quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Mães que quiseram matar filhos falam dos perigos da psicose pós-parto

A psicose pós-parto, uma doença mental devastadora, mas pouco compreendida, afeta uma em cada 500 mães e pode resultar em suicídio ou mesmo em assassinato de bebês.


O período que sucede o parto é o momento em que as mulheres estão mais propensas a doenças mentais, tais como depressão ou psicose. Mas há tratamento. A BBC entrevistou pessoas afetadas por esta doença que, muitas vezes, passa despercebida porque médicos e enfermeiras não estão preparados para identificar os sintomas ou porque, por medo do estigma, é escondida pelas mães. A maioria das mulheres com a psicose pós-parto não tem história familiar ou pessoal de doença mental, alertam os especialistas.

  'Estava cheia de vontade de matá-lo'

 Jo Lyall era uma dessas mulheres. Depois que seu segundo filho, Finlay, nasceu, Jo passou por um episódio assustador. Uma noite, poucos dias depois de deixar o hospital, ela esteve a ponto de estrangular o bebê: "Coloquei ele adormecido na cama ao meu lado, e meu cérebro simplesmente desligou", disse ela. "Era como se alguém tivesse desligado um interruptor na minha cabeça, e eu olhei para ele e estava cheia de vontade de matá-lo." "Eu coloquei minha mão em seu pescocinho, ainda não forte o suficiente para manter a própria cabeça, e comecei a apertar. Eu não queria machucá-lo. Sabia que não devia fazer isso, mas eu queria saber se era capaz".


 Jo sabia que algo estava errado, mas tinha medo de procurar ajuda, por pensar que perderia a guarda dos filhos. Sem tratamento, ela começou a planejar como matar a si e seus dois filhos. "Um dia, pensei em sufocar os garotos enquanto eles dormiam após o almoço", disse ela. "Tinha que ter certeza de que os meninos e o cachorro estariam mortos antes que eu tirasse minha própria vida, porque eu não podia arriscar que sobrevivessem sem mim", acrescentou. Jo fez várias tentativas de suicídio, mas depois de seis meses em um hospital psiquiátrico e quatro anos sob medicação, está totalmente recuperada. Ela faz campanha pela maior consciência dos sintomas de psicose pós-parto, para permitir que médicos e parteiras ofereçam um melhor tratamento para mulheres doentes.


 "Eu sobrevivi, em grande parte, devido a um médico e a uma quantidade extraordinária de sorte", disse ela. "Mas as mulheres não deveriam ter que confiar na sorte para sobreviver a uma condição tratável". 'Tinha desejo de machucá-lo

'Os especialistas não sabem a causa exata de psicose pós-parto, embora acredite-se que as grandes mudanças hormonais que se seguem ao nascimento do bebê tenham um papel importante, juntamente com a genética. A proporção de jovens mães em risco é grande. E mulheres com transtorno bi-polar têm 50% de chances de se tornar gravemente doentes nas semanas após o parto.


 Shelley Blanchard estava nesta categoria. Por isso, sua equipe médica não só monitorou sua saúde física enquanto o nascimento do bebê se aproximava, como também o seu bem-estar psicológico. Shelley foi apoiada nos estágios finais de sua gravidez e nos primeiros meses da maternidade por uma equipe que incluía o Dr. Nick Best, psiquiatra perinatal especializado em cuidar de mulheres grávidas e jovens mães com problemas de saúde mental. Best fez visitas regulares a Shelley, assim como a enfermeira psiquiátrica de sua comunidade.


 "Uma pessoa pode passar da situação normal à psicótica, delirante e paranoica no espaço de apenas dois ou três dias", disse Best. Shelley também começou um tratamento com drogas anti-psicóticas na mesma noite que ela deu à luz o bebê Oliver. Mas algumas semanas depois do nascimento, o humor de Shelley começou a piorar e ela parou de tomar os medicamentos anti-psicóticos porque a deixavam sonolenta. 


"Comecei a ter pensamentos desagradáveis sobre Oliver, tinha desejo de machucá-lo, de jogá-lo pelas escadas ou soltá-lo de propósito", disse ela. "Eu estava tão assustada, não queria machucar meu filho, mas os pensamentos foram ficando mais fortes e mais frequentes, então tive que buscar ajuda." Ela contatou a equipe médica e foi internada em uma unidade especial em Winchester, onde as mães e seus bebês podem ser mantidos em segurança durante o tratamento. Três meses mais tarde, Oliver e Shelley estavam em casa novamente, recuperados. "Se eu não tivesse ido para a unidade, acho que provavelmente teria acabado por tomar uma overdose, e teria possivelmente me matado. Eu estava fora de controle", disse Shelley à época. "Foi um tempo tão sombrio, mas consegui aprender um pouco mais sobre mim. Estou realmente me sentindo muito bem agora, poderia até dizer que estou me sentindo fantástica."


  Pai perdeu mulher e filha


 Dave Emson sabe como a psicose pós-parto pode ser grave - quando sua filha Freya tinha apenas três meses de idade, sua esposa Daksha matou o bebê a facadas e colocou fogo em seu quarto. Daksha morreu em consequência das queimaduras quase três semanas mais tarde. "Cheguei em casa por volta das cinco e meia ou mais, e quando cheguei à porta da frente senti um cheiro de queimado", disse Dave ao recordar o dia em que a tragédia aconteceu.


 "Normalmente, ao entrar eu dizia 'Daksha, querida, estou em casa' e ela respondia e eu ouvia o balbuciar do bebê. Mas naquele dia houve um silêncio. Daksha deixou um bilhete falando de seus temores de que a filha do casal fosse vítima de "forças das trevas" e de seu desejo de proteger Freya a todo custo. Daksha tinha estudado psiquiatria e estava prestes a se tornar consultora quando morreu. Ela tinha escolhido a carreira em parte porque sofrera de depressão grave por anos, mas poucas pessoas sabiam de sua condição, já que ela tinha medo do estigma que traria.


 O inquérito sobre sua morte levou a novas diretrizes no sistema de saúde britânico para o tratamento de funcionários com doença mental. Dave agora escreve um livro sobre sua história - para ajudar outras pessoas em situação semelhante: "Primeiramente, é uma forma de Daksha falar através de mim, de falar com pessoas que estão sofrendo, companheiros trabalhadores da área de saúde mental, pessoas que estão sofrendo com as condições de saúde mental, para que saibam que não estão sozinhas", disse ele.


  BBC Brasil

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