sábado, 14 de setembro de 2013

O problema dos adolescentes que ficam acordados até tarde

Eles encontram energia para bater papo, jogar videogame e ver TV justamente à noite

Jaqueline Sordi
jaqueline.sordi@zerohora.com.br

As noites costumam ser barulhentas na casa da família Pimentel. Assim que o sol se põe, o volume dos jogos de videogame começa a se mesclar com barulho da TV, conversas ao telefone e mensagens de celular. Enquanto a servidora pública Luciana Santos prepara a janta para os dois filhos, Pedro, 14 anos, e Roberta, 18, os jovens se preparam para o turno mais agitado do dia.

A excitação — sonora, visual e mental — normalmente só dá trégua depois da meia-noite, não sem antes provocar um desgaste nos pais. O chavão "só mais cinco minutinhos", usado pelos filhos para estender por meia hora as conversas ao telefone, ou por uma hora os jogos no tablet, é contestado por Luciana e seu marido, o delegado Roberto Pimentel, 53 anos, com ordens para irem imediatamente à cama. Raramente elas são cumpridas.

— O Pedro, às vezes, fica trancado no quarto com tablet e TV ligada, então nem sabemos bem a hora em que ele pega no sono — admite a mãe.

As consequências são sentidas logo na manhã seguinte. Para o menino, acordar às 6h30min por causa da escola é um sacrifício. Como resultado das poucas horas na cama, a atenção em sala de aula fica comprometida. Quando o sono não é recuperado, até as atividades extracurriculares são prejudicadas.

— Quando ele dorme à tarde, nada o acorda. Em algumas ocasiões, acaba perdendo as aulas de karatê, que costuma frequentar três vezes por semana — conta Luciana.

Assim como na maioria das famílias com adolescentes, os conflitos entre o casal e os filhos aparecem, principalmente, na hora de dormir. O sono dos jovens, que é motivo de preocupação para muitos pais, é também assunto recorrente de trabalhos científicos.

Diferentemente do que muitas famílias pensam, o comportamento de Pedro, semelhante ao da grande maioria dos adolescentes, não se trata apenas de uma rebeldia juvenil. Atuam fatores psicológicos e biológicos nesse sono tardio.

Bom senso para entender etapa peculiar da formação

A psicanalista Katia Radke, membro da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA) e professora do Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência (Ceapia), destaca que os pais precisam ter bom senso nesta etapa da vida dos filhos e entender que é um momento peculiar na formação deles.

A adolescência é o momento da solidificação da identidade e, para consolidar suas personalidades, eles tentam impor uma certa resistência às regras dos pais, de quem sentem necessidade de se diferenciar. Esse comportamento acaba afetando as rotinas estabelecidas por eles, como a hora de ir dormir.

— Está na etimologia da palavra: adolescer significa crescer. Os jovens precisam se diferenciar para se legitimarem como indivíduos e, por isso, precisam ter uma rotina diferente daquela imposta pela família, mas sem romper completamente com as normas estabelecidas.

No campo de batalha, os hormônios

Além da revolução psicológica em curso nesta etapa da vida, a adolescência é caracterizada por uma revolução hormonal que impacta em rotinas, hábitos e ciclos biológicos. Dentro dela está a produção da melatonina, hormônio que regula a vontade de dormir.

Conforme a médica Michele Becker, neurologista infantil do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Hospital da Criança Conceição, a vontade de dormir e acordar mais tarde faz parte do processo natural de amadurecimento.

Ao longo da infância e da adolescência, o corpo vai se adaptando ao ritmo biológico de dormir e acordar conforme o ciclo dia-noite. Essa adaptação é influenciada por alterações hormonais características de cada etapa da vida. Antes do amanhecer, por exemplo, há aumento da secreção do hormônio cortisol, que prepara o organismo para a atividade. Ao escurecer, é a vez da melatonina, que prepara para o sono.

No início da puberdade, influências hormonais atuam sobre o relógio biológico, causando a chamada "síndrome do atraso de fases do sono", um retardo de cerca de duas horas no início do sono e no despertar. Ainda não se sabe as causas exatas para o fenômeno.

— Nesta fase do desenvolvimento, é muito comum que os adolescentes queiram dormir e acordar tarde. Os pais devem inicialmente entender que isso faz parte da adolescência e somente intervir se for exagerado ou se estiver trazendo prejuízos ao jovem — destaca Michele.

Um carrossel de distrações tecnológicas

Ainda que dormir e acordar mais tarde sejam típicos da adolescência, a gurizada, em geral, acaba exagerando. Eles vão para a cama ainda mais tarde do que o ideal e, por terem de acordar cedo para as atividades cotidianas, acabam dormindo muito menos do que deveriam.

A neurologista infantil Michele Becker explica que, na adolescência, o período ideal de sono gira em torno de nove horas, sendo maior que o de adultos — de oito horas diárias. Apesar disso, pesquisas mostram que a média nesse período da vida está entre seis e sete horas por noite. E muitas vezes o sono não é de qualidade.

É aí que novas tecnologias — tablets, computadores, televisão, smartphones —, tão sedutores para jovens e adultos, podem se tornar inimigas do bem-estar físico e mental.
O uso das tais distrações pouco antes de dormir faz com que os jovens prolonguem seu estado de alerta e demorem mais a cair no sono. Elas aumentam a produção de adrenalina, o que deixa a pessoa mais agitada e ansiosa, explica Michele.

Além disso, conforme Camila Morelatto de Souza, psiquiatra da Infância e Adolescência e pesquisadora do Laboratório de Cronobiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, aparelhos eletrônicos que emitem determinados tipos de luz (luzes de coloração mais azulada, por exemplo), se utilizados à noite, podem atrasar ainda mais o início da fase de sono.

Com um sono de pior qualidade, os adolescentes tendem a ter problemas de concentração e memória, estresse, irritação, desatenção e sonolência excessiva, enumera a psicanalista Katia Radke.

— Dormir pouco gera um excesso que a mente não dá conta, o que pode trazer muitos prejuízos tanto na esfera social quanto biológica — comenta.

Já que proibir o uso desses aparelhos não é viável no mundo atual, saber impor limites e negociar é a melhor estratégia para garantir que os filhos tenham uma boa noite de sono:

— Os filhos podem usar a internet, jogar games e assistir televisão depois do sol se pôr. Só é preciso estabelecer horários determinados para estas práticas, e garantir que eles fiquem sem estímulos tecnológicos por um tempo antes de irem para a cama.

Conforme Michele, o recomendável é que crianças ou adolescentes não assistam televisão ou utilizem o computador por pelo menos uma hora antes de dormir.

Cinco recomendações para regular o sono dos adolescentes

1)Dormir o mesmo número de horas diárias. Deve-se manter uma permanência de horas de sono durante todos os dias, inclusive finais de semana

2) Não praticar exercícios físicos até quatro horas antes de dormir, já que o corpo necessita desse tempo para relaxar

3) Desligar a televisão e o computador quando for dormir, já que a luz desses aparelhos mantém o cérebro funcionando como se estivéssemos acordados, atrasando a produção de neuro-hormônios que regulam o sono, como a melatonina

4) Não usar computador pelo menos uma hora antes de dormir. O corpo precisa de uma preparação tranquila para o sono. Desligar-se de fatores externos ajuda a sinalizar o cérebro de que é hora de dormir

5) Evitar alimentos estimulantes à noite ou pelo menos quatro horas antes de dormir, como os ricos em cafeína. Nessa lista estão chocolate, chá preto, chimarrão, café e refrigerantes

Sinais de que o adolescente não dorme o suficiente

1) sonolência diurna

2) cansaço excessivo

3) falta de motivação

4) desatenção

5) irritabilidade

O que ocorre enquanto dormimos?

Durante o sono, o cérebro não está apenas descansando. Na verdade, neste momento o corpo está realizando tarefas essenciais que teria dificuldades de fazer com a pessoa acordada.

Enquanto dormimos, liberamos hormônios, restaurarmos o maquinário necessário para realizar a neurotransmissão, fazemos e refazemos novas conexões sinápticas etc.


VIDA


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