Carlos Eduardo é acusado de matar cartunista Glauco e seu filho Raoni - Reprodução Orkut
SÃO PAULO, RIO - O cartunista Glauco Villas-Boas, 53 anos, - o criador do personagem "Geraldão" - e o filho dele, Raoni, de 25 anos, foram mortos na madrugada desta sexta-feira dentro da comunidade Céu de Maria, que reúne adeptos de Santo Daime, em Osasco. O acusado pelo crime é o estudante Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, de 24 anos, que seria um ex-adepto. O rapaz, que já tem passagem por porte de drogas (maconha), foi reconhecido por pelo menos quatro testemunhas. A polícia desmentiu a versão apresentada pelo advogado da família, Ricardo Hambro, de que pai e filho tinham sido vítimas de latrocínio - roubo seguido de morte. O enterro será neste sábado no cemitério Getsêmani.
Brasil lamenta a morte trágica de Glauco
Segundo o delegado Archimeses Cassão Veras Junior, o estudante chegou ao local na madrugada desta sexta-feira, por volta de 0h30m, ao fim de uma cerimônia de Santo Daime, em um Gol cinza. O delegado disse que ele rendeu a enteada do cartunista, Juliana Vennis, de 21 anos, quando ela chegava de carro em casa. O jovem exigiu que ela fosse até casa de Glauco e Bia, padrasto e mãe. O rapaz queria que todos fossem até casa dele, no Alto de Pinheiros, para que eles confirmassem que Carlos Eduardo era Jesus. Além de uma pistola 765, o jovem também portava uma faca.
Glauco tentou acalmá-lo, negociou que só ele iria até a casa de Carlos Eduardo. No meio da conversa, o rapaz apontou a arma para a cabeça e teria tentado se matar. O cartunista impediu que ele atirasse:
- Não faça isso, não faça isso - teria dito o cartunista, segundo versão contada por um policial.
O rapaz, então, começou a discutir com Glauco e inclusive agrediu o cartunista com uma coronhada no rosto, que provocou sangramento no nariz. Nesse momento, o filho do cartunista, Raoni chegou, viu que Carlos Eduardo atirava contra seu pai e também foi alvejado, sem esboçar reação. Carlos Eduardo deu dez tiros, quatro em cada uma das vítimas. Dois tiros se perderam.
O delegado Cassão disse que Carlos Eduardo provavelmente estava alterado.
- Ele é um sujeito problemático. Não falava coisa com coisa no momento do crime, segundoas testemunhas. Mas estava visvelmente alterado e não deu chance de reação - disse o delegado.
Comunidade Céu de Maria, onde o crime aconteceu - Eliário Andrade/O GloboJuliana, a enteada de Glauco, e mais quatro pessoas prestaram depoimento nesta sexta. Entre eles, está um vizinho, identificado como Paulo, o concunhado de Glauco, Douglas Ribeiro. Esses depoimentos confirmaram a tese de homicídio doloso. Também foram ouvidos o pai e o avô do acusado pelo crime. Ambos confirmaram que Carlos Eduardo é usuário de drogas e tem problemas psicológicos, mas nunca agrediu nenhum familiar. Eles informaram que souberam do crime pela imprensa. O rapaz não entrou em contato com a família, segundo os parentes.
Outra versão foi apresentada pelo major Isaías Vieira, coordenador operacional do 42º Batalhão de polícia de Osasco. Segundo ele, o rapaz teria chegado, parado o carro e iniciado uma discussão não com Glauco, mas com Raoni. O cartunista teria então interferido e ambos foram alvejados. essa versão já foi descartada.
Após os disparos, o estudante fugiu. No Gol cinza, um homem teria ficado esperando por ele.
Para o delegado, o crime está esclarecido e a única dúvida é identificar a pessoa que dirigiu o carro na fuga. A segunda pessoa, disse o delegado, chegou a descer do veículo, mas não participou do crime. O delegado não descarta a hipótese do assassinato ter sido premeditado. já que o rapaz foi ao local armado.
Segundo frequentadores da comunidade, Carlos Eduardo tinha procurado a comunidade em busca de ajuda para se livrar das drogas. Carlos Eduardo seria usuário de cocaína, crack e maconha. Segundo Orlando Cardoso de Oliveira, de 61 anos, primo de Glauco, que mora na mesma comunidade, Carlos Eduardo participou de três ou quatro rituais no período. Ele deixou de comparecer aos rituais no segundo semestre do ano passado, mas voltou em janeiro quando a comunidade realiza uma grande festa.
Glauco era adepto de Santo Daime, fundador da comunidade e coordenador do grupo Céu de Maria . O conjunto de aproximadamente 10 casas fica numa área de mata na Estrada Alpina, perto do Pico do Jaraguá, na altura do km 18 da Via Anhanguera. Para chegar até o local, é preciso percorrer cerca de 2 km de estrada de terra, em desnível. Fica no meio de uma mata e a ideia é propiciar um ambiente tranquilo para os mais de 400 participantes do Santo Daime que todos os fins de semana passam pela comunidade.
Boletim de ocorrência registrou homicídioA versão do advogado da família não chegou sequer a ser mencionada no boletim de ocorrência, registrado no 1º Distrito Policial de Osasco. O caso foi registrado como homicídio e não como latrocínio - roubo seguido de morte.
O boletim de ocorrência informa que Glauco e Raoni foram mortos por volta de 0h30m. Quando viaturas da Polícia Militar chegaram ao local do crime, pai e filho já tinham sido encaminhados ao hospital Albert Sabin, onde morreram. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, no boletim registrado os criminosos eram três e ocupavam um Gol cinza. O delegado Cassão afirma que eram dois - o estudante e o homem que dirigia o Gol cinza.
É fácil entrar na comunidade. Não há guaritas ou serviço de segurança, apenas um portão de madeira e um muro de cerca de 1,20 metro de altura. Nesta sexta, depois do crime, a PM manteve uma viatura no local, impedindo a entrada da imprensa e de curiosos. O crime chocou os vizinhos.
-Ele era um vizinho muito tranquilo e querido. Trabalhava em casa e saía pouco - diz o eletricista Luiz Antonio Alves, que mora a 300 metros da comunidade, instalada no fim da Estrada da Alpina, no bairro Santa Fé, em Osasco.
Glauco havia completado 53 anos na última quarta-feira e a festa de aniversário dele foi incluída na programação oficial da Céu de Maria.
Vizinha do cartunista, a jornlista Nancy Antônia Corrente se mudou com a família para um lote ao lado da chácara de Glauco há oito anos.
- Ele era muito alegre, piadista, amável, compreensivo, aberto a tudo, inteligente, gostava de arte e incentivava os jovens a tocar instrumentos. Ele mesmo tocava sanfona e o filho Raoni também tocava instrumentos. Foi um bom amigo, com um coração enorme e o objetivo era ver a juventude se alinhar sem se perder - conta Nancy.
A vendedora Carolina Salzano, de 27 anos, mora no lote ao lado da chácara onde o cartunista vivia. Glauco era padrinho da filha dela, de 4 anos de idade.
- Eu costumava sempre passar na casa deles todas as noites quando voltava do trabalho. Ontem eu não fui - afirmou Carolina, que ainda não sabia como falar da tragédia à filha.
A trajetória de Glauco
No começo dos anos 70, o paranaense Glauco foi trabalhar no "Diário da Manhã", em Ribeirão Preto, onde fazia a tira "Rei Magro e Dragolino". Pouco tempo depois, em 1976, o jovem cartunista foi premiado no Salão de Humor de Piracicaba. Com o destaque do prêmio, no ano seguinte ele começou a publicar esporadicamente suas tiras na Folha de S. Paulo.
Veja algumas tirinhas de Glauco
Mas, foi a partir de 1984 que ele passou a desenvolver tiras diárias para competir com as americanas. Foi na Folha, que começou a parceria com Angeli e Laerte. Os três alcançariam sucesso nas bancas em revistas como a "Chiclete com Banana", com tiragens de até 150 mil exemplares e com a tira "Los 3 amigos".
Autor de tipos como "Dona Marta", "Zé do Apocalipse", "Doy Jorge" e "Geraldinho", Glauco manteve-se fiel ao seu traço único, com nanquim no papel. Ele também fez parte da equipe de redatores do programa "TV Pirata", da TV Globo. Glauco também era músico e tocava guitarra em bandas de rock.
Atualmente, ele publicava diariamente seus trabalhos, entre tirinhas e charges, no jornal Folha de S.Paulo.
O cartunista era frequentador do Santo Daime, uma manifestação religiosa surgida na região amazônica, sendo padrinho fundador da igreja Céu de Maria, que ficava em sua casa, onde deve ser velado.