Olhar para o futuro com o foco nas drogas de abuso é, há um, tempo assustador e instigante.
Emergem algumas possibilidades: disponibilidade de mais drogas, tragédias na forma de epidemias de uso de drogas desorganizadoras, fracasso da repressão, ocupação de espaços de poder por parte dos negociantes de drogas, legitimação ampla e irrestrita da produção e consumo, seleção natural dos mais hábeis diante da grande disponibilidade e uso massivo, mudanças conceituais sociais com ritualização do uso, avanços médicos e biológicos no controle do abuso (genética, imunologia e farmacologia).O horizonte imaginário é amplo. Nos tempos correntes, mais e mais substâncias vão ficando disponíveis, ampliando o repertório dos usuários. Relatórios internacionais de agências observadoras do fenômeno da drogas, como o UNODC, mostram uma tendência geral de restrição do uso de substâncias mais naturais e ampliação da produção e uso de substâncias, digamos, laboratoriais. Elas têm se mostrado atraentes e trazem certo charme de benignidade e confiabilidade. Lobos em peles de cordeiros rapidamente mostram sua face cruel e desorganizadora, mesmo em uso recreacional.Mas, seguindo com os olhos no futuro, parece fazer sentido acreditar numa certa industrialização franca das drogas de abuso. Assim como ocorre na indústria farmacêutica, a produção de drogas vai introduzindo opções em número sempre crescente. A busca por drogas de uso recreacional seguro seguirá em pauta. Preservar o usuário e ao mesmo tempo mantê-lo fiel é um dos desafios objeto de ficção, como mostrado no livro O Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley em 1931, onde o Soma trazia recreação segura para qualquer usuário.Nosso devaneio futurístico vislumbra, então, um grande grupo de substâncias cada vez mais especializadas em vivências químicas e prazerosas. Em meio às novidades futuras, creio, teremos a preservação do álcool e provavelmente o banimento do tabaco poluente como conhecemos hoje, substituído por formas de liberação de nicotina pura.A manipulação genética segura ainda vislumbra para muito distante sua efetividade para desligar tendências patológicas complexas, como é o comportamento relacionado ao uso de drogas. Uma visão catastrófica, por outro lado, desconsidera que a ciência possa a avançar e surpreender a todos com soluções radicais, como temos para doenças infecciosas, que já dizimaram no passado e hoje são de controle trivial, como é o caso da tuberculose.Mesmo considerando a grande distância em termos de complexidade e, portanto, a injustiça da comparação, a ciência oferecerá soluções inimagináveis conceitualmente para o abuso de drogas. É atraente, também, pensar numa mudança conceitual da organização social que possa simplesmente banir como hoje prestigia a alteração psíquica através de drogas.Quem sabe algo como o futebol deixar de atrair milhões de brasileiros para ser de interesse de uns poucos, fenômeno oposto ao que começa a ocorrer nos Estados Unidos, onde o esporte vai ganhando adeptos praticantes e torcedores. O sistema repressivo poderá ser enriquecido com a introdução de variáveis que mudem a auto-estima de grandes comunidades hoje à mercê do comércio ilícito de drogas, pois seguramente a disponibilidade seguirá sendo um grande determinante do volume de consumo de drogas. Podemos, enfim, optar pelo pessimismo e não faltam evidências para nos subsidiar, mas podemos também pensar na riqueza da inventividade humana, sempre à disposição para nos surpreender.
Carlos Salgado é psiquiatra e presidente da ABEAD
Emergem algumas possibilidades: disponibilidade de mais drogas, tragédias na forma de epidemias de uso de drogas desorganizadoras, fracasso da repressão, ocupação de espaços de poder por parte dos negociantes de drogas, legitimação ampla e irrestrita da produção e consumo, seleção natural dos mais hábeis diante da grande disponibilidade e uso massivo, mudanças conceituais sociais com ritualização do uso, avanços médicos e biológicos no controle do abuso (genética, imunologia e farmacologia).O horizonte imaginário é amplo. Nos tempos correntes, mais e mais substâncias vão ficando disponíveis, ampliando o repertório dos usuários. Relatórios internacionais de agências observadoras do fenômeno da drogas, como o UNODC, mostram uma tendência geral de restrição do uso de substâncias mais naturais e ampliação da produção e uso de substâncias, digamos, laboratoriais. Elas têm se mostrado atraentes e trazem certo charme de benignidade e confiabilidade. Lobos em peles de cordeiros rapidamente mostram sua face cruel e desorganizadora, mesmo em uso recreacional.Mas, seguindo com os olhos no futuro, parece fazer sentido acreditar numa certa industrialização franca das drogas de abuso. Assim como ocorre na indústria farmacêutica, a produção de drogas vai introduzindo opções em número sempre crescente. A busca por drogas de uso recreacional seguro seguirá em pauta. Preservar o usuário e ao mesmo tempo mantê-lo fiel é um dos desafios objeto de ficção, como mostrado no livro O Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley em 1931, onde o Soma trazia recreação segura para qualquer usuário.Nosso devaneio futurístico vislumbra, então, um grande grupo de substâncias cada vez mais especializadas em vivências químicas e prazerosas. Em meio às novidades futuras, creio, teremos a preservação do álcool e provavelmente o banimento do tabaco poluente como conhecemos hoje, substituído por formas de liberação de nicotina pura.A manipulação genética segura ainda vislumbra para muito distante sua efetividade para desligar tendências patológicas complexas, como é o comportamento relacionado ao uso de drogas. Uma visão catastrófica, por outro lado, desconsidera que a ciência possa a avançar e surpreender a todos com soluções radicais, como temos para doenças infecciosas, que já dizimaram no passado e hoje são de controle trivial, como é o caso da tuberculose.Mesmo considerando a grande distância em termos de complexidade e, portanto, a injustiça da comparação, a ciência oferecerá soluções inimagináveis conceitualmente para o abuso de drogas. É atraente, também, pensar numa mudança conceitual da organização social que possa simplesmente banir como hoje prestigia a alteração psíquica através de drogas.Quem sabe algo como o futebol deixar de atrair milhões de brasileiros para ser de interesse de uns poucos, fenômeno oposto ao que começa a ocorrer nos Estados Unidos, onde o esporte vai ganhando adeptos praticantes e torcedores. O sistema repressivo poderá ser enriquecido com a introdução de variáveis que mudem a auto-estima de grandes comunidades hoje à mercê do comércio ilícito de drogas, pois seguramente a disponibilidade seguirá sendo um grande determinante do volume de consumo de drogas. Podemos, enfim, optar pelo pessimismo e não faltam evidências para nos subsidiar, mas podemos também pensar na riqueza da inventividade humana, sempre à disposição para nos surpreender.
Carlos Salgado é psiquiatra e presidente da ABEAD