Dia Nacional do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes – 18 de MaioQuando as crianças ficam em casa, usando o computador, existe a sensação de que estão seguras dos perigos da rua. Mas, segundo o psicólogo Rodrigo Nejm, da mesma forma que os pais orientam os filhos quando saem de casa, também é preciso orientar quando eles entram na rede.
Rodrigo Nejm é diretor de prevenção da SaferNet Brasil, uma associação sem fins lucrativos fundada em Salvador, na Bahia, que hoje opera a Central Nacional de Denúncia de Crimes na Internet Contra os Direitos Humanos. A Central atua em parceria com o Ministério Público Federal de oito estados e recebe denúncias de racismo, xenofobia, homofobia, intolerância religiosa, situações de crimes contra a vida e exploração sexual de crianças a adolescentes – que representa 62% das denúncias de crimes praticados na Internet.
Depois de mais de três anos com o serviço no ar, o psicólogo diz que a orientação é a maneira mais eficiente de garantir que crianças e adolescentes não caiam em armadilhas virtuais e sejam vítimas de aliciadores.
CeC – Como os pais podem proteger os filhos?
Rodrigo Nejm – Essa proteção também vem com o diálogo. Muitas famílias acham que sexualidade é sinônimo de sexo e que esse não é assunto para crianças e adolescentes, o que é um grande erro. A criança tem de ser esclarecida sobre seu próprio corpo, sobre cada etapa do seu desenvolvimento. Uma criança que não tem orientação sobre sexualidade e entra na Internet sem o devido esclarecimento dos pais, vai lidar com propostas, sites, imagens. Ela pode se tornar uma presa fácil porque sentirá curiosidade e não saberá o tamanho do risco que está correndo. O diálogo que ela não tem em casa, terá com um estranho, que pode se passar por uma criança ou adolescente, mas que na verdade pode ser um adulto com distúrbios. Por isso, quanto mais esse debate existe, mais protegida a criança vai estar na Internet. Ela saberá que não pode falar sobre sexo com um estranho em uma sala de bate papo, por exemplo.
CeC – Como os pais podem denunciar esse tipo de situação?
Rodrigo Nejm – Qualquer internauta, de qualquer lugar do mundo, pode entrar no site da SaferNet e denunciar de forma anônima e bem rápida qualquer violação de direitos humanos. Imediatamente essa denúncia será processada e enviada para as autoridades competentes e para o Ministério Público Federal. No III Congresso Mundial de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que aconteceu no Rio de Janeiro em novembro de 2008, assinamos mais um termo de cooperação com a Polícia Federal e com a Secretaria Especial de Direitos Humanos. Desde então, além do Ministério Público Federal, a Polícia Federal recebe a denúncia. O sistema também passou a integrar o Disque 100. As denúncias de crimes na Internet que chegarem pelo Disque 100 farão parte da mesma base de dados de denúncias que nós temos. Em contrapartida, se recebemos alguma denúncia que envolva risco físico a crianças ou adolescentes, encaminhamos imediatamente para o Disque 100. Essa parceria evita duplicidade de denúncias.
CeC – Muitos pais não sabem o que os filhos veem na Internet. Como eles podem participar mais?
Rodrigo Nejm – Antes de tudo, um alerta. Mesmo que os pais não sejam experts em tecnologia, eles precisam saber que são pais e adultos responsáveis pelos filhos. Parece óbvio, mas muitas vezes os pais se sentem intimidados pelo fato de o filho de 10, 11 anos saber mais de Internet que ele. Isso jamais deve ser motivo de constrangimento para os pais. Sugerimos que eles aprendam junto com os filhos. Que peçam para o filho criar um e-mail, mostrar o que faz e como funciona a dinâmica da Internet. Nesse momento duas atividades importantes acontecerão: o pai vai aprender um pouco mais e também vai conhecer o que o filho faz na rede. Isso é interessante porque promove uma relação de confiança.
Os pais devem saber ainda que a Internet é um espaço público e que a criança está sujeita a todo tipo de ação. Antigamente dizia-se para a criança jamais receber um doce ou bala na porta da escola, aceitar carona ou conversar com estranhos. Essas dicas valem ainda hoje, mas existem novos cuidados com o avanço da comunicação em rede. No lugar de bala, a criança não pode aceitar um link de qualquer pessoa, não deve fazer um download de arquivo desconhecido. No lugar da carona, jamais aceitar um encontro presencial com alguém que conheceu pela Internet. Muita gente não sabe, mas isso tem acontecido com frequência.
CeC – Existem dados sobre isso?
Rodrigo Nejm – Realizamos uma pesquisa nacional em 2007 sobre atos de segurança das crianças na Internet. 27% das crianças disseram que já se encontraram com alguém que conheceram pela rede. Esse dado é muito preocupante. Pode parecer alguém legal, mas não temos como garantir que seja uma criança, muito menos que seja alguém bem intencionado. Pode ser um aliciador, um criminoso. O pai precisa se colocar à disposição para ser uma referência para a criança. Isso é muito importante. Da mesma maneira que um pai não deixa a criança sair sozinha à meia noite pela rua, ele deve saber que alguns espaços da Internet são inadequados para ela.
CeC – Como monitorar o que o filho vê?
Rodrigo Nejm – Na nossa concepção, a melhor “tecnologia” para monitorar e proteger é o diálogo, a confiança. Nenhum recurso de informática vai substituir a confiança das crianças nos pais e o diálogo aberto. Você pode instalar um software que grava tudo o que a criança faz na Internet, mas aí eu pergunto: algum pai coloca câmera escondida na quadra de futebol ou na casinha de boneca para saber cada palavra que os filhos disseram ao longo do dia? Não faz sentido você querer controlar e ferir a privacidade da criança para protegê-la. E se a criança vai à lan house ou à casa de um amigo ou de um primo que não tem o mesmo programa? O risco continua. Se o diálogo acontece e a orientação dos pais e da escola é constante, a criança carrega com ela essa proteção e vai saber identificar o risco.
Além disso, a criança descobre muito rápido como burlar esses programas. Não aconselhamos usá-los porque fere uma relação muito importante de confiança.
CeC – A exposição da criança na Internet pode levá-la a queimar etapas de seu desenvolvimento?
Rodrigo Nejm – Sim. O pior é que ela queima etapas sem saber que existem etapas, porque muitas não têm espaço de diálogo sobre isso. O tabu é muito grande com relação à sexualidade. A criança acaba por não ter orientação e, quando tem contato com essas situações, já é o contato com a prática. A Internet oferece um conteúdo que a criança pode dizer, ela mesma, que tem 18 anos para ver as imagens. Ela poderá ver, assistir e até colecionar. Isso queima etapas. Ela não ganha com isso porque não é o momento da vida dela.
CeC – Quem hospeda sites que contêm imagens relacionadas à exploração sexual de crianças e adolescentes também pode ser responsabilizado?
Rodrigo Nejm – Quem hospeda o site é co-responsável em uma certa medida. Foi por isso também que, durante a CPI da Pedofilia, em dezembro de 2008, a SaferNet, junto com o Ministério Público Federal de SP, assinou um termo de cooperação com as operadoras de telefonia que oferecem acesso à Internet. Elas também estão se integrando para agilizar o procedimento de retirada desse tipo de conteúdo do ar. Depois, o Ministério Público Federal pode entrar com uma ação pedindo o início de uma investigação, para identificar o dono do site ou da comunidade, endereço, os dados e as provas. Pode pedir ainda uma ação da Polícia Federal solicitando às empresas que preservem as provas e forneçam os dados.
CeC – Qual é a avaliação da SaferNet com relação aos sites que se negam a abrir o conteúdo dos usuários para investigações?
Rodrigo Nejm – Esse impasse aconteceu com o Google, empresa dona do Orkut. Durante quase três anos, a SaferNet produziu mais de duas mil páginas de relatório sobre perfis e comunidades do Orkut que tinham pornografia infantil. Eles relutaram, mas assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta em julho de 2008. O Google ficou responsável por regularizar essa questão e hoje responde em 48 horas para as autoridades em caso de denúncias. A empresa adotou uma nova postura. As companhias têm de entender que são responsáveis e têm de orientar os pais e as próprias crianças e adolescentes de que forma podem desfrutar dos serviços de uma maneira segura. Em termos de ética empresarial, a empresa tem de saber de que forma oferecer um serviço para uma criança e um adolescente.
CeC- Como as empresas devem fazer isso?
Rodrigo Nejm – O serviço tem de ser adequado à faixa etária e monitorado pelas empresas. Por exemplo, com relação a algumas salas de bate papo, nós recebemos denúncias desse tipo de serviço para crianças de até 10 anos. Nós entrávamos nessas salas para acompanhar as denúncias, às 10 horas da manhã. Ninguém pode imaginar o conteúdo explícito que tinha nessa sala e sem qualquer tipo de acompanhamento da empresa que oferecia o serviço. Havia, por exemplo, um homem que se masturbava na frente da webcam e pedia para a criança fazer o mesmo. Nesses e em outros casos, a Polícia Federal encontra muita dificuldade por causa da demora das empresas em fornecer dados para as investigações.
Isso não acontece mais também por conta do trabalho da CPI da Pedofilia. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi ajustado para aumentar e fortalecer as penas da pornografia infantil na Internet. Hoje é crime a posse de pornografia infantil, que antes não era. Antes, se uma pessoa tivesse duas mil fotos em um computador, a polícia tinha de devolver tudo e ainda “pedir desculpas” por ter incomodado.
CeC – Há um comprometimento das empresas em combater esses crimes?
Rodrigo Nejm – O que falta no Brasil é ética empresarial. A gente percebe que não há um compromisso efetivo da maior parte das empresas em promover o uso seguro. Eles querem promover o uso comercial ao máximo. Muitas empresas associam segurança na Internet com segurança física ou patrimonial e não com a segurança das pessoas, no sentido de defender seus direitos. Ficamos tristes em ver que na Europa e nos Estados Unidos as mesmas empresas oferecem uma infinidade de conteúdos, campanhas, materiais educativos, fazem trabalhos em escolas para promover o uso seguro e ético da Internet. Aí eu pergunto: o que faz com que as crianças brasileiras não tenham o mesmo direito de proteção e de segurança que as crianças européias ou americanas em relação à Internet?
CeC – Uma legislação mais rígida poderia resolver isso?
Rodrigo Nejm – A gente acredita que não é obrigando por uma lei que isso vai se resolver. O ECA é suficiente no sentido de como devemos tratar a infância e a juventude. O que falta é ética, compromisso e responsabilidade das empresas em torno da questão. Acreditamos que aos poucos isso tem melhorado no Brasil. Mas sabemos que poucas empresas têm feito um trabalho cuidadoso. Isso nos decepciona bastante.
CeC- Que país é referência nessa questão?
Rodrigo Nejm – A Inglaterra tem um grupo muito responsável e campanhas de prevenção muito interessantes. Tem campanhas de animação para TVs educativas. Existem vídeos especialmente feitos para serem trabalhados em sala de aula com crianças e adolescentes. Eles têm kits pedagógicos que algumas escolas recebem, acompanhado de um treinamento para professores, com vídeos, DVDs e jogos. Mas isso é uma política pública. Esperamos abrir essa possibilidade com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que tem se comprometido mais com o tema da Internet.
CeC- A SaferNet também faz trabalhos educativos?
Rodrigo Nejm – Tem uma área que trata de prevenção no site, um glossário sobre Internet, outro sobre direitos humanos e um glossário que chamamos de “netqueta”. São dicas de como se comportar de maneira ética e séria na Internet, sem agredir ou ferir os direitos individuais e coletivos. Nós desenvolvemos uma cartilha explicativa para pais, crianças e professores. Tem também um “contrato” de Internet segura para o pai fazer com seus filhos em casa. Esse contrato é uma folha com uma lista de atividades que a criança gosta de fazer. Junto com pai, a criança coloca ao lado de cada item os sinais verde, amarelo ou vermelho. O sinal é escolhido de acordo com o risco que aquela atividade oferece. A idéia é que o pai faça isso junto com os filhos, para mostrá-los o que se deve e o que não se deve fazer, mas nunca proibindo. Nós também fazemos oficinas com alunos e professores e identificamos que há um déficit enorme dos professores tanto da rede pública quanto particular em relação a essa dinâmica da Internet. Isso gera um prejuízo muito grande para a criança e para a sociedade.
CeC – Cada vez mais crianças se cadastram em páginas de relacionamentos e publicam fotos. Quais os riscos de fazer isso?
Rodrigo Nejm – Eu gosto de dar um exemplo quando estou em atividade com os adolescentes. Pergunto para eles se pegariam um álbum de fotografias das férias, tirariam um monte de cópias e sairiam distribuindo em pontos de ônibus, no shopping, no mural da escola para todo o mundo dar uma olhadinha. Eles caem na gargalhada e dizem que jamais fariam isso. Mas quando você coloca uma foto sua na Internet, está distribuindo essas fotos para milhões e milhões de pessoas que você nem imagina quem são. E o pior, essas pessoas podem não apenas olhar sua foto, como copiar e manipular. Quando você coloca sua foto na Internet, perde o controle sobre ela.
CeC – Recentemente surgiram notícias de jovens que colocam na rede vídeos das namoradas, às vezes menores de idade, tendo relações sexuais. Por que esses jovens procuram essa exposição?
Rodrigo Nejm – Temos um problema sério que é a questão do individualismo, da valorização da auto-imagem, da valorização do corpo perfeito. Isso está associado à sociedade de consumo. Nesse contexto cultural, a pessoa usa a Internet para se promover. Essas são situações que os meios de comunicação de massa reproduzem. É o que a gente vê com esses Big Brothers da vida, isso acontece no bairro, no condomínio. É a auto-promoção, ao mesmo tempo a auto-vigilância. A exposição da intimidade se tornou algo banal e, pior, algo desejado. Por isso, alguns jovens colocam vídeos com a ex-namorada na Internet como se ele estivesse se promovendo e a sociedade de massa tem valorizado isso.
CeC – Essa valorização do individualismo e da auto-exposição acontece cada vez mais cedo?
Rodrigo Nejm – A gente vê muito isso nos programas em que a criança aparece como um “mini adulto”. Outro exemplo são as músicas que têm temas e danças eróticas. Isso não é adequado para crianças, mas a gente tem uma cultura que banaliza e valoriza isso. Depois nos assustamos quando caem na Internet imagens envolvendo jovens e até crianças. São questões que mostram como é valorizada a questão do individualismo, do corpo e da exposição. É a valorização da competitividade desde cedo.
CeC – Você acredita que essa competição é estimulada ainda na infância?
Rodrigo Nejm – Algumas escolas oferecem para as crianças aulas de empreendedorismo no início do ensino fundamental. Essa é uma questão que eu vejo com preocupação. O adolescente que conviveu com esse ambiente pode achar o máximo colocar uma foto dele sem roupa ou da namorada na Internet. Os pais ficam horrorizados com isso, mas acham engraçado ver a criança dançando ou interpretando um adulto na televisão. Tem também novelas para crianças com adultos de vinte e poucos anos interpretando papéis de adolescentes e fazendo propaganda de produtos para adultos. Isso tudo é muito complexo, mas a criança absorve esses valores e isso resulta em questões novas.
Fonte: Instituto Alana
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