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segunda-feira, 20 de maio de 2013
LEISHMANIOSE
Especialistas de MSF com experiência na África e na Ásia respondem questionamentos sobre a doença
20 de maio de 2013 - Durante o 5º Congresso Mundial de Leishmaniose (Worldleish), realizado em Porto de Galinhas (PE) de 13 a 17 de maio, especialistas do mundo todo estiveram reunidos para a troca de conhecimentos acerca da doença. Dois profissionais da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) responderam questões sobre a leishmaniose em entrevista exclusiva ao site de MSF-Brasil. O epidemiologista Raman Mahajan atualmente trabalha com MSF na Índia, como responsável pela administração de sistemas de informação de saúde e pelo desenvolvimento de pesquisas operacionais do projeto; e o Dr. Sakib Burza atua em medicina comunitária, e acumula experiência em países como Sudão, Gâmbia, Palestina, Uzbequistão e Afeganistão. Confira abaixo as perguntas e respostas dos dois profissionais:
1. O que é leishmaniose? E o que é a leishmaniose visceral?
Leishmaniose é um grupo de doenças causadas por infecção por um parasita chamado Leishmania. Não é uma bactéria nem um vírus, mas, sim, um protozoário. Há muitas espécies diferentes de parasitas de Leishmaniose e eles causam estes quatro principais tipos da doença:
- Leishmaniose cutânea, que causa úlceras cutâneas, que, normalmente, formam-se em áreas expostas, como a face, os braços ou as pernas. Geralmente, tais úlceras são curadas em poucos meses, mas deixam cicatrizes.
- Leishmaniose cutânea difusa, que causa lesões cutâneas generalizadas e crônicas, semelhantes àquelas encontradas na lepra lepromatosa. O tratamento é difícil.
- Leishmaniose mucocutânea, que, além de afetar a pele, podem destruir, parcial ou integralmente, as membranas mucosas do nariz, cavidades bucais e da garganta e tecidos do entorno.
- Leishmaniose visceral (LV), também conhecida como calazar, é causada pelas espécies Leishmania donovani, L.infantum, L.tropica ou L.chagasi. No sudeste da Ásia, o L.donovani é o parasita que mais provoca a LV ou calazar. É diferente das outras estirpes de leishmaniose, uma vez que o parasita afeta órgãos internos, causando uma doença sistêmica. Se não for tratada, a LV pode ter uma taxa de fatalidade de até 100% em dois anos.
2. Como as pessoas são infectadas?
As pessoas são infectadas a partir da picada de mosquitos-palha fêmeas que, por terem picado pessoas infectadas ou um hospedeiro animal, transmitem a infecção para outro ser humano.
3. Quais tratamentos MSF usa em cada região em que trabalha?
Na Índia, MSF utiliza diferentes regimes de tratamento, como a dose única de amBisome, uma combinação de amBisome e sete dias de miltefosina e uma outra combinação, de paramomicina e miltefosina.
Em outros projetos na África, MSF usa diferentes tipos de medicamentos, como o estibogluconato de sódio (SSG) e mantém a utilização de AmBisome para casos complicados ou resistentes.
4. Existe alguma conquista recente em termos de pesquisa e desenvolvimento associada ao calazar?
Infelizmente, por ser uma doença negligenciada, o calazar não é beneficiado com pesquisa e desenvolvimento, ainda que haja uma demanda clara por investimentos em diagnóstico, tratamento e prevenção. O teste rápido RK39 é bastante funcional para o diagnóstico primário de VL no subcontinente indiano, mas é preciso desenvolvimento no campo de teste para a África Oriental, dedicando atenção especial ao diagnóstico preciso de pacientes coinfectados com HIV.
Um avanço recente é a dose única de anfotericina B liposomal, que vai melhorar significativamente a adesão ao tratamento.
É preciso urgentemente investimento no desenvolvimento de medicamentos, já que os atuais apresentam desvantagens. Enquanto isso, a avaliação de terapias baseadas na combinação de medicamentos existentes continua sendo uma prioridade. É essencial ressaltar que uma vacina melhoraria significativamente o controle de LV, assim como novos métodos de controle do reservatório animal em áreas endêmicas – coleiras para cachorros, por exemplo – ou prevenção da infecção humana, com a distribuição de mosquiteiros com inseticidas.
5. Há algum tipo de vacina para a doença?
A natureza do ciclo de vida do parasita e o fato de que a cura e a recuperação protegem os indivíduos de uma nova infecção indica que pode ser possível desenvolver uma vacina contra a LV. Até o momento, no entanto, o progresso no desenvolvimento de uma vacina contra as diferentes estirpes de leishmaniose tem sido limitado.
6. Como o calazar pode ser prevenido?
Por meio de cuidados higiênicos, da pulverização das casas e do diagnóstico antecipado, além de tratamento.
As estratégias atuais baseiam-se no controle dos reservatórios e vetores, bem como no diagnóstico e tratamento precoces. O mosquito-palha é suscetível aos mesmos inseticidas que o vetor da malária e a pulverização das casas e abrigos de animais tem se mostrado efetiva na Índia. Outro componente é o controle do ambiente, que envolve o revestimento de buracos nas paredes das casas e alterações no estilo de vida, como afastar-se do local em que ficam os animais. O uso de mosquiteiros com inseticidas pode também prevenir a LV e outras doenças vetoriais, como a malária. No entanto, há pouca evidência de que os mosquiteiros de fato protejam a população, já que sua efetividade está associada aos hábitos de sono da população e aos hábitos dos vetores locais.
7. O calazar ocorre da mesma forma em todos os lugares do planeta? Quais são as diferenças?
As infecções ocorrem da mesma forma por todo o planeta, mas as manifestações clínicas podem variar sensivelmente de um lugar ao outro. Por exemplo, as espécies de parasitas diferem entre si, bem como as formas de transmissão, envolvendo animais ou não.
A LV é causada por duas espécies, L.donovani ou L.infantum, dependendo da região geográfica. A L.infantum infecta, principalmente, crianças e indivíduos imunodeficientes, enquanto a L.donovani infecta grupos de todas as idades.
Há um número estimado de 500 mil novos casos de Leishmaniose Visceral e mais de 50 mil mortes relacionadas à doença a cada ano, uma letalidade superada apenas pela malária, entre as doenças parasitárias. É comum que a LV não seja reconhecida nem reportada. A maioria dos casos, mais de 90%, ocorre em apenas seis países: Bangladesh, Índia, Nepal, Sudão, Etiópia e Brasil. A imigração, a ausência de medidas de controle e coinfecção com HIV são os três principais fatores que levam ao aumento da incidência de LV. A doença afeta comunidades pobres, geralmente localizadas em regiões remotas e rurais. Normalmente, é endêmica em países das regiões menos desenvolvidas do mundo (como o Nepal), ou nas regiões mais pobres do planeta.
8. Além do HIV, há algum outro tipo de coinfecção relacionado ao calazar?
O calazar é uma doença imunossupressora, o que faz com que a pessoa infectada fique extremamente suscetível a outras infecções. As mais comuns são a malária e, muito frequentemente, a tuberculose (TB). Também devido aos sintomas clínicos, os pacientes estão, por muitas vezes, desnutridos.
9. Os governos de Bangladesh, da Índia e do Nepal chegaram a apresentar um plano para eliminar a doença até 2015. Esse plano ainda existe? É uma perspectiva realista?
Apesar das dificuldades para controlar a LV no mundo, há diversos fatores específicos que fazem com que a erradicação da doença seja factível no subcontinente indiano: os fatores biológicos incluem o ciclo em que os seres humanos são os únicos reservatórios e o mosquito-palha da espécie Phlebotomus argentipes o único vetor, novos e mais efetivos testes para diagnósticos e medicamentos são acessíveis e podem ser utilizados em campo. O mais importante, no entanto, é o forte comprometimento político e a colaboração entre os países.
A iniciativa para eliminar a LV foi lançada em 2005 com a assinatura de um memorando entre os países citados. A meta era alcançar o objetivo em 2015, com a redução da incidência anual de calazar para menos de 1 em cada 10 mil pessoas em nível distrital ou subdistrital e reduzir a taxa de fatalidade. No entanto, a evolução do cenário está paralisada por diversos motivos e a erradicação da doença pode não ser alcançada em 2015.
10. Qual tratamento é utilizado no Brasil?
De acordo com as diretrizes estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os regimes de tratamento recomendados para a LV causada pelo L.infantum na América do Sul são à base da anfotericina B liposomal, antimoniais pentavalentes e o deoxicolato de anfotericina.
MÉDICOS SEM FRONTEIRAS
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