ar e uma vez desmaiou antes de uma prova”, diz a mãe, a comerciária Sirlene dos Santos.
O desmaio serviu de alerta. A mãe a levou a uma emergência, mas não constataram nenhum problema físico. O pediatra não conseguiu encontrar uma causa para o desmaio. Algum tempo depois, quando o avô de Letícia precisou amputar uma perna, em decorrência de hepatite, sua ansiedade explodiu. “Ela não podia visitá-lo, então cismava que ele tinha morrido”, diz a mãe. “A Letícia pedia para eu provar que ele estava vivo, que o pusesse para falar com ela no celular.” A mãe começou a pensar em procurar um psicólogo e acabou vendo um anúncio da Santa Casa com os sintomas da ansiedade infantil. Reconheceu a filha em cada palavra que leu: preocupação excessiva, sofrimento por antecipação, dificuldade de dormir.
O distúrbio que acomete Letícia é cada vez mais frequente no Brasil. Um levantamento feito pelo Centro de Atendimento e Pesquisa de Psiquiatria da Infância e Adolescência (Capia) da Santa Casa do Rio de Janeiro mostra que em dez anos o número de crianças com o transtorno cresceu 60%. O Capia costuma atender 40 crianças a cada semana. Há dez anos, oito delas, em média, saíam com o diagnóstico de ansiedade. Hoje, são 13. Também em São Paulo se nota um aumento de casos, diz Fernando Asbahar, coordenador do projeto de Transtornos Ansiosos da Infância e Adolescência no Hospital das Clínicas, embora ele não tenha uma contagem como a do Rio.
De acordo com a Associação Americana de Transtornos de Ansiedade, entre 9% e 15% da população de 5 a 16 anos sofre do distúrbio. Na falta de estudos que mostrem se esse porcentual varia de um lugar para outro, os psiquiatras brasileiros trabalham com a mesma estimativa. Há sinais de que o mundo moderno tenha agravado o problema. Um levantamento feito com 300 estudantes americanos pelo pesquisador Jean Twenge, da Universidade de Cleveland, concluiu que as crianças americanas são sete vezes mais ansiosas do que há 70 anos. Twenge pesquisou questionários do “Inventário de personalidade”, aplicado no Estado de Minnesota a todos os alunos do ensino médio desde 1938. As crianças de hoje mostram-se mais inseguras sobre seu futuro, confiam menos em si próprias e demonstram medo de não ter controle sobre fatores externos.
O transtorno é potencialmente grave. Em suas formas mais severas, a ansiedade pode afetar o raciocínio, a habilidade de tomar decisões, a percepção de seu ambiente, o aprendizado e a concentração. Além disso, vem se formando entre os médicos o consenso de que muitas desordens da vida adulta, desde dificuldades de relacionamento até a depressão, têm suas primeiras manifestações na infância – e em muitos casos poderiam ser evitadas com tratamento precoce. Esse tratamento é relativamente simples. Em poucas semanas de acompanhamento psicológico, Letícia já consegue dormir sem o relógio ao lado da cama e se mostra mais tranquila.
A grande dificuldade, em casos como o dela, é o diagnóstico. Apesar de serem tão comuns, os distúrbios de ansiedade costumam passar despercebidos – talvez porque seus sintomas comportamentais sejam tão parecidos com virtudes. É o caso de Vitória de Anchieta Custódio, de 10 anos. Ótima aluna, ela não se conforma com notas menores que 9. Está sempre preocupada com a saúde dos avós. Quando eles adoecem, pergunta o tempo todo à mãe sobre o estado de saúde deles. Vitória não cede à tentação do consumo desenfreado e até rejeita presentes: ela se importa com a situação financeira da família. Se chove, Vitória liga para o pai para saber se está tudo bem e se ele voltará para casa em segurança. Tem poucos amigos – e se dedica extremamente a eles. Parece, enfim, uma menina exemplar. Mas suas características dão sinais de uma espécie de sofrimento.
É difícil atinar que as qualidades tão prezadas nos filhos possam indicar problemas. Tão difícil que mesmo os sintomas físicos costumam ser ignorados. Em 80% dos casos a ansiedade vem acompanhada de manifestações como náusea, vômitos, dores de barriga, úlceras, diarreia, falta de ar, fraqueza ou até queda de cabelo. Em geral, os pais procuram pediatras queixando-se do problema orgânico e a ansiedade fica mascarada.
Se o pediatra levanta a possibilidade de ser algo psicológico, muitos pais reagem mal. “Nós sofremos muita pressão dos amigos quando dissemos que a Vitória iria a um psicólogo, mas hoje ela está bem melhor”, diz a mãe, Carla Parreira.
Para tentar sanar a subnotificação do distúrbio, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) iniciou uma campanha com os pediatras, orientando-os para os sintomas mais comuns. “Percebemos que a maioria dos casos de dores abdominais persistentes e também de perda de peso tem origem psicológica. A orientação aos pediatras é que eles considerem essa possibilidade no diagnóstico”, diz Eduardo da Silva Vaz, presidente da SBP. Ele afirma que crianças “terceirizadas” são mais propensas a sofrer ansiedade por causa da separação. “Hoje as mães trabalham e muitas costumam deixar os filhos com babás. Quem tem filho tem de saber que nos primeiros anos de vida é essencial ter tempo para ele.”
Para Fabio Barbirato, coordenador do Capia, no Rio, o número de diagnósticos cresceu porque os profissionais estudam mais o transtorno e estão mais capacitados para detectá-lo. Cresceu também a quantidade de psiquiatras infantis no Brasil. Há dez anos eram 150, hoje são 600. Mas, sem a ajuda dos pediatras, a maioria dos casos de ansiedade ainda ficará sem tratamento. E crianças ansiosas dificilmente serão curadas sozinhas. Barbirato diz que o mais comum é que se tornem adultos ansiosos, que passarão a noite em claro na véspera de apresentar um projeto corriqueiro no trabalho e evitarão situações sociais nas quais se sintam desconfortáveis. De acordo com estudos internacionais, em 80% dos casos um menino ansioso vira um adulto deprimido.
É possível que o número de casos no Brasil esteja crescendo apenas como consequência de melhoras no processo de diagnóstico. Mas os médicos também apontam uma tendência social. As crianças de hoje, segundo Barbirato, estão expostas a mais pressão. “Com 5, 6 anos, eles já estão se preparando para os vestibulinhos. A nota média nas escolas subiu e existe uma cobrança maior por desempenho”, diz. A violência também provoca a ansiedade. Psicólogos relataram um aumento de consultas no período em que se noticiou o caso da menina Isabella Nardoni, jogada da janela do apartamento do pai, em São Paulo. Outro fator de estresse seria a exposição às conversas de adultos. As crianças estariam, hoje, mais expostas a discussões sobre dinheiro, brigas dos pais, conflitos no trabalho ou na sociedade. Sem maturidade para saber que estão protegidas, as crianças fantasiam perigos.
As crianças são, por natureza, ansiosas. Todo pai sabe que vai ouvir mais de 20 vezes a pergunta sobre quanto tempo falta para acabar a viagem ou chegar o dia do aniversário. Mas às vezes a ansiedade passa dos limites. É comum que uma menina de 11 anos pergunte quando vai ser uma festa. Não é comum que ela durma com um relógio e acorde durante a noite para checar quantas horas faltam. Letícia dos Santos fazia isso. Todo evento importante era precedido de grande sofrimento. “Ela chegava a ter falta de ar e uma vez desmaiou antes de uma prova”, diz a mãe, a comerciária Sirlene dos Santos.
O desmaio serviu de alerta. A mãe a levou a uma emergência, mas não constataram nenhum problema físico. O pediatra não conseguiu encontrar uma causa para o desmaio. Algum tempo depois, quando o avô de Letícia precisou amputar uma perna, em decorrência de hepatite, sua ansiedade explodiu. “Ela não podia visitá-lo, então cismava que ele tinha morrido”, diz a mãe. “A Letícia pedia para eu provar que ele estava vivo, que o pusesse para falar com ela no celular.” A mãe começou a pensar em procurar um psicólogo e acabou vendo um anúncio da Santa Casa com os sintomas da ansiedade infantil. Reconheceu a filha em cada palavra que leu: preocupação excessiva, sofrimento por antecipação, dificuldade de dormir.
O distúrbio que acomete Letícia é cada vez mais frequente no Brasil. Um levantamento feito pelo Centro de Atendimento e Pesquisa de Psiquiatria da Infância e Adolescência (Capia) da Santa Casa do Rio de Janeiro mostra que em dez anos o número de crianças com o transtorno cresceu 60%. O Capia costuma atender 40 crianças a cada semana. Há dez anos, oito delas, em média, saíam com o diagnóstico de ansiedade. Hoje, são 13. Também em São Paulo se nota um aumento de casos, diz Fernando Asbahar, coordenador do projeto de Transtornos Ansiosos da Infância e Adolescência no Hospital das Clínicas, embora ele não tenha uma contagem como a do Rio.
De acordo com a Associação Americana de Transtornos de Ansiedade, entre 9% e 15% da população de 5 a 16 anos sofre do distúrbio. Na falta de estudos que mostrem se esse porcentual varia de um lugar para outro, os psiquiatras brasileiros trabalham com a mesma estimativa. Há sinais de que o mundo moderno tenha agravado o problema. Um levantamento feito com 300 estudantes americanos pelo pesquisador Jean Twenge, da Universidade de Cleveland, concluiu que as crianças americanas são sete vezes mais ansiosas do que há 70 anos. Twenge pesquisou questionários do “Inventário de personalidade”, aplicado no Estado de Minnesota a todos os alunos do ensino médio desde 1938. As crianças de hoje mostram-se mais inseguras sobre seu futuro, confiam menos em si próprias e demonstram medo de não ter controle sobre fatores externos.
O transtorno é potencialmente grave. Em suas formas mais severas, a ansiedade pode afetar o raciocínio, a habilidade de tomar decisões, a percepção de seu ambiente, o aprendizado e a concentração. Além disso, vem se formando entre os médicos o consenso de que muitas desordens da vida adulta, desde dificuldades de relacionamento até a depressão, têm suas primeiras manifestações na infância – e em muitos casos poderiam ser evitadas com tratamento precoce. Esse tratamento é relativamente simples. Em poucas semanas de acompanhamento psicológico, Letícia já consegue dormir sem o relógio ao lado da cama e se mostra mais tranquila.
A grande dificuldade, em casos como o dela, é o diagnóstico. Apesar de serem tão comuns, os distúrbios de ansiedade costumam passar despercebidos – talvez porque seus sintomas comportamentais sejam tão parecidos com virtudes. É o caso de Vitória de Anchieta Custódio, de 10 anos. Ótima aluna, ela não se conforma com notas menores que 9. Está sempre preocupada com a saúde dos avós. Quando eles adoecem, pergunta o tempo todo à mãe sobre o estado de saúde deles. Vitória não cede à tentação do consumo desenfreado e até rejeita presentes: ela se importa com a situação financeira da família. Se chove, Vitória liga para o pai para saber se está tudo bem e se ele voltará para casa em segurança. Tem poucos amigos – e se dedica extremamente a eles. Parece, enfim, uma menina exemplar. Mas suas características dão sinais de uma espécie de sofrimento.
É difícil atinar que as qualidades tão prezadas nos filhos possam indicar problemas. Tão difícil que mesmo os sintomas físicos costumam ser ignorados. Em 80% dos casos a ansiedade vem acompanhada de manifestações como náusea, vômitos, dores de barriga, úlceras, diarreia, falta de ar, fraqueza ou até queda de cabelo. Em geral, os pais procuram pediatras queixando-se do problema orgânico e a ansiedade fica mascarada.
Se o pediatra levanta a possibilidade de ser algo psicológico, muitos pais reagem mal. “Nós sofremos muita pressão dos amigos quando dissemos que a Vitória iria a um psicólogo, mas hoje ela está bem melhor”, diz a mãe, Carla Parreira.
Para tentar sanar a subnotificação do distúrbio, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) iniciou uma campanha com os pediatras, orientando-os para os sintomas mais comuns. “Percebemos que a maioria dos casos de dores abdominais persistentes e também de perda de peso tem origem psicológica. A orientação aos pediatras é que eles considerem essa possibilidade no diagnóstico”, diz Eduardo da Silva Vaz, presidente da SBP. Ele afirma que crianças “terceirizadas” são mais propensas a sofrer ansiedade por causa da separação. “Hoje as mães trabalham e muitas costumam deixar os filhos com babás. Quem tem filho tem de saber que nos primeiros anos de vida é essencial ter tempo para ele.”
Para Fabio Barbirato, coordenador do Capia, no Rio, o número de diagnósticos cresceu porque os profissionais estudam mais o transtorno e estão mais capacitados para detectá-lo. Cresceu também a quantidade de psiquiatras infantis no Brasil. Há dez anos eram 150, hoje são 600. Mas, sem a ajuda dos pediatras, a maioria dos casos de ansiedade ainda ficará sem tratamento. E crianças ansiosas dificilmente serão curadas sozinhas. Barbirato diz que o mais comum é que se tornem adultos ansiosos, que passarão a noite em claro na véspera de apresentar um projeto corriqueiro no trabalho e evitarão situações sociais nas quais se sintam desconfortáveis. De acordo com estudos internacionais, em 80% dos casos um menino ansioso vira um adulto deprimido.
É possível que o número de casos no Brasil esteja crescendo apenas como consequência de melhoras no processo de diagnóstico. Mas os médicos também apontam uma tendência social. As crianças de hoje, segundo Barbirato, estão expostas a mais pressão. “Com 5, 6 anos, eles já estão se preparando para os vestibulinhos. A nota média nas escolas subiu e existe uma cobrança maior por desempenho”, diz. A violência também provoca a ansiedade. Psicólogos relataram um aumento de consultas no período em que se noticiou o caso da menina Isabella Nardoni, jogada da janela do apartamento do pai, em São Paulo. Outro fator de estresse seria a exposição às conversas de adultos. As crianças estariam, hoje, mais expostas a discussões sobre dinheiro, brigas dos pais, conflitos no trabalho ou na sociedade. Sem maturidade para saber que estão protegidas, as crianças fantasiam perigos.
Ou talvez não seja nada disso. Segundo um estudo publicado no mês passado na revista Nature, a ansiedade pode estar gravada em nosso DNA tanto quanto a cor dos olhos ou do cabelo. Embora fatores externos exerçam influência, a predisposição para a ansiedade seria hereditária. Cientistas do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, monitoraram um grupo de 1.500 macacos e constataram que os 238 mais ansiosos eram da mesma família. Um mapeamento cerebral dos animais mostrou que as duas áreas do cérebro mais ligadas a esse sentimento, a amígdala e o hipocampo, funcionavam de forma parecida no grupo, com a atividade intensa, maior do que nos mais calmos, assim que uma possível ameaça surgia.
As duas regiões do cérebro são responsáveis por identificar um problema e decidir uma resposta a ele. No grupo de macacos mais ansiosos, a reação era exagerada – como nos ansiosos humanos – e se mantinha mesmo depois que a ameaça cessava. “O estudo é um grande passo para mostrar que a ansiedade é muito mais biológica do que imaginamos”, disse Ned Kalin, neurologista da Universidade de Wisconsin.
Não é incomum haver irmãos ansiosos. O irmão menor de Vitória, Gabriel, fez tratamento quando tinha 7 anos. Entre os pacientes da Santa Casa, 88% têm um pai ou uma mãe ansioso. “Isso muitas vezes dificulta o tratamento porque o pai, por ser ansioso, acha o filho normal e diz que com o tempo passa”, diz Barbirato.
Um dos maiores obstáculos para identificar o transtorno é que o problema não está na existência da ansiedade, mas no grau em que ela aparece. A ansiedade faz parte da vida. Desde a tenra infância, os desafios que enfrentamos podem provocar retração, busca de apoio, aversão ao risco, até falta de confiança em si mesmo. Normalmente, esses problemas desaparecem quando a criança aprende a lidar com a situação nova ou quando a situação muda. É assim com a troca de escola, entrar na piscina ou no mar, fazer provas etc. A ansiedade é um mecanismo de proteção. Em 1996, fez sucesso um livro do então presidente da Intel, Andy Grove, defendendo a tese de que, no mundo dos negócios, só os paranoicos sobrevivem. “Em quantidade normal, a ansiedade pode fazer a pessoa crescer e se desenvolver”, diz a psicóloga Lilian Lerner de Castro, vice-presidente da Associação dos Portadores de Transtorno de Ansiedade (Aporta).
Ansiedade de menos é ruim. Relaxados, somos mais vulneráveis. Um estudo da seguradora inglesa Elephant mostrou que 65% dos acidentes de carro acontecem num raio de menos de 10 quilômetros de casa – quando nos sentimos tranquilos e baixamos a guarda. Mas ansiedade demais paralisa. “Enquanto o deprimido remói o passado, o ansioso vive preso no futuro”, diz Angela Donato Oliva, professora de pós-graduação do Programa de Psicologia Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A ansiedade é como uma forte alergia psicológica. Você tem uma reação desproporcional a algo que, para os outros, é corriqueiro.”
No caso de uma criança assim, a simples ida à casa de um coleguinha detona uma onda de preocupação e expectativa exacerbada. “Quando a gente dizia que ele iria visitar algum amigo, o Bruno ficava perguntando quando ia ser, como ia ser. Se preocupava com tudo, com a roupa que ia, quem ia levar, que horas ia voltar. Isso às vezes semanas antes”, diz a professora Fátima Aparecida Borges da Costa, mãe de Bruno, de 9 anos, que faz terapia para combater a ansiedade.
Se é assim com visitas, o que dizer de mudanças mais radicais? Gabriele Rodolfo, de 9 anos, teve de trocar de escola quando os pais se separaram. Não aceitou. Teve medo dos novos colegas e professores. Horas antes da aula ela começava a ter ânsias de vômito. Levada à força, tinha crises de choro. A mãe, Fátima Fernandes, acabou tirando-a da escola e hoje ela tem uma professora particular. Ainda assim, Gabriele só aceitou a presença da estranha depois que começou o tratamento contra a ansiedade. “Ela passou a ter medo de tudo e é muito tímida”, diz a mãe.
Crianças que são “pequenos adultos”, muito responsáveis, também podem ser ansiosas. Quando Bruno começou a demonstrar preocupações incompatíveis com sua idade, a mãe desconfiou que havia algo de errado. “A gente dava um presente e ele perguntava: mas você vai poder pagar isso? No início eu achava que ele fosse só um menino responsável, o filho-padrão que todo pai quer ter”, diz Fátima. Quando ele soube que a mãe trabalharia no Censo e ia ter de entrevistar pessoas, Bruno começou a temer que ela encontrasse algum maníaco. O garoto começou a ter descamações na pele. Os medos foram evoluindo a ponto de Bruno não conseguir mais dormir sozinho. Hoje, o garoto está sendo acompanhado por um psicólogo e já mostra sinais de melhora.
Os pais têm papel fundamental no tratamento. E o ingrediente mais importante é paciência, misturada com carinho. Na maioria das vezes, a ansiedade é temporária. Pesquisas mostram que 90% das crianças entre 2 e 14 anos têm pelo menos um temor específico. Até os 2 anos, pode ser o medo de separar-se dos pais ou o susto com barulhos fortes. De 3 a 6 anos, os mais comuns são os medos de seres imaginários ou do escuro. Entre 7 e 16 anos, os temores podem ser de se machucar, ir mal na escola, desastres naturais. Como saber, então, se a ansiedade passou dos limites aceitáveis? Especialistas afirmam que os pais devem se preocupar quando a criança der sinais claros de estar sofrendo, quando o transtorno afetar sua rotina (notas baixas, vida social afetada) ou quando ela passar a apresentar sintomas físicos.
O tratamento pode envolver apenas acompanhamento psicológico e, em alguns casos, medicação (em geral, para aumentar o nível de serotonina, que provoca sensações de relaxamento). A terapia, sozinha, leva entre dois e quatro meses para mostrar resultados. Quando tratadas só com medicação, as crianças apresentam melhora em apenas 15 dias, mas o índice de recaída é alto, de 30%.
Perceber o problema e tratá-lo pode mudar a vida de quem sofre do transtorno. Em 2009, Graziela de Caro, de 16 anos, fez inscrição para concursos seletivos em escolas técnicas do Rio. Durante a preparação, seu comportamento mudou. “Ela sempre achava que estava muito doente, que alguma coisa ruim ia acontecer. Isso desestruturava toda a família”, afirma a mãe, a funcionária pública Marinele Reis, de 40 anos. Graziela acordava de madrugada com medo. Tinha dor de cabeça, tonturas, ia ao médico, que nada encontrava. Acabou não passando nas provas. No ano passado, começou a fazer tratamento. “Ela ficou mais tranquila e, agora, passou para a Fundação Oswaldo Cruz”, diz Marinele. Graziela concorria com outros 30 alunos no curso de gerência de saúde. Livre da ansiedade, conseguiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário