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sábado, 1 de dezembro de 2012
Mortes por agressão de vítimas entre 15 e 29 anos caem 50% em dez anos
Pesquisa da Uerj revela que número passou de 1.779 em 2000 para 831 em 2010
RIO — Júlio César tinha acabado de fazer 20 anos. Morador da Cidade Alta, em Cordovil, favela que já teve tráfico, milícia, e tráfico de novo — e, até hoje, está à mercê de domínios paralelos que se alternam —, ele era cria do local, mas tinha ambições. Muitas. Apesar da pobreza, se esforçava para terminar o ensino fundamental e não parava de fazer cursos: desenho, teatro, corte e costura. O último foi de gastronomia, tão em moda, que acreditava que lhe garantiria um futuro melhor. Sentado numa praça da comunidade, onde, com seus múltiplos talentos, ajudava a montar a festa de aniversário de uma criança de lá, Júlio César perdeu tudo em fração de segundos. Os sonhos, a vida.
— Era um menino concentrado e meigo, que estava no local errado, na hora errada — diz a tia Joelma Coelho, que acompanha de perto o desenrolar do inquérito sobre o assassinato do rapaz, atingido no abdômen durante uma operação policial.
Tudo isso aconteceu em 2010, numa favela da Zona Norte, de pouca visibilidade, mas histórias assim são uma trágica realidade do Rio. A morte prematura de jovens entre 15 e 29 anos é considerada uma epidemia em todo o país. Mas uma pesquisa da Uerj, recém-concluída, revela que algo começa a mudar. A mortalidade por agressão no município da população nessa faixa etária, que tem casos como o de Júlio César, caiu de 1.779 óbitos em 2000 para 831 em 2010, aproximadamente 50%.
UPP teve papel fundamental
A socióloga Alba Zaluar, do Núcleo de Pesquisas da Violência da Uerj, que assina a pesquisa ao lado do médico Mário Francisco Giani Monteiro, do Instituto Medicina Social da universidade, considera que a implantação do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em 2008, foi fundamental:
— A política de segurança não afetou apenas aquelas favelas em que estavam presentes as unidades pacificadoras, mas as demais, visto que houve, de fato, uma mudança no estilo do tráfico, que se tornou menos violento e percebeu que não é tão poderoso, que não pode ficar barbarizando, como diziam no filme “Cidade de Deus”. Agora, são mais comedidos no uso das armas. O impacto foi muito significativo.
O resultado, se mantida a tendência, pode representar uma mudança histórica, já que as mortes por agressão correspondem a 75% do total de óbitos entre 15 e 29 anos.
Cria do Complexo do Alemão, Raul Santiago, de 23 anos, é um sobrevivente. Conviveu por muito tempo com o domínio do tráfico na favela, que durou pelo menos 40 anos. Até que, em 2010, o processo de pacificação teve início.
— Eu cheguei muito perto. Lembro de uma vez em que um amigo, que tinha ido para o tráfico, me pediu para segurar o fuzil enquanto ele ia ao banheiro. Isso é a realidade da favela. Algumas pessoas acham que a pessoa só vira bandido para se exibir, mas muitas vezes fui tentar um emprego de vendedor de loja e, quando sabiam que eu era do Alemão, desistiam dizendo que eu ia faltar muito porque lá tinha muito tiroteio. É difícil — diz Raul, que aos 11 anos viu pela primeira vez um corpo dilacerado num valão.
Hoje, ele estuda o assunto. Faz um curso de extensão da UFRJ na Escola Popular de Comunicação Crítica do Observatório de Favelas e pretende cursar direito:
— Com as UPPs, as mortes diminuíram muito. Mas o quadro ainda é gravíssimo. Das 50 mil mortes no Brasil por ano, 28 mil são de jovens, dos quais 50% são negros.
Os dados comparativos reforçam a hipótese de influência da política de segurança, com as UPPs, porque o risco de morte prematura caiu mais nas áreas da cidade que concentram a população de renda mais baixa. Com doutorado em demografia médica, Mário Francisco Giani Monteiro explica que as estimativas têm como base dados do Censo do IBGE de 2010.
— Até eu me impressionei com a intensidade dos resultados. Onde o risco é maior, mais acentuada foi a queda — afirma Mário.
A redução do risco de morte, entre 15 e 30 anos, nas Regiões Administrativas (RAs) de baixa renda foi 40% (de 21,3 mortos/1.000 para 12,8 mortos/1.000) entre 2000 e 2010. E nas RAs de renda mais alta, foi de 20% (de 8,2 mortes/1.000 para 6,6 mortes/1.000). Ainda assim, a morte prematura ainda é o dobro em regiões pobres.
Raquel Willadino, coordenadora de direitos humanos do Observatório de Favelas e do Programa de Violência Letal Contra Jovens e Adolescentes, diz que ainda é expressivo o número de vidas perdidas. A última atualização de suas pesquisas, em 2008, faz uma previsão sombria: se nada for feito, 2.300 adolescentes morrerão no Rio até 2014.
— Este é um problema muito contundente, que precisa ser enfrentado como prioridade — afirma Raquel, que divulgará um novo estudo este mês.
Risco de negros é maior
De acordo com o estudo da Uerj, o risco de morte dos 15 aos 30 anos caiu tanto para filhos de mães negras quanto para os de mãe branca. Entre os filhos de negras, os óbitos prematuros passaram de 22,6/1.000 em 2000, para 8,7 em 2010, queda de 18,1%. Para os filhos de mães brancas, caiu de 18,5/1.000 para 5,3/1.000, 39,1%. Como uma melhora maior entre brancos, o abismo se aprofundou. O risco de morte de filhos de negras, que já era 1,2 vez maior, é agora 1,6 vez maior.
Através de uma nota, a Secretaria de Segurança atribuiu a melhoria nas estatísticas à política de pacificação iniciada em 2007 com as UPPs. Segundo a Secretaria, os dados de homicídios dolosos do Instituto de Segurança Pública (ISP) indicam uma queda significativa dos homicídios por 100 mil habitantes: de 39,6, em 2007, para 26,5, em 2011.
O Globo
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