quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Grávidas relatam seu cotidiano de medo em relação ao zika

Ministério da Saúde conclui nesta quinta plano de combate ao ‘Aedes’

RIO — Em uma semana, veio a confirmação da gravidez, cuidadosamente planejada. Na outra, o início de um bombardeio de informações sobre a associação entre zika e microcefalia, uma malformação que até então não fazia parte do rol de preocupações da gestante Katharina Kelecom. Grávida de primeira viagem, ela não esconde a sensação de desamparo, especialmente após o Ministério da Saúde confirmar, no último sábado, que o vírus realmente provoca a anomalia congênita, e que o risco maior seria o de uma infecção nos três primeiros meses de gestação.

— Eu tive uma alegria muito grande com a gravidez e, pouco tempo depois, ouvi autoridades do governo recomendando não engravidar! Isso me alarmou e, por mais que tente me informar, continuo cheia de dúvidas. Por que o zika provoca microcefalia? Qual é a ação do vírus? Como isso passa para o feto? Ninguém consegue ainda responder isso — lamenta ela, que é professora de um colégio da Tijuca onde vários alunos e funcionários já tiveram dengue, e alguns, o próprio zika.

Ontem, a Secretaria de Saúde do Rio informou que o estado totaliza 23 registros de microcefalia este ano, 19 em bebês já nascidos. Oito destas gestantes relataram manchas vermelhas na pele, mas ainda não há confirmação de que elas tiveram zika. A taxa de microcefalias é quase do dobro da média histórica anual do estado, que é de 12 ocorrências.

Diante disso, os repelentes viraram assunto rotineiro para as grávidas fluminenses. Katharina é alérgica, então não pode usar muitos desses produtos. Ela tem comprado alguns nas versões em spray e em creme e, ao chegar em casa, faz pequenos testes para ver se tem alguma reação.

— Minha próxima consulta de pré-natal é daqui a 20 dias e espero que minha médica já tenha mais orientações sobre isso — anseia ela. — Eu tento me acalmar para não preocupar mais quem está ao redor. Mesmo assim, minha mãe, por exemplo, me liga de manhã e à noite para perguntar se eu passei o repelente para ir ao trabalho.

Até mesmo as mulheres com gestações mais avançadas se mantêm em alerta. Com 27 semanas, Luana Rodrigues não deixa de usar repelente e descreve esses últimos dias como “angustiantes”:

— É uma sensação de impotência, porque evitar o mosquito não depende só da gente. E não é uma questão de tomar uma vacina, porque simplesmente não existe.

Luana mora no Grajaú, bairro com grande quantidade de casas, o que faz aumentar sua preocupação em relação a possíveis criadouros do Aedes perto de sua residência. Além disso, ela trabalha duas vezes por semana em Belford Roxo, onde vê muitos terrenos baldios.

— Quando vou para Belford Roxo, sempre visto calças grossas, tento me proteger o máximo possível. Mas as grávidas sentem mais calor do que o normal, ainda mais perto do verão, então isso é muito difícil — conta ela, que não consegue passar um dia sequer sem que essa angústia volte à sua mente. — Qualquer pessoa que venha falar comigo pergunta “e aí, e o zika?”. Hoje mesmo, ouvi isso três vezes!

OMS E OPAS LANÇAM ALERTA


O Ministério da Saúde garante que os esforços para orientar melhor a população não param. Segundo informou ontem o ministro Marcelo Castro, o previsto é que seja concluído hoje o plano nacional de combate ao mosquito Aedes aegypti. Castro também afirmou que, dos 646 casos suspeitos da malformação em Pernambuco, cerca de 150 estão confirmados.

— Estamos dando os ajustes finais, combinando com a Casa Civil, com a comunicação do governo federal, para fazer tudo conjugado. Já discutimos com os secretários estaduais, os secretários municipais — comentou.


Ainda ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) lançaram um alerta epidemiológico para que os países membros fiquem vigilantes para detectar e confirmar casos de infecção pelo vírus zika. No comunicado, as organizações destacam a epidemia de microcefalia no Brasil e pedem para que as demais nações reforcem o combate ao mosquito Aedes aegypti.


Com instituições internacionais endossando a gravidade do problema e o risco de ele se espalhar por mais lugares, Daniele Alves Ribeiro, que é moradora do Alto da Boa Vista, se preocupa ainda mais, já que tem um caso de zika na própria família. Sua mãe teve a doença há poucos meses. Após saber sobre o risco de microcefalia, ela chegou a experimentar um repelente caseiro feito de álcool, óleo e cravo, mas o efeito era curto demais. Agora, Daniele começa a pensar em colocar telas nas janelas de casa.

— Estou num momento de incertezas. E é uma frustração que isso esteja acontecendo logo agora, porque esperei tanto para ter um bebê — lamenta Daniele, que tem 30 anos.

Ao passo que, em condições normais, grande parte das gestantes aproveita cada segundo do crescimento do bebê, a contadora Danívia Vargas, de 25 anos, “quer que tudo acabe logo”. Passou a ficar neurótica, como ela mesma definiu, com a possibilidade de ser picada ou pelo Aedes aegypti ou pelo Aedes albopictus — uma variante que também pode causar zika, dengue e chicungunha, mas é menos encontrada.

— Eu e meu marido já estamos enxergando um mosquito a três quilômetros de distância — brinca Danívia. — Além do repelente, vou colocar tela na minha casa neste final de semana mesmo. Por enquanto, não abro mais as janelas.

Ela conta que um casal que mora em seu condomínio, em Jacarepaguá, teve zika recentemente, e ela já denunciou a presença de focos do mosquito a autoridades.

— Como o condomínio onde moro é novo, algumas coberturas não estão ocupadas. Mas as piscinas estão lá, abertas, e por isso acumulam água — observa a futura mãe. — Eu mesma já achei um Aedes morto na minha casa. Não sei se me picou, mas não tive nenhuma reação.

Danívia participa até de um grupo no WhatsApp que reúne gestantes do Brasil inteiro e cujo assunto principal é, claro, o zika.

— Algumas relatam muita dificuldade para comprar repelente porque estão em falta no mercado, e outras, por não terem condições financeiras. Eu já paguei R$ 50 num frasco. A cada hora aparece uma nova dúvida e, sempre que alguém escuta ou lê algo novo, compartilha. As meninas do Norte e do Nordeste estão muito mais preocupadas.

INCERTEZAS SOBRE REPELENTES


O assunto divide até mesmo dermatologistas: enquanto uns garantem que a substância icaridina é segura, outros afirmam que o melhor é recorrer a outros compostos ou mesmo a produtos naturais.

— O melhor para as grávidas é o repelente com IR3535 — recomenda Carlos Milhomens, da Sociedade Brasileira de Dermatologia, que descarta o uso de repelentes ligados em tomada e aqueles aplicados em tecidos.

Já Murilo Drummond, professor titular do Instituto de Pós-Graduação Carlos Chagas, recomenda apenas repelentes naturais para aquelas que estão no primeiro trimestre de gravidez:

— O problema dos outros repelentes é que são tóxicos e alérgicos. Se uma grávida tiver uma reação alérgica, poderá ter que tomar remédios que não são bons para a época da gestação.

De acordo com Denise Valle, pesquisadora do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), da Fiocruz, a principal característica do Aedes é ser oportunista.

— O mosquito tem hábitos mais diurnos que noturnos. Mas, se você chegar em casa à noite e ele estiver lá, com fome, vai picar. Voar baixo é uma característica comum aos mosquitos, mas mais uma vez: o Aedes é oportunista, se tiver que ir a uma calha a dois metros do chão colocar ovos, ele irá — pontua ela.


Fonte: O Globo


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