quinta-feira, 23 de outubro de 2014

ONG da comunidade de Alto do Refúgio, no Recife (PE), aposta em articulação familiar e parcerias para enfrentar o trabalho infantil


As limitações da comunidade Alto do Refúgio, no bairro de Nova Descoberta, na Zona Norte do Recife (PE), começam logo nos aspectos geográficos: baixadas alagadiças, escadarias tortuosas e encostas desprotegidas se confundem em um horizonte desafiador para seus moradores, principalmente as crianças, os idosos e as pessoas com deficiência. Nesse cenário, a população de aproximadamente 10 mil pessoas ainda enfrenta problemas que vão desde o trabalho infantil até o tráfico de drogas.

Se essa cartografia representa um desafio para o desenvolvimento local, ela também motivou, trinta anos atrás, a união de seus moradores em torno de uma causa comum: reivindicar melhorias de infraestrutura para transformar a comunidade. Quem deu o pontapé inicial foi Dona Maria Francisca da Conceição, conhecida como Maria Grande por sua notável altura, que passou a convidar suas comadres e outros vizinhos a sentarem no quintal da sua casa para debater tais questões.

Duas Marias e a fundação do Clube de Mães

De tão produtivos, esses encontros no quintal resultaram na fundação do Clube de Mães dos Moradores de Alto do Refúgio, oficializado como organização não governamental em julho de 1982, uma agremiação que desde aquela época implicava a participação das famílias para se desenvolver, e que teve a já falecida Maria Grande como a sua primeira presidente.

“Na década de 80, aqui só existia muito mato. A comunidade não tinha nenhuma infraestrutura como água, energia, calçamento”, conta Maria Gomes, uma outra Maria, que, na época da fundação do Clube, ainda rodopiava em volta das cadeiras enquanto seus pais conversavam nas reuniões. Hoje, batizada Maria Pequena em uma afetuosa comparação com sua xará, ela atua na organização como articuladora social.

Uma luta diária
Com o tempo, a situação do bairro foi mudando e as necessidades se tornaram outras. Hoje, a atuação da ONG se expandiu e trata de garantir os direitos fundamentais das crianças, adolescentes e suas famílias, defendendo políticas públicas e promovendo ações educativas capazes de fortalecer o protagonismo social e político dos jovens.

“É preciso ter uma melhor saúde, melhor educação, crianças livres do trabalho infantil e desfrutando de seus direitos... Enfim, a nossa luta é diária”, afirma Adriana Silva, coordenadora de projetos da organização.

As atividades do Clube de Mães, que atualmente atende a 1,7 mil crianças de forma direta e a aproximadamente 6 mil indiretamente, são realizadas em sua sede – uma casa adquirida desde que a ONG Visão Mundial tornou-se sua parceira – ou em espaços de parceiros e escolas do bairro de Nova Descoberta, no contraturno escolar.

Educação, saúde e liderança social

Segundo Adriana, os projetos se pautam em três eixos, sendo “Educação” o primeiro, no qual se concentram as oficinas de leitura, danças populares, informática, teatro, futebol e cidadania para crianças e adolescentes. Já o segundo eixo, “Saúde”, está voltado para a saúde preventiva das crianças, adolescentes e famílias, e inclui acompanhamento de nutrição e vacinação das crianças. E o terceiro, “Desenvolvimento de novas lideranças”, realiza ações direcionadas aos adolescentes com base na metodologia Monitoramento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP). “O intuito é inseri-los em espaços de articulação política, de luta pelo bem coletivo, bem como formar novas lideranças jovens”, afirma a coordenadora da ONG.

Laudiane Mendes Silva, de 17 anos, é um exemplo. Em dois anos de atividades no Clube de Mães, ela passou de frequentadora das oficinas a agente multiplicadora de informação. “Eu era muito tímida, não tinha muito interesse, mas mesmo assim eu vinha”, conta a jovem, destacando que se envolveu mais com as oficinas de dança e “baú de leituras”. “Com o passar do tempo, fui me interessando pelas oficinas e passei a sair para fazer apresentações com o grupo de dança nas escolas do bairro e nos períodos junino, natalino, carnavalesco.”

Em 2013, Laudiane recebeu um convite para estagiar no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no qual desenvolve oficinas de direitos e deveres, sobre trabalho infantil, e ministra oficinas de danças populares e de leitura para outras crianças e adolescentes. “Com tanta mudança em minha vida, eu fico a me perguntar o que seria minha vida se não tivesse conhecido o Clube de Mães”, reflete.

Família presente

“A missão do Clube de Mães é levar o nosso o público ao pleno conhecimento dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos”, ressalta Adriana. Para cumprir um expediente dessa proporção, enquanto as crianças e os adolescentes participam das oficinas, a ONG também envolve seus pais e familiares no processo.

“Eles organizam reuniões comunitárias, aulas de direitos e espaços de discussão, como fóruns, palestras, seminários e conferências”, explica a coordenadora de projetos. “Trabalho infantil é algo cultural, não faz sentido lutar pela erradicação se não atuar em conjunto com a família.”

Há quase quatro anos no Clube de Mães, a educadora Rosane Maria da Silva compartilha dessa opinião. “O trabalho infantil não é um tema fácil, ainda tem bastante resistência das famílias, mas estamos sempre falando e usando essa temática”, afirma, reconhecendo o mérito da organização em levar o assunto para todos os momentos de discussão.

Um sonho de futuro

Em seu relato ao Promenino, Rosane compartilhou o impacto que transformou de forma definitiva a sua carreira no setor social: “Quando perguntei para os meninos de Alto do Refúgio sobre quais eram seus sonhos para o futuro, eles não tinham uma resposta. Foi muito triste descobrir isso e ao mesmo tempo um grande avanço conseguir levantar sua autoestima”, avalia a educadora, declarando a sua vontade de que essas crianças e jovens se reconheçam “como luzinhas no fim do túnel da comunidade”.

E, por falar nisso, “o sonho do Clube de Mães”, arriscou Adriana, “é ser uma referência na defesa dos direitos das crianças e ter uma autossustentabilidade que lhe permita completar sua missão pelas próprias pernas”. Maria Pequena, que foi atendida pela organização quando criança e hoje influencia seus avanços, concorda, e acredita que tão somente neste momento seria possível descansar. “Aqui, todo mundo aprende a ser grande”, diz ela, oferecendo como testemunho sua própria história de vida.

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