domingo, 6 de fevereiro de 2011

Presídios têm 50 assassinatos em 6 anos

Crise no sistema prisional se agravou no início desse ano, com a greve dos agentes penitenciários logo no começo de janeiro; alguns profissionais são acusados de participação nos homicídios. (Foto: Marcelo Albuquerque)

Sem condições adequadas de funcionamento, e quase sempre superlotadas, unidades prisionais de Alagoas vivem tensão permanente

A morte atravessa as grades. A covardia também. Os presos não. Eles ficam lá dentro, espancados, torturados e mortos nos presídios de Alagoas. O sistema é bruto, o Estado mata. Após dias de homicídios, tortura, prisões de agentes, demissões de diretores e envolvimento de servidores nas mortes de detentos, fica a pergunta: Para que serve a prisão?
O caos imediato apavora. Só que a crise é crônica, já dura anos e só aumenta. O sistema penitenciário foi à lona, perdeu por nocaute há mais de uma década e sangra com supercílios inchados. Nem por isso, deixa de sofrer novos e duríssimos golpes. O duplo assassinato dentro de uma enfermaria do Presídio Baldomero Cavalcante e a execução de um preso num banheiro do Cyridião Durval são “apenas” mais três a se somar numa sinistra estatística.
Só nos últimos seis anos, foram 50 assassinatos em presídios alagoanos. A comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) recebeu recentemente mais de 200 denúncias de tortura e espancamento praticados por agentes penitenciários. Após a última rebelião no Baldomero, vinte agentes são acusados de tortura. Dois foram presos na última quinta-feira.

Baldomero deve ganhar módulo seguro
Alguns prédios e lojas têm, mas os presídios de Alagoas não dispõem de um simples monitoramento de vídeo. Este é apenas um dos problemas apontados pelo próprio intendente do Igesp (Intendência Geral do Sistema Prisional). Segundo Carlos Luna, o Estado queimou fortunas com projetos mal elaborados, a estrutura física dos presídios é precária, não há uma política pública definida para o sistema e a burocracia impede que milhões enviados ao Estado sejam utilizados.
Entre as medidas que serão anunciadas, a mais urgente é a construção de um módulo seguro no Presídio Baldomero Cavalcante, com capacidade para 96 presos e uma estrutura totalmente diferente dos demais. “O Baldomero, além de ser frágil, tem uma concepção arquitetônica que não colabora para a segurança ou para a convivência dos presos. O dinheiro foi mal investido”, afirma Luna.

Falta monitoramento de vídeo nas celas
Sem câmeras de vídeo, fica mais complicado saber quem abriu os cadeados de quatro portões, passou por uma portaria, uma rampa e um setor de monitoramento para chegar à enfermaria e matar dois presos convalescentes. As gravações também poderiam intimidar supostas torturas ou ajudar a identificar os torturadores.
Segundo o representante da OAB, Gilberto Irineu, os exames realizados em quinze presos, após a última rebelião, apontaram lesões corporais cometidas com cabos de aço, barras de ferro, fios, socos e pontapés. Só isso já desmentiria a versão dos agentes que só usaram armas não letais autorizadas para conter os rebelados.
Para Irineu, “foram mais de trinta torturadores que agiram nos módulos I, IV e VI do Baldomero. Só no módulo I, foram 19 acusados. O exame de corpo de delito constatou lesões de tortura, houve espancamento e os presos foram agredidos por agentes penitenciários”, anuncia o advogado.
Sindicato diz que Estado perdeu verbas
Os últimos dias não foram fáceis para o Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindapen). Relacionada a rebeliões, torturas e mortes, a greve de duas semanas foi encerrada sem nenhuma conquista salarial. Na volta ao trabalho, a categoria se deparou com suspeitas de envolvimento de colegas em homicídios e denúncias de tortura contra mais de vinte agentes. Dois deles já passaram para o outro lado das grades.
Ao saber da prisão dos companheiros, o presidente do sindicato, Jarbas de Souza, reagiu dizendo que, na próxima rebelião, os agentes vão se retirar do presídio “para que o Ministério Público, a igreja e o Bope entrem e resolvam”. Segundo a entidade, o grupo de agentes acusados entrou no presídio para conter uma rebelião de 400 presos, foi recebida com agressões, pedradas e precisou usar da força, mas apenas com armamentos como balas de borracha, spray de pimenta e bombas de efeito moral.

Categoria defende presos dentro da cela
Questionado sobre soluções para a crise do sistema, Jarbas Souza afirma logo que os presos deveriam ficar dentro das celas o dia inteiro, o que evitaria muito contato e confusão entre eles. “Mas eles ficam no destranca (em áreas comuns) o dia todo”. Para os agentes, um dos casos mais críticos é a Casa de Custódia, que deveria servir apenas como triagem provisória e não foi projetada com área para banho de sol.
Após uma rebelião, os presos conquistaram o direito de sair das celas para ficar numa área interna. “Não há banho de sol e eles ficam o dia todo numa área comum fechada”. Jarbas afirma que o sistema não cumpre o que preconiza a Lei de Execuções Penais (LEP). “Pela LEP, deveria haver a individualização do preso, colocar traficante com traficante, assaltante com assaltante”.

Agentes se dizem “desmotivados”
Segundo o sindicalista, as acusações de tortura também são injustas e estão desmotivando a categoria para exercer seu papel. “Havia 400 presos rebelados, agressivos, jogando pedras, jogando tudo. Entramos para controlar, usamos bala de borracha e fomos acusados de tortura, não sabemos mais o que fazer quando tiver outra rebelião, é um mato sem cachorro. Na hora da ação, do uso da força, o agente vai responder por tortura?”.
O inquérito policial, a sindicância da corregedoria e as investigações do Ministério Público ainda vão dar muito que falar. Num momento tão estranho como o atual, um ponto de interrogação cai como uma bomba no teto do presídio e na cabeça da opinião pública: Afinal, quem são os bandidos, os heróis e
as vítimas?

Projeto para novo presídio ainda segue sem definição
A intendência também garante medidas de impacto na gestão de recursos humanos. O principal desafio é combater a desmotivação dos funcionários. “E não é só a questão salarial. Tudo o que a gente vem falando, de falta de estrutura física, de uma política nacional para o sistema e de problemas que vão de encontro à LEP, ataca a auto-estima dos agentes e de todo o quadro do sistema”, afirma o intendente Carlos Luna.
Para o tenente-coronel, o que mais desmotiva é a falta de perspectiva de ascensão social ou econômica. “Entra agente e sai agente, se ele faz um curso, uma atividade de gestão, ele não se engrandece. As mudanças do sistema passam por uma qualificação profissional, através do Plano de Cargos e Carreiras do servidor público que está sendo elaborado pela Secretaria de Gestão Pública”.


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