Nossa amiga Letícia Godoy, colaboradora no assunto adoção, postou em seu blog sobre a palestra realizada no DF sobre o tema:A palestra, iniciativa do Grupo de Apoio à Adoção Aconchego – DF, foi ótima e com várias dicas legais, principalmente para os que optaram pela adoção tardia e terão que passar pelo estágio de convivência que é fundamental. Os assuntos tratados foram: conhecendo a criança que será seu filho, a construção do vinculo afetivo, a separação do abrigo e o inicio do vinculo e do convívio familiar.
A palestra foi ministrada pela psicóloga Maria da Penha Oliveira da Silva, ela faz parte da equipe do Berço da Cidadania. o Berço da Cidadania é uma instituição da sociedade civil, sem fins lucrativos, que tem por missão promover ações de prevenção, intervenção e acompanhamento para assegurar a convivência familiar e comunitária a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco. Para ter acesso a livros e artigos do Instituto Berço da Cidadania clique aqui. Os livros e artigos estão em PDF e os títulos são:
A Excepcionalidade da Medida de Abrigamento;
Construindo o Abrigo como Espaço de Proteção;
Abrigo: espaço de proteção?;
O abrigo, o voluntariado, a informalidade e as reais necessidades da criança em situação de abrigamento;
Esperança;
Caminho de Casa: em busca de alternativas para reintegração familiar de crianças abrigadas.
Penha começou a palestra mostrando umas 3 cenas do filme “Ensinado a viver” que temos aqui na nossa lista de filmes, inclusive é o primeiro filme da lista.
Logo em seguida refletimos um pouco sobre as cenas mostradas e sobre os rituais de separação e construção dos vínculos familiares.
Quem são as crianças e adolescentes que adotamos?
São crianças e adolescentes que já vivenciaram rupturas e rejeições, vitimas de negligências, maus tratos e abusos.
Para a construção do novo vinculo é necessário dedicação – trabalho – esperança – amor
Precisamos considerar a separação da criança da família de origem. Pensar no tempo que ela viveu no abrigo e nos vínculos que foram criados lá.
A relação de confiança é algo a ser construído. O estágio de convivência é o tempo para conhecer, reconhecer, significar e ressignificar. O estágio de convivência tem que ser feito sem pressa, mas também nem tão demorado para que não se perca o investimento da família e da criança na formação do vinculo.
A Penha deu um exemplo muito interessante de como fazer uma aproximação com a criança ainda no abrigo, quando vamos conhecê-la mesmo, vou tentar escrevê-lo aqui:
Ela dirigiu-se a um rapaz presente e começou a perguntar: Qual o seu nome? Porque você está aqui? O que você gosta de fazer? O que gosta de comer???
Depois se dirigiu a esposa que estava ao lado e disse: Oi meu nome é Penha, eu gosto de tal lugar, eu faço tal coisa, eu gosto de tal cor...... e você?
Pena que aqui só tenho o recurso das palavras, mas se vocês tivessem tido a oportunidade de ver o exemplo, iriam notar que a segunda aproximação foi muito mais leve, diria, mais aconchegante.
A primeira é um bombardeio de perguntas a uma pessoa que não conhece você, a segunda você se apresenta e deixa o outro mais a vontade para falar dele também, assim deve ser a aproximação com a criança que você acabou de conhecer. Aproxime-se e fale de você antes de perguntar sobre ela, ela ficará mais segura e a vontade para conversar.
Faça tudo com bom senso, coloque-se no lugar da criança, fale com ela sobre apelidos, hábitos, gostos, brinquedos, brincadeiras...
Visite-a sempre no mesmo horário no abrigo, e cumpra isso. Por exemplo, às vezes a criança ainda é pequena, 2 anos, ela não tem noção de horas, então pergunte para as cuidadoras quais os horários das refeições (elas tem horários certos) aí combine com a criança que você voltará depois que ela almoçar ou depois que ela dormir à tarde, para que ela tenha essa previsão. Sempre cumpra o prometido, caso aconteça algum imprevisto ligue e peça que uma das funcionárias avise a criança (ou peça que a coloquem ao telefone para que fale diretamente) sobre um atraso ou que não poderá ir neste dia.
Passeios (as primeiras saídas dela com você da instituição)
Leve a criança para lugares simples, não tumultuados. Faça coisas do dia-a-dia com ela. Nada de apresentá-la para os demais familiares no primeiro momento. Lembre-se que é um passeio, mas também é o inicio da construção dos vínculos afetivos, então a criança tem que estar com você e com as pessoas que vão morar com ela.
Pernoite
Quando a criança for liberada para pernoitar em casa você já tem que ter um espaço para ela: uma caminha ou um quarto definido. Tenha um pijama, algumas roupinhas, brinquedo, escova de dente....ela já precisa saber que tem um lugar para ela naquela casa. E sempre lembrar que não é uma visita, é a construção da relação que está sendo estabelecida.
Construindo o elo (a ligação)
Período de convivência – ligação – construir
Nesse período pode-se construir alguma coisa com a criança: um caderno onde possa colar fotos que tiraram juntos, bilhetinhos, mensagens de ambas as partes e também da família extensa ou de amigos da família. O caderninho fica com a criança. Você pode dar outras coisas pra ela, um ursinho ou até mesmo algo seu para que ela tenha isso como uma ligação com você, que você volta, e que para ficarem juntos definitivamente é só uma questão de tempo, você não vai abandoná-la.
A Soraya contou que uma mãe deixou um cachecol dela com a criança. A Soraya achou interessante, cachecol é comprido, tem duas pontas, bem significativo como um cordão de ligação, diria até, um cordão umbilical. Não lembro se era menino ou menina, só lembro que ela contou que a criança não tirava o cachecol pra nada, podia estar o maior calor, as tias do abrigo dizendo para tirar que era quente, e nada a fazia tirar o cachecol rssss, achei isso lindo. É como se dissesse: “meus pais estão sempre aqui comigo, não sou mais sozinha”, achei lindo mesmo.
Passado todo este período de convivência começa a chegar o dia da despedida do abrigo, um momento muito importante para criança. Começa agora os rituais de separação. Separação do abrigo e o inicio da filiação propriamente dita.
Você pode fazer um calendário junto com a criança e deixar uma canetinha, ou estrelinhas e cola, para que ela vá colando todos os dias uma estrelinha até chegar o dia de deixar o abrigo, o dia que você vai buscá-la definitivamente para morar na sua casa, ou melhor, na casa de vocês a partir desse dia.
Rituais de despedida do abrigo
Não pode ser um dia igual aos outros, tem que ter valor, tem que ser diferente, tem que ter um ritual, um símbolo.
Se a criança já estuda, precisa saber qual o dia que irá embora do abrigo, para que ela possa despedir-se dos seus colegas e da comunidade que convive com ela.
Se ela tem uma madrinha afetiva esta também tem que ser avisada. Tinha uma senhora na palestra que adotou uma menina de 10 anos, a menina tinha uma madrinha afetiva enquanto estava no abrigo. Após a adoção ela permitiu que a madrinha continuasse tendo contato com a menina e mais que isso a convidou para ser madrinha de batismo da menina. Achei lindo também.
Pode fazer um lanche de despedida com os amigos do abrigo, mas nunca cantar parabéns, não é aniversário dela, para isso já tem um dia especifico onde deve ser comemorado como tal. E é uma despedida, é um dia feliz por um lado, porque ela irá para sua nova família, mas ao mesmo tempo também é um dia triste, onde ela deixa para trás todo o seu referencial de vida, de “família”. Mas um lanche com os amiguinhos não tem problema.
Foi passado também uma parte de um vídeo que mostra o dia da despedida da criança no abrigo, foi o trabalho de mestrado da Dirce que também é da equipe do Berço da Cidadania. Emocionanteeeee, quase desidratei. O vídeo mostrava uma menininha de mais ou menos 2 aninhos, ela ia ficar com uma tia biológica. A tia-mãe chega ao abrigo levando uma roupinha para que fosse colocada nela (muitos abrigos são pobres e as roupas são passadas de uma criança para outra e qualquer roupa a menos faz falta), outro simbolismo é a roupa da passagem mesmo. Quando temos filhos biológicos separamos uma roupinha bem bonita e especial para o dia da saída do hospital. Por que não fazer o mesmo com nossos filhos adotivos?
Voltando ao vídeo: a mãe chega com a roupinha e entrega para a cuidadora, a cuidadora pegou a roupinha e foi trocando na menina, ela se olhava acho que estava se achando bonita rsssss. A mãe se afasta e deixa que a cuidadora a leve pela mãozinha em todos os cômodos do abrigo para despedir-se dos amiguinhos. Ela entra no berçário e dá beijinho em cada um, os maiorzinhos vinham e davam beijo nela, um a um (ai gente já to aqui chorando de novo rsss). Depois de todos beijados foram para frente do abrigo, onde todas as cuidadoras se reuniram para a despedida. A menininha estava no colo da que cuidava dela. Ela deu um abraço e um beijo na menininha e o pai estendeu os braços para que ela fosse pro colo dele, ela olhou para a cuidadora, olhou para ele, e ele esperando pacientemente, o vídeo não e em português, mas ele dizia coisas como: “vem com o papai, vamos para a nossa casa, da tchau pra tia. Ela olha pra ele e estende os bracinhos para ir pro colo dele. A cuidadora visivelmente emocionada se afasta enquanto o pai diz pra ela “dá tchau, manda beijinhos e vai levando ela”. Vocês não têm idéia o tanto que chorei, acho que vou começar a levar lençol nas próximas palestras sempre tem algum vídeo que acaba comigo rsss.
Este é um exemplo de como pode ser feito o rito da despedida, simples, mas cheio de simbolismo. O respeito da mãe com a cuidadora, as despedidas das pessoas que eram queridas a criança, a paciência de esperar que ela se sentisse segura para ir embora com os pais. Combine com o abrigo o que pretende fazer para a despedida, combine com a cuidadora. A mãe precisa respeitar essas despedidas, deixar que a cuidadora explique para as crianças que aquela criança está indo embora para sua nova família, é um dia de perdas e ganhos.
O momento mais esperado: A chegada em casa
Nada de festa com toda a família extensa para receber a criança, esse será um momento de vocês (nosso rsss) com ela. As pessoas que devem estar em casa são só as pessoas que vão morar com ela, conviver com ela. Ela precisa ter claro na sua cabecinha quem é a família núcleo dela. Fazer festa com toda a família pode deixá-la assustada, perdida, sem saber quem é quem.
Nada de tirar a criança do abrigo e viajar, passear para lugares longes e movimentados, nesse momento o importante é ela sentir-se parte da família, no aconchego do novo lar. Vocês terão bastante tempo para viajarem juntos, deixe isso para um outro momento.
Quando ela chegar coloque a foto dela em um porta retrato junto com outras fotos que você tenha da família simbolizando a entrada dela na família.
Diga coisas para ela como: agora nós somos uma família completa, você faz parte da nossa família, estamos felizes com sua chegada, eu vou cuidar de você, você é meu filho(a)....
Depois num outro momento, após uma maior estabilidade na relação com a família núcleo aí sim faça uma recepção para os outros familiares, amigos, ela já estará mais segura para ser apresentada.
Evite deixá-la sozinha nos primeiros dias. Deixe-a segura com sua presença. É assim que os vínculos afetivos são construídos e começa a filiação.
Daqui para frente muito amor, dedicação, compreensão, respeito, paciência ...... cada criança tem seu tempo, mas você vai ver que chegará um momento que você vai sentir como se ela sempre estivesse ali, e não saberá mais como seria sua vida sem ela.
Fonte:
Filhos Adotivos