Texto de Laura Pires e Isabela Peccini
Desde crianças, somos influenciadas a seguir quase que um manual de
como se viver na nossa sociedade. Regras e mais regras que dizem que
devemos seguir para… para que mesmo? Nossa cabeça quase que dá um nó se
pensarmos em tudo ao mesmo tempo:
“Se você é menina, goste de rosa, bonecas e sinta atração por meninos.”
“Se você é menino, goste de azul, carrinhos e sinta atração por meninas.”
Quando olhamos ao redor, parece que existem rótulos a serem seguidos:
corpos, jeitos, roupas, pares e pensamentos perfeitos. É o que nos
dizem muitas novelas, séries de TV, filmes, desenhos e propagandas. Mas
por que não questionar todos esses modelos? Já falamos aqui na
Capitolina sobre como a nossa identidade de gênero independe do nosso corpo ou da nossa sexualidade ,
mas diz respeito simplesmente a como nos vemos, nos reconhecemos e nos
sentimos bem, ou seja, a nossa relação com a gente mesma. Mas e quando
falamos das nossas relações com outras pessoas? O que nos diz por quem
devemos ou não nos atrair ou apaixonar?
A sociedade muitas vezes nos impõe como a sexualidade “normal” a
heterossexualidade, ou seja, meninas gostarem de meninos e meninos de
meninas e ponto final. Isso pode ser observado de diversas maneiras.
Pense nas novelas, filmes e séries às quais assistimos. A maioria dos
pares afetivos é formada por um homem e uma mulher, certo? E, quando há
um casal formado por duas mulheres ou por dois homens, costuma ser algo
meio caricato, às vezes compondo até uma cota cômica no programa. É
muito raro vermos a homoafetividade ser tratada de maneira completamente
natural, como vemos na série Grey’s Anatomy, onde esse tipo de relação é tão normal, que nem é mostrada como a característica mais relevante das personagens.
Essa maneira reduzida de se mostrar a homoafetividade acaba nos
reforçando a impressão de que ela é diferente do padrão e que ser
diferente de um padrão é ser errado. Mas será que existe mesmo um padrão
a ser seguido e respeitado? Quem é que cria esse padrão? Para que serve
um padrão desses além de excluir indivíduos que não se encaixam nele? E
por que os nossos sentimentos deveriam estar tão presos a essas
definições? Nós acreditamos que não existe essa de ser “normal” ou ser
“diferente”. A sexualidade é tão livre que não cabe em caixinhas como
essas. A necessidade de encaixar algo tão abstrato em conceitos tão
concretos é que nos parece estranha, afinal, existe fórmula pra
sentimento? Os nossos sentimentos e desejos vão muito além disso. O
nosso gênero e a nossa sexualidade dizem respeito somente a como nos
sentimos em relação a nós mesmas e às outras pessoas, e pode ir muito
além das pré-definições dadas pela nossa sociedade.
A adolescência é um momento único, é uma fase de tantas descobertas!
E, com certeza, a sexualidade é uma delas. É, geralmente, o momento em
que começamos a sentir vontade de ter relações mais profundas com
pessoas que nos atraem. Esse momento pode ser muito diferente para cada
uma de nós e essas definições do que é ou não “normal”, impostas pela
nossa sociedade, podem dificultar muito as coisas. E se pela primeira
vez você se apaixonar por outra menina? Sentir aquela vontade de ficar
perto, trocar confidências, conhecer melhor, beijar, tocar? E se você
contar isso pra alguém e te perguntarem: “Quem é ele?!” E você só quiser
responder: “Ela é incrível!” Esse pequeno diálogo pode dar aquele frio
na barriga, aquela sensação de que você é diferente. O que dizer? E
agora?
Conversamos com algumas meninas que passaram por isso na
adolescência, incluindo uma que ainda está passando por isso. Beatriz,
20 anos, não sabe bem como seu interesse por meninas começou. Para ela,
sempre foi assim. Já Gabriela, 23 anos, diz que admitiu para si mesma lá
pela 7ª série (8º ano), mas só foi confrontar isso bem mais tarde,
quando já estava no 3º ano. A experiência de Laura, 17 anos, foi um
pouco diferente. Ela nos contou que nunca sentiu muito interesse pelos
meninos: “até fiquei com alguns e me apaixonei também, mas não tinha,
sei lá, tesão, atração mesmo. Eu só fui notar isso com uns 13 anos.” A
sexualidade de Laura só ficou mais clara para ela mesma quando uma
menina mais velha se mostrou interessada e ela resolveu tentar: acabaram
namorando por três anos.
Perceber-se “diferente” desse padrão que a sociedade tenta nos impor
pode ser doloroso durante a adolescência, por causa da possível
dificuldade de aceitação por parte de amigas, amigos e família. Gabriela
nunca se abriu para a família, só para amigos e amigas mais próximos,
bem mais velha. Beatriz teve uma ótima recepção entre as amizades,
especialmente porque sua prima e melhor amiga se identifica como gay
também. Com o restante da família foi um pouco mais complicado. Enquanto
seu pai a aceitou e a apoiou, sua mãe, muito religiosa, não soube lidar
muito bem: “ela só chorou por meses, contou pra família”. Para Laura, foi fácil conversar abertamente com amigos: “Nenhum amigo meu tem algum problema com isso, ainda bem! Foi mais difícil assumir pra mim mesma do que pra eles, na verdade.”
E, com a família, Laura assumiu sua ex-namorada logo nos primeiros
meses da relação. De início, seus pais estranharam, mas foram se
acostumando com o tempo e ficou tudo bem.
Para as meninas com quem conversamos, foi ou ainda é muito difícil se
colocar para seus amigos ou família como homo ou bissexual. Muitas
vezes, naturalizamos tanto o que nos é dito a vida toda que fica difícil
até assumir para nós mesmas. Contar com amigos ou familiares que te
apoiam é sempre de grande ajuda e dá coragem pra enfrentar as
inseguranças. Saber que pessoas perto de você te entendem como você é,
sem levar em conta o que se diz ser “normal” ou “diferente”.
No fim das contas, todas nós podemos dizer: o que importa é você se
sentir bem. Se conhecer, saber que não importa o que os outros colocam
como certo ou errado pra você, o seu sentimento é o que vale. E
conhecer, reconhecer, se relacionar, se apaixonar é algo que nos faz
viver tantas experiências, não importa por quem ou quando. Infelizmente,
vivemos em uma sociedade que pode muitas vezes ser cruel. Algumas
pessoas irão te olhar torto, mas, que fique claro: erradas estão elas.
Você não precisa de gente te julgando e discriminando simplesmente
porque você gosta diferente delas. O importante é se aceitar e se rodear
de pessoas que gostam de você pelo que você é. Aquelas que preferem te
julgar não merecem sua atenção e, veja bem, você vive muito melhor sem
elas.
Artigo publicado na revista Capitolina em 24 de maio de 2014.
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