O juiz da 2ª Vara Criminal de Volta Redonda, Antônio Carlos Bittencourt, revogou ontem (11) o mandado de prisão contra o pediatra Marcelos Guimarães, de 63 anos, preso quarta-feira sob suspeita de estupro de duas meninas. O médico foi solto na manhã de hoje. Ele estava na casa de custódia do município, por determinação do próprio juiz.
Na decisão, Bittencourt pede desculpas por ter decretado a prisão do acusado e se declara impedido de atuar no caso, por ser amigo de Marcelos, que além disso é médico dele e de seus filhos.
Eram fortes os boatos de que a denúncia teria sido uma vingança familiar contra o pediatra, mas, por enquanto, a polícia trata a informação como uma mera suposição, já que as duas meninas que teriam sido vítimas de abuso declararam no inquérito que sofreram abusos por parte do médico. A mais velha, que hoje tem 14 anos, teria sido abusada até os 12.
O delegado Alexandre Leite indiciou o pediatra por estupro de vulnerável, termo usado quando o crime é praticado contra menor de 14 anos. Marcelos deverá continuar respondendo ao processo em liberdade.
O advogado do médico, Marcelo Carvalho, se recusou a dar a versão da defesa no momento da prisão de Marcelos, quando ameaçou processar os órgãos de imprensa que noticiassem o acontecido, e esteve na gráfica do DIÁRIO DO VALE, horas depois, para repetir a ameaça para os profissionais que estavam imprimindo a edição de hojem. Hoje, procurado pelo jornal, ele se manifestou, afirmando não acreditar que o processo continue, porque um documento anexado aos autos comprovaria a inocência do pediatra.
Policiais civis chegaram a apreender na casa do médico no bairro Niterói, um laptop, CD´s e DVD´s, para que fossem examinados por peritos do Instituto de criminalística Carlos Éboli.
Os equipamentos foram devolvidos ao médico no final da tarde de hoje, mas de acordo com Marcelo Carvalho, eles foram periciados e oficiais de justiça certificaram que não foi encontrado nenhum material ilícito nos mesmos.
Leia a seguir a íntegra da decisão do juiz: Independentemente dos autos estarem em cartório, mas ao ler a notícia de primeira página no jornal Diário do Vale nesta data, fiquei estarrecido comigo mesmo de ter sido o responsável pela prisão temporária de Marcelos Guimarães da Silva.
Em sã consciência jamais faria isso. Foi uma decretação inadvertida, que confesso pelo volume de trabalho, e no calor da urgência onde, penitencio-me, não prestei maior atenção no destinatário da ordem de prisão e mesmo da busca e apreensão, até porque normalmente conhecemos as pessoas, mais pelo seu prenome. No processo, sem maiores qualificações e a um exame superficial surgiu o nome de Marcelo Guimarães da Silva, um nome comum e que passou a vôo de pássaro, repito, inadvertido ao exame mais apurado da pessoa a ser investigada.
No Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Especial Criminal temos cerca 6.941 (seis mil novecentos e quarenta e um) processos e aproximadamente ainda 1.500 (um mil e quinhentos) a cadastrar, tal o volume e movimento, e na 2ª Vara Criminal 1.200 (um mil e duzentos). É muita coisa para qualquer magistrado do mundo, e por vezes, algo escapa à percepção, justamente por ostentarmos a condição falível de sermos humanos. Peço desculpas pelos atos que pratiquei neste processo, onde o despacho, percebido quem seria o destinatário, simplesmente deveria ter lançado um: "dou-me por impedido"
Marcelos foi e é médico de meus filhos e meu também. Ao longo dos anos da relação paciente e médico estabeleceu-se uma grande amizade, onde pontuei observar sempre um homem de grande caráter e um profissional exemplar.
Neste contexto não detinha e nem detenho a imparcialidade que deve caracterizar um magistrado, seja para favorecer ou prejudicar.
Então, todos os atos que pratiquei estão eivados por essa condição, que é um dos pressupostos processuais de existência válida de qualquer procedimento penal, ou mesmo não penal, razão por que dou-me por impedido, com um atraso lamentável, e com efeito retroativo, para atuar neste processo, e por isso revogando, como revogo, com rigor e veemência, todos os atos que pratiquei, inclusive o decreto de prisão por força do que acima foi esclarecido.
Expeça-se imediatamente alvará de soltura e remeta-se os autos ao meu substituto legal, incluindo-se esta decisão como parte do alvará e cuja cópia também deverá ser entregue à pessoa de Marcelos.
Por fim, e em reunião com juizes deste Estado, o ilustre e atuante Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cujos esforços não tem medido para que tenhamos um judiciário cada vez melhor, reconheceu que:
"Hoje temos cerca de 130 vagas para juízes o que representa um ônus para os atuais magistrados que precisam acumular mais de uma vara".
E isso não cura de todo a ferida da minha inadvertência, mas ameniza bastante, como um sopro de esperança e apoio para que sejamos, senão perfeitos, porque isso pertence a Deus, mas pelo menos dando-nos alento de sermos melhores ao exame de nossas tarefas, de extrema responsabilidade.
Volta Redonda, 11 de fevereiro de 2010.
Antonio Carlos dos Santos Bitencourt
Juiz de Direito
Dez passos para entender o caso1 - Duas meninas, uma de 10 anos e outra de 14 anos, prestaram depoimento na 93 DP acusando o pediatra Marcelos Guimarães da Silva de terem praticado, com elas, atos libidinosos.
2 - A menina de 14 anos acusou o médico de ter abusado dela até a idade de 12 anos.
3 - O médico teve a prisão temporária pedida pelo delegado titular Alexandre Leite.
4 - Ouvido o Ministério Público, o juiz da 2ª Vara Criminal, Antônio Carlos Bitencourt, decretou a prisão de Marcelos Guimarães.
5 - Marcelos Guimarães foi preso ontem.
6 - Ontem, o juiz Antônio Carlos Bitencourt descobriu que o Marcelos Guimarães da Silva, cuja prisão decretou, é médico dos seus filhos e seu amigo. Desculpou-se publicamente com o médico e declarou-se impedido de atuar no caso.
7 - O juiz, por lei, pode e deve se declarar impedido sempre que uma das partes tenha com ele relação de amizade. O juiz também se desculpou por ter se declarado impedido tardiamente e destacou o excesso de trabalho no Judiciário.
8 - Com a declaração de impedimento do juiz, o mesmo revogou todos os seus atos praticados, inclusive a prisão temporária do médico.
9 - Ainda hoje, o médico foi solto.
10 - O processo vai para o juiz da 1ª Vara Criminal, Ludovico Couto, que decidirá se aceita ou não o pedido de prisão temporária do médico
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Diário do Vale