O microbiologista francês Louis Pasteur costumava dizer que a sorte sorri para as mentes preparadas. O incrível caso do americano Timothy Ray Brown, de 44 anos, parece confirmar a tese. Tim, como é chamado pelos amigos, viveu vários anos com o vírus HIV. Tratava-se com o coquetel de drogas e trabalhava como garçom num café de Berlim. Era mais um de tantos soropositivos que, graças ao avanço do tratamento, levavam uma vida praticamente normal. Em 2006, no entanto, ele descobriu que também tinha leucemia, um tipo de câncer que ataca o sistema de defesa. Tim procurou o médico Gero Hütter, um jovem oncologista que entende de leucemia, mas nunca havia atendido um doente de aids. Foi aí que a sorte começou a conspirar a favor dos dois. Tim precisaria passar por um transplante de medula. Hütter decidiu escolher um doador especial, com uma mutação que o torna naturalmente resistente ao vírus HIV. O resultado surpreendeu o mundo. Desde 1996, os cientistas sabem que cerca de 1% dos europeus têm essa mutação antiaids. Ela não ocorre na população negra nem asiática. A mutação faz com que as células de defesa do organismo não tenham uma molécula chamada de CCR5. Ela é usada pelo HIV para invadir as células humanas (leia na ilustração). O que poderia acontecer se as células de defesa de Tim fossem totalmente aniquiladas pela quimioterapia e, em seguida, ele recebesse um novo sistema imune capaz de resistir ao vírus?
Hütter tinha uma bela hipótese em mente e decidiu testá-la. A sorte lhe sorriu. Tim deverá entrar para a história como a primeira pessoa no mundo a se livrar do vírus da aids – um fato inédito desde que a doença foi descrita, em 1981. Ele é um caso único entre os 60 milhões de pessoas que já foram infectadas desde o início da epidemia. A vitória de Tim sobre o vírus foi anunciada em um artigo publicado na revista Blood, uma publicação da Associação Americana de Hematologia.
A equipe de Hütter, da Universidade de Medicina de Berlim, garante ter reunido evidências suficientes para afirmar que o vírus HIV foi erradicado do organismo graças ao transplante de medula óssea. “Eu chamo isso de cura”, disse Hütter a ÉPOCA.
Três anos e meio depois do transplante, os médicos não encontraram sinal do vírus – mesmo usando as técnicas mais avançadas de diagnóstico. Ainda assim é possível que o HIV ainda esteja escondido em poucas células em algum ponto do organismo. Se isso estiver ocorrendo e o vírus voltar a se manifestar no futuro, será o fim do entusiasmo em torno da primeira cura da aids.
“É difícil afirmar que o paciente está definitivamente curado e que o vírus foi eliminado de todos os compartimentos de seu organismo”, diz a bioquímica Françoise Barré-Sinoussi, ganhadora do Nobel de Medicina em 2008 pela descoberta do vírus HIV, junto com Luc Montagnier. “No entanto, os dados do artigo são muito interessantes porque demonstram que não há nenhum traço do vírus ou dos reservatórios virais em partes importantes do organismo, como o intestino.”
Cristiane Segatto e Marcela Buscato com Elton Hubner, de Berlim
Época