O Irã, a Rússia e o Sri Lanka encabeçam uma lista de países onde é provável que haja uma intensificação de episódios de violência em levantes de civis contra o governo nos próximos cinco anos, elaborada por uma equipe de pesquisadores americanos.
O modelo que prevê cientificamente os países com maior probabilidade de aumento na ocorrência de agitação e confrontos nas ruas foi desenvolvido por dois professores assistentes de Ciência Política da Universidade do Estado do Kansas e um professor da Universidade Binghamton, de Nova York.
O Brasil não faz parte da lista, que inclui a Colômbia, Peru, Equador e até Chile e Argentina na América do Sul, além de México e Honduras no resto da América Latina.
"O Brasil tem um Estado com grande capacidade de conter episódios de violência", disse à BBC Brasil, por telefone, a pesquisadora Amanda Murdie, da Universidade do Kansas.
Os especialistas dizem que até agora a lista já conseguiu indicar alguns dos locais mais suscetíveis à agitação política, como a Tunísia, o Equador, a Irlanda, o Peru e a Itália.
"O que é interessante no nosso modelo é que ele não só prevê a violência em países como Honduras ou Irã, mas também nas democracias ocidentais. Por exemplo, na Irlanda, recentemente, devido à ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI)", afirmou o colega de Murdie na Universidade do Kansas, Sam Bell.
Comparações
A lista não procura determinar a razão por trás dos episódios de violência – esta pode resultar de uma escalada de protestos pacíficos, ser conscientemente organizada por manifestantes civis ou até parte de ação de grupos organizados armados.
Analisando os dados de violência política doméstica em 150 países entre 1990 e 2009, os pesquisadores usaram três critérios para prever possíveis aumentos no nível de violência.
O primeiro deles é o nível de repressão dos Estados, que, para os especialistas, eleva a tensão e motiva os protestos.
O segundo fator é a facilidade de coordenação dos protestos, consideravelmente incrementada pelas tecnologias móveis. Os protestos de 2009 no Irã, que viram a utilização sem precedentes de ferramentas como o Twitter e os telefones celulares, são um bom exemplo disso.
Por último, os pesquisadores levaram em conta a capacidade de cada Estado de evitar a eclosão de violência em protestos através do preparo de seu próprio aparato de segurança.
Bell crê que Irã, Sri Lanka e Rússia estão na lista por razões "fáceis de deduzir".
Na república persa, a insatisfação gerada pelas violações de direitos humanos, combinada com as ferramentas disponíveis para organização de protestos, torna o país um barril de pólvora.
"O Irã é um caso especialmente interessante, porque o país já vivenciou episódios muito violentos de agitação social. Se o nosso modelo estiver correto, poderíamos ver níveis de violência ainda maiores do que há dois anos", avaliou Bell.
Países com o Egito e a Síria, que têm configurações semelhantes à iraniana, também fazem parte da lista.
No caso da Rússia, Bell aponta para um possível efeito contágio dos protestos da a "revolução laranja" - a revolta popular que varreu a Ucrânia de novembro de 2004 a janeiro de 2005 - nas ex-repúblicas soviéticas.
"Há um grande nível de repressão e não faltam ferramentas para os cidadãos se organizarem", explicou o pesquisador.
"Além disso, se houve respeito aos direitos humanos por um curto período após a queda da União Soviética, percebemos nos anos mais recentes uma rápida deterioração dessas práticas dentro da Rússia."
Já o Sri Lanka, nas palavras de Murdie, "é em termos gerais um Estado com poucas capacidades, altos níveis de repressão, e em situações assim basta um leve aumento nos níveis de coordenação da população – digamos, um aumento básico nas taxas de uso de celular ou internet – para tornar o país vulnerável aos distúrbios civis".
SurpresasOs pesquisadores explicam que esses critérios explicam a inclusão de alguns países desenvolvidos na lista, como a Itália e a Irlanda, cuja menção pode parecer surpreendente.
"A Irlanda não é um caso óbvio", diz Bell. Mesmo assim, recentes protestos que inicialmente eram de natureza pacífica redundaram em violência política, quando o país anunciou a ajuda financeira do FMI no ano passado, observa.
Uma explicação pode estar no acesso dos manifestantes às ferramentas de coordenação, em um momento em que o governo toma medidas duras e aumenta a repressão do Estado.
Situação semelhante ocorre na Itália, que, nas palavras do p
esquisador, "não tem um histórico de direitos humanos perfeito, e claramente tem a infra-estrutura disponível para que grupos se organizem e protestem contra o governo".
"Na Irlanda ou Itália, podem não ser grandes episódios de violência, mas ainda assim são episódios violentos. E o que o nosso modelo mostra é que nesses países, havendo tensões, as condições para que grupos se organizem e tenham força contra o governo existem", diz Bell.
Mas os pesquisadores ressaltam que o fato de não constar da lista não é necessariamente um bom sinal para o regime político de um país.
Primeiro, porque o modelo é desenhado para captar aumentos no nível de agitação social de um país – mas este não aparecerá na lista se vier registrando altos níveis de agitação de forma constante no tempo.
"A Grécia pode estar nesse caso", diz Murdie. "O país vivência agitação ou protestos civis desde 2001, e esses níveis de turbulência não vêm caindo."
Além disso, a ausência de fatores de instabilidade dentro de um país não indica um sistema político em harmonia.
A Coreia do Norte e a Arábia Saudita, como outros países do Oriente Médio, simplesmente não entram na lista dos distúrbios porque neles o Estado detém poder total de calar os dissidentes.
"Eles têm usado a repressão de forma que sufocaram a possibilid
ade de rebelião. Neles, também pode haver baixos níveis de coordenação. Esses países reprimem as suas populações, mas essas populações não têm a capacidade de se comunicar e organizar levantes", afirma a pesquisadora.
Murdie chama atenção para o que diz ser "provavelmente a mais importante conclusão do estudo" – as evidências de que a repressão estatal, em vez em coibir, leva a população a se mobilizar contra o governo.
"Antes, tanto na comunidade política quanto entre os pensadores, havia uma crença de que os abusos de direitos humanos – o uso de assassinatos políticos e ‘desaparições’, por exemplo – teria o efeito de assustar a população e evitar rebeliões", explicou.
"O que descobrimos é que essas ações, em especial aquelas de grande caráter público, como prisões e assassinatos com fins políticos, levam a população civil a se mobilizar e ir para as ruas", esclarece.
"O que esperamos que saia disto é que precisamos de Estados com capacidade, mas também Estados que respeitem os direitos humanos e a integridade física de seus cidadãos."