quinta-feira, 30 de julho de 2015

Homossexualidade e Bissexualidade na adolescência


Texto de Laura Pires e Isabela Peccini
Desde crianças, somos influenciadas a seguir quase que um manual de como se viver na nossa sociedade. Regras e mais regras que dizem que devemos seguir para… para que mesmo? Nossa cabeça quase que dá um nó se pensarmos em tudo ao mesmo tempo:
“Se você é menina, goste de rosa, bonecas e sinta atração por meninos.”
“Se você é menino, goste de azul, carrinhos e sinta atração por meninas.”
Quando olhamos ao redor, parece que existem rótulos a serem seguidos: corpos, jeitos, roupas, pares e pensamentos perfeitos. É o que nos dizem muitas novelas, séries de TV, filmes, desenhos e propagandas. Mas por que não questionar todos esses modelos? Já falamos aqui na Capitolina sobre como a nossa identidade de gênero independe do nosso corpo ou da nossa sexualidade , mas diz respeito simplesmente a como nos vemos, nos reconhecemos e nos sentimos bem, ou seja, a nossa relação com a gente mesma. Mas e quando falamos das nossas relações com outras pessoas? O que nos diz por quem devemos ou não nos atrair ou apaixonar?
A sociedade muitas vezes nos impõe como a sexualidade “normal” a heterossexualidade, ou seja, meninas gostarem de meninos e meninos de meninas e ponto final. Isso pode ser observado de diversas maneiras. Pense nas novelas, filmes e séries às quais assistimos. A maioria dos pares afetivos é formada por um homem e uma mulher, certo? E, quando há um casal formado por duas mulheres ou por dois homens, costuma ser algo meio caricato, às vezes compondo até uma cota cômica no programa. É muito raro vermos a homoafetividade ser tratada de maneira completamente natural, como vemos na série Grey’s Anatomy, onde esse tipo de relação é tão normal, que nem é mostrada como a característica mais relevante das personagens.
Essa maneira reduzida de se mostrar a homoafetividade acaba nos reforçando a impressão de que ela é diferente do padrão e que ser diferente de um padrão é ser errado. Mas será que existe mesmo um padrão a ser seguido e respeitado? Quem é que cria esse padrão? Para que serve um padrão desses além de excluir indivíduos que não se encaixam nele? E por que os nossos sentimentos deveriam estar tão presos a essas definições? Nós acreditamos que não existe essa de ser “normal” ou ser “diferente”. A sexualidade é tão livre que não cabe em caixinhas como essas. A necessidade de encaixar algo tão abstrato em conceitos tão concretos é que nos parece estranha, afinal, existe fórmula pra sentimento? Os nossos sentimentos e desejos vão muito além disso. O nosso gênero e a nossa sexualidade dizem respeito somente a como nos sentimos em relação a nós mesmas e às outras pessoas, e pode ir muito além das pré-definições dadas pela nossa sociedade.
A adolescência é um momento único, é uma fase de tantas descobertas! E, com certeza, a sexualidade é uma delas. É, geralmente, o momento em que começamos a sentir vontade de ter relações mais profundas com pessoas que nos atraem. Esse momento pode ser muito diferente para cada uma de nós e essas definições do que é ou não “normal”, impostas pela nossa sociedade, podem dificultar muito as coisas. E se pela primeira vez você se apaixonar por outra menina? Sentir aquela vontade de ficar perto, trocar confidências, conhecer melhor, beijar, tocar? E se você contar isso pra alguém e te perguntarem: “Quem é ele?!” E você só quiser responder: “Ela é incrível!” Esse pequeno diálogo pode dar aquele frio na barriga, aquela sensação de que você é diferente. O que dizer? E agora?
Conversamos com algumas meninas que passaram por isso na adolescência, incluindo uma que ainda está passando por isso. Beatriz, 20 anos, não sabe bem como seu interesse por meninas começou. Para ela, sempre foi assim. Já Gabriela, 23 anos, diz que admitiu para si mesma lá pela 7ª série (8º ano), mas só foi confrontar isso bem mais tarde, quando já estava no 3º ano. A experiência de Laura, 17 anos, foi um pouco diferente. Ela nos contou que nunca sentiu muito interesse pelos meninos: “até fiquei com alguns e me apaixonei também, mas não tinha, sei lá, tesão, atração mesmo. Eu só fui notar isso com uns 13 anos.” A sexualidade de Laura só ficou mais clara para ela mesma quando uma menina mais velha se mostrou interessada e ela resolveu tentar: acabaram namorando por três anos.
Perceber-se “diferente” desse padrão que a sociedade tenta nos impor pode ser doloroso durante a adolescência, por causa da possível dificuldade de aceitação por parte de amigas, amigos e família. Gabriela nunca se abriu para a família, só para amigos e amigas mais próximos, bem mais velha. Beatriz teve uma ótima recepção entre as amizades, especialmente porque sua prima e melhor amiga se identifica como gay também. Com o restante da família foi um pouco mais complicado. Enquanto seu pai a aceitou e a apoiou, sua mãe, muito religiosa, não soube lidar muito bem: “ela só chorou por meses, contou pra família”. Para Laura, foi fácil conversar abertamente com amigos: Nenhum amigo meu tem algum problema com isso, ainda bem! Foi mais difícil assumir pra mim mesma do que pra eles, na verdade.” E, com a família, Laura assumiu sua ex-namorada logo nos primeiros meses da relação. De início, seus pais estranharam, mas foram se acostumando com o tempo e ficou tudo bem.
Para as meninas com quem conversamos, foi ou ainda é muito difícil se colocar para seus amigos ou família como homo ou bissexual. Muitas vezes, naturalizamos tanto o que nos é dito a vida toda que fica difícil até assumir para nós mesmas. Contar com amigos ou familiares que te apoiam é sempre de grande ajuda e dá coragem pra enfrentar as inseguranças. Saber que pessoas perto de você te entendem como você é, sem levar em conta o que se diz ser “normal” ou “diferente”.
No fim das contas, todas nós podemos dizer: o que importa é você se sentir bem. Se conhecer, saber que não importa o que os outros colocam como certo ou errado pra você, o seu sentimento é o que vale. E conhecer, reconhecer, se relacionar, se apaixonar é algo que nos faz viver tantas experiências, não importa por quem ou quando. Infelizmente, vivemos em uma sociedade que pode muitas vezes ser cruel. Algumas pessoas irão te olhar torto, mas, que fique claro: erradas estão elas. Você não precisa de gente te julgando e discriminando simplesmente porque você gosta diferente delas. O importante é se aceitar e se rodear de pessoas que gostam de você pelo que você é. Aquelas que preferem te julgar não merecem sua atenção e, veja bem, você vive muito melhor sem elas.

Artigo publicado na revista Capitolina em 24 de maio de 2014.

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