Hossam e Mahmoud (de vermelho), filhos de Huda (foto), se adaptaram bem ao País
Quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, em março de 2003, Mahmoud Walid Al Tamimi tinha pouco mais de três meses. Sua família resistiu poucos dias em Bagdá, até que homens armados passaram a colar avisos nas portas e a exigir que os moradores abandonassem suas casas. Mahmoud partiu nos braços da mãe, Huda Mobarak Amer Al Bandar, acompanhado do pai, do único irmão e de uma porção de parentes. Durante quatro anos e meio, o grupo permaneceu confinado num campo de refugiados no deserto da Jordânia – e sobreviveu a temperaturas extremas (muito calor durante o dia e muito frio à noite), iminentes ataques de cobras e escorpiões, tempestades de areia e a toda sorte de privações. O futuro começou a mudar quando o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), um braço da ONU, acertou com o governo brasileiro a vinda de mais de 100 cidadãos de origem palestina para o País. Eles foram recebidos com festa no aeroporto, havia faixas de boas-vindas e representantes da comunidade árabe. O ano era 2007.
Cerca de metade do grupo – inclusive a família de Mahmoud – foi abrigada em Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo. A outra parte seguiu para o Rio Grande do Sul. “Fiquei muito feliz em vir para o Brasil. O povo é bom, o clima também e acho que aqui estamos seguros”, afirma Huda. “O problema é que a ONU disse que ia ficar conosco, nos ajudar a conseguir trabalho, a aprender a língua e que teríamos tratamento de saúde. Mas isso não aconteceu.” Huda descobriu da pior forma possível as fragilidades da política brasileira para os refugiados e as mazelas da saúde pública no País. Ela desembarcou grávida de três ou quatro semanas. Aos seis meses de gestação, entrou em trabalho de parto e passou 12 horas – esquecida e gritando de dor – no leito de um hospital. Quando resolveram atendê-la, a criança já estava morta. “Pedi para o médico não jogar o meu filho no lixo. Como eu não sabia falar português direito, disse que queria colocá-lo na areia (enterrar). Depois, desmaiei”, lamenta Huda. Além de perder o bebê, a refugiada perdeu o útero.
Assim como esse colombiano, que afirma ter fugido da guerrilha que assola seu país há 40 anos, muitos refugiados temem se identificar porque têm receio de serem localizados por quem os perseguia ou por medo de acabarem com algum benefício cortado. Palestinos que estiveram em Brasília para se manifestar, pedindo para serem transferidos para o Exterior, tiveram a verba de subsistência suspensa. Cinco conseguiram refúgio na Suécia – um casal com duas crianças e um homem solteiro, na faixa dos 40 anos. Países ricos e com maior tradição de asilo, em geral, contam com uma rede de assistência bem estruturada. Na Suécia, os refugiados têm uma espécie de tutor que os acompanha em todo o processo de adaptação – desde o aprendizado do idioma local e o acesso à saúde até a busca por emprego. No Canadá, a vida escolar das crianças é supervisionada e o suporte pode durar anos. Nessas nações, porém, a população local também recebe essa atenção. “Não podemos colocar os refugiados numa situação de privilégio. Eles têm os mesmos direitos e obrigações que os brasileiros”, afirma Andrés Ramirez, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil.
INDEFINIÇÃO
O afegão Ismat espera por refúgio há quatro meses
Cinco adultos e duas crianças da família Orabi, que fora abrigada no interior do Rio Grande do Sul, estão acampados em frente à Embaixada da Palestina, em Brasília, há dois meses. Querem deixar o Brasil. “A grande maioria dos refugiados está integrada, tem trabalho, leva uma vida normal”, alega Ramirez. “É importante sublinhar que nenhum país árabe aceitou o grupo de palestinos. E o Brasil, de maneira muito generosa, os recebeu.” Os refugiados mais velhos, independentemente da nacionalidade, em geral têm maior dificuldade de se adaptar. Aprender a falar português é mais árduo, arranjar emprego também e alguns chegam com a saúde debilitada. Como não há previsão legal para se aposentar, os que não têm parentes correm o risco de ficar sem renda se a verba destinada pelo Acnur terminar. Pelo menos dez idosos e doentes de Mogi das Cruzes recebem um auxílio mensal de R$ 350. Estão em pânico porque, pelo que foi acordado, a ajuda deve acabar em dezembro. “Os que estão bem é porque têm família, uma rede de apoio social ou porque tinham dinheiro antes de vir para o Brasil”, afirma a advogada Sandra Nascimento, consultora autônoma em direitos humanos, que defendeu alguns palestinos na Justiça.
Os pedidos de refúgio são julgados por um comitê.
É exceção o que acontece no caso do italiano Cesare Battisti,
ex-ativista que terá seu futuro decidido por lula
Sandra relata que um de seus clientes vive numa sala sem energia elétrica. Outro, que não foi alfabetizado nem em árabe e está doente, foi hospedado num hotel pago pelo Acnur. Sobrevive da solidariedade alheia e não tem dinheiro para nada. Um terceiro morreu em decorrência de problemas pulmonares, no ano passado. A advogada diz que, apesar de alguns palestinos viverem em condições precárias, a situação dos refugiados vindos de outras partes do mundo pode ser pior. As queixas dos palestinos têm mais visibilidade porque eles estão concentrados em cidades pequenas, enquanto os outros vivem dispersos. “A previsão de ajuda financeira para os palestinos era de dois anos e, em alguns casos, foi prorrogada por mais um. Congoleses e colombianos só a recebem durante seis meses”, afirma Sandra. Esse dinheiro, fruto de doações internacionais, é repassado pelo Acnur às ongs que lidam diretamente com os estrangeiros. “São R$ 300 mensais. Não é suficiente. É apenas um primeiro impulso. Eles têm de procurar trabalho”, diz Cezira Furtim, coordenadora do Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo.
APREENSÃO
Colombiano de 32 anos quer ir embora
Entre 35% e 50% dos pedidos de asilo são deferidos pelo governo brasileiro, segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Mas nove de cada dez pessoas pedem refúgio quando já estão em território nacional. É o caso do afegão Ismat Ullah, 19 anos, que chegou há quatro meses. Ele deixou para trás a mãe e os irmãos. O pai morreu num ataque à bomba. “Brasil, bom”, diz ele, num português de iniciante. Enquanto aguarda o veredicto do Conare, Ismat trabalha como vendedor de calças jeans. Mora na Casa do Migrante, um albergue mantido por padres, no centro da capital paulista. Ali também vive uma congolesa de 15 anos, que espera refúgio. A menina, de trancinhas compridas e muito bonita, veio com o pai e dois irmãos pequenos. “A gente estava no Ituri, uma província do Congo. Lá é assim: tem guerra de um lado, a gente vai para o outro. Quando a gente ouve tiros, pá, pá, pá, tem que fugir”, lamenta. “Lembro que fugimos num sábado. Minha mãe tinha ido com o meu irmão, de 12 anos, ao mercado. De repente, todo mundo começou a gritar. Tivemos que sair correndo porque queriam bombardear a nossa casa. Não deu tempo de esperar ela voltar. Até hoje não sei onde está. Aqui no Brasil estou feliz. Mas tenho uma preocupação: quero ver a minha mãe de novo.”
Solange Azevedo e Julia Moraes (Fotos
Isto É