Ela age em silêncio. Atinge o corpo, fere a carne e marca a alma. Nasce na falta de informação e de saúde básica. Multiplica-se na miséria. Alimenta-se da vida que rouba, aos poucos, de suas vítimas. Atinge adultos e, cada vez mais, jovens e crianças. Esconde-se na vergonha e no preconceito. Ela é uma doença e também um nome. Palavra, carregada de estigmas, que corta como navalha. Mas é preciso lutar contra ela. Informar e desmistificar. Tirar os doentes do escuro dos seus quartos. Contar suas histórias. Ir além das estatísticas que, por sinal, são muito ruins. Dizer seu nome com coragem e sem preconceito: hanseníase.
Reportagem de
Marcionila Teixeira e Silvia Bessa
com fotos de Alcione Ferreira e vídeos de Silvia Bessa
Diário de Pernambuco
A doença mais antiga da humanidade ameaça uma nova geração de crianças e jovens brasileiros. Traiçoeira, chega sem alardear. Instala-se no corpo com lentidão. Atinge a pele e os nervos. Pode deixar fortes seqüelas físicas e emocionais. O perigo tem nome bíblico: lepra. Ou Mal de Hansen ou hanseníase, como é definida no país desde 1976. A hansen é um grave problema de saúde pública. Uma endemia que parece invisível e sem controle. Em 2006, 46 mil pessoas foram contaminadas por ela - cerca de 4 mil com idade inferior a 15 anos. Quatro mil notificados; outros milhares ignorados. Já existe tratamento e cura para a hanseníase; para o preconceito contra ela, não.
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking geral de casos descobertos anualmente - uma média de 49 mil na última década. Só perde para a Índia, país asiático com densidade populacional 15 vezes maior e duas vezes mais pobre. E até a Índia cumpriu a meta definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a eliminação da hanseníase. Das 193 nações do globo, apenas quatro não reduziram as taxas à média aceitável de um caso a cada 10 mil habitantes - Brasil, Nepal, Moçambique e Congo. A posição do país deve ser motivo de vergonha. Não dos vitimados. Dos governantes. Presidentes, governadores e prefeitos das últimas cinco décadas.
A Bíblia revela que, antes de Cristo, a hanseníase já era considerada uma praga. Os doentes eram isolados, as roupas queimadas e eles rotulados de “imundos”. O temor de pegar a lepra, como era chamada na época, era ainda maior do que nos dias de hoje.
O psicólogo Lindomar Lopes, que atua há 13 anos no Hospital Colônia Santa Marta, em Goiás, no Centro-Oeste, acredita que o preconceito contra o mal já faz parte do inconsciente coletivo. “Tem relação com o processo histórico da doença, com a memória de um passado que remete a 600 anos Antes de Cristo. Quem tem a hansen já se coloca num quadro diferenciado”, justifica.
O coordenador nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Artur Moreira, critica a falta de campanhas nacionais, com veiculação na TV, promovidas pelo Governo Federal. Na opinião de Arthur, isso dificulta a compreensão e a cura do mal e ainda promove o preconceito.“O preconceito não é somente falta de informação sobre algo. Também está ligado às informações erradas. O combate à doença precisa de um esforço maior não só no número de informações, mas na qualidade educativa delas. É preciso haver prioridade”, defende.
O Telehansen, que responde dúvidas através do número
0800262001, foi criado na década de 90 e calcula-se que receba cerca de 11 mil ligações por ano. A maioria delas trata de denúncias de discriminação e maltratos. Muitos pedem orientação jurídica”.
Tira-dúvidas
O que é hanseníase?
É uma doença infecto-contagiosa. Tem evolução lenta e só ataca seres humanos.
Quais os sintomas da doença?
Os sinais e sintomas aparecem através de lesões na pele e nos nervos periféricos, principalmente olhos, mãos e pés. Mas a doença também pode afetar a mucosa nasal, o fígado e os testículos. Não atinge o cérebro e a medula espinhal (leia mais sintomas ao lado).
O que causa a doença?
É causada por um tipo de micróbio, chamado bacilo Mycobacterium leprae ou bacilo de hansen.
Como se pega hanseníase?
Somente por meio de uma pessoa infectada com a forma contagiante (chamada multibacilar) que não esteja em tratamento. A infecção só acontece com o contato longo e íntimo. O bacilo é transmitido pelas vias respiratórias (fluidos nasais ou da boca). Aparece de dois a sete anos depois do contato com o doente, em média.
Pode se pegar hansen com um aperto de mão?
Não. A doença não se pega com aperto de mão nem com um abraço. Somente pelas vias aéreas, como nariz e boca.
O doente deve ser isolado dos familiares para evitar o contágio?
Não.
O doente de hansen deixa de contaminar as pessoas assim que inicia o tratamento.Os objetos do paciente devem ser separados?
Não. A transmissão acaba com o início do tratamento. Ou seja, pode-se compartilhar com a família o uso de utensílios, como copos, talheres ou pratos.
O paciente deve ser afastado do trabalho?Não.
Independente da forma clínica apresentada, o doente em tratamento deve ser mantido no trabalho. Isso porque, fazendo o tratamento regularmente, ele deixa de ser transmissor do bacilo.
De que forma posso identificar a doença?
Um caso típico de hanseníase apresenta lesões ou áreas da pele com alteração de sensibilidade, lesões nos nervos e baciloscopia positiva para Mycobacterium leprae. Ela pode se apresentar de quatro formas: indeterminada e tuberculóide (paubacilar, até cinco lesões na pele), virchowiana e dimorfa (multibacilar, mais de cinco lesões na pele).
Todo mundo pode pegar hanseníase?
A contaminação vai depender do sistema imunológico da pessoa. Outros fatores a serem levados em conta são as condições sócio-econômicas desfavoráveis (como a má-alimentação), a falta de acompanhamento médico ou a má-condição de moradia, com alto índice de ocupação.
Um bebê pode nascer com hanseníase?
Não. A doença não é hereditária.
Quais os danos físicos que a doença pode causar?
O tratamento tardio pode provocar dormência, pele seca, fraqueza. O nariz entope, surgem formigamentos nas mãos e pés, ou inchaços nas mãos, pés, rosto e orelhas. Sem sensibilidade, a pele pode sofrer ferimentos ou queimaduras. Há casos em que os homens ficam estéreis. Entre as deformidades estão úlceras, mãos em garra, pé e mão caídos e sem força, atrofias musculares, reabsorção óssea e articulações rígidas.
A hanseníase tem cura?
Sim. As duas formas da hanseníase - a paubacilar e a multibacilar - têm cura. Em 1982, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou um novo tratamento quimioterápico para a doença: a polioquimioterapia (PQT). A PQT é um tratamento simples, eficaz e barato. É todo custeado pelo governo. Mas se o tratamento acontece tarde, a pessoa pode ter seqüelas, como deformidades, mesmo que a infecção da hansen tenha sido curada.
Quanto tempo demora o tratamento?
As formas paubacilares são cuidadas com o tratamento Poliquimioterápico (PQT) ao longo de seis meses. As formas multibacilares exigem a medicação ao longo de um ano. A PQT é doada para o Brasil pela Organização Mundial de Saúde e deve estar em todos os municípios gratuitamente.
Onde é feito o tratamento?
O tratamento pode ser feito nos postos e centros de saúde e no Programa de Saúde da Família (PSF). O atendimento e o tratamento, incluindo remédios, são gratuitos.
Quem pode tirar dúvidas sobre a doença?
Os agentes de saúde, os enfermeiros e médicos do posto mais próximo. Consulte mais de um profissional, se for preciso.
O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas por Hanseníase dispõe de informações no site www.morhan.org.br e pode tirar dúvidas pelo telefone 0800262001.
Fonte: Morhan/Hanseníase: Atividade de Controle e Manual de Procedimentos, do Governo do Estado de Pernambuco/Ministério da Saúde