domingo, 21 de julho de 2013

Carreira precoce no futebol afeta o desenvolvimento de crianças e adolescentes

Encantados pelo sonho de fama e riqueza ao poder jogar em um grande clube de futebol, diversas crianças e adolescentes são afastadas dos pais e levadas por olheiros para outros estados brasileiros com a promessa de se tornarem o próximo Ronaldo ou Neymar. Porém, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirma que 99% dos garotos e garotas de até 17 anos não realizam a tão sonhada carreira como jogador profissional e, de acordo com especialistas, os impactos no desenvolvimento precoce dessas crianças são irreversíveis e caracterizados como trabalho infantil.

“É uma sobrecarga terrível que afeta os desenvolvimentos físico e psicológico. Estes garotos perdem a infância e a adolescência, uma fase importante da vida, de formação”, afirma o ex-jogador e atual presidente do Sindicato dos Atletas de São Paulo, Rinaldo Martorelli. “Há uma total descompensação, pois um garoto de 14 anos queima etapas de formação de caráter, desenvolvimento físico e psicológico, e também de pensamento crítico, isso sem considerar o aspecto educacional”.

Há vários prejuízos que podem ser verificados como lesão ao direito à educação e à convivência comunitária, excesso de carga nos treinamentos, alojamentos em péssimas condições, ausência de formalização dos contratos do atleta não profissional em formação e não pagamento de bolsa aprendizagem, tráfico nacional e internacional de pessoas, além da suscetibilidade para ocorrência de crimes sexuais, como exemplifica a procuradora do trabalho Cândice Arósio, representante da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) no Mato Grosso do Sul. “As situações mais graves são a falta de cuidado com a saúde desse adolescente, que muitas vezes vem de longe, não se alimenta direito, faz uso de substâncias desconhecidas no afã de se tornar um jogador de futebol, além da grande pressão psicológica imposta pelos pais e pelos agentes”.

De acordo com o preparador físico do Centro de Formação de Atletas (CFA) do São Paulo Futebol Clube, Rodrigo Pignataro, a rotina de treinos ideal para crianças e adolescentes que ingressam na carreira futebolística aos 10 e 11 anos de idade deve ser de forma lúdica e que desenvolva habilidades como reflexo, corrida e lógica, e que seja uma vez por semana, com um jogo no fim de semana. Aos 12 e 13, os treinos passam a ser com a frequência de duas vezes por semana. E a partir dos 14, os treinos passam a ser gradativamente mais parecidos com os dos profissionais.

“Dentro dos perfis fisiológico e psicológico, de forma saudável, os garotos só podem treinar por uma hora e meia e são treinos diferenciados, de iniciação lúdica desportiva, como garante a Lei Pelé e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, explica o preparador físico. “Não há cobrança de resultado nos treinos e nos jogos. Eles sabem que precisam acertar, ninguém chuta uma bola para o gol querendo errar, então conversamos e a criança aponta o que ela fez de errado e o que ela precisa fazer para melhorar”, exemplifica.

Outro ponto a ser destacado são as adaptações do esporte para as crianças e adolescentes. No CFA do clube paulista, por exemplo, os campos são adaptados para as categorias sub-14, que não disputam campeonato. Segundo Pignataro, um jogador profissional corre entre nove e 11 quilômetros durante os 90 minutos de uma partida e cuida de uma área de 200 metros quadrados dentro de um jogo. “Se eu colocar 11 contra 11 nessa mesma dimensão, com jogadores de 10 anos, eles também vão ter que cuidar do mesmo espaço, e isso é um crime”. O preparador afirma ainda que pouco mudou durante seus 13 anos de carreira. “Houve pouca mudança na consciência ao longo dos anos. Existe a naturalização da situação nas categorias no futebol, isso dificulta o entendimento dos profissionais, dos pais, além da falta de fiscalização”.

Jogo sem juiz


Com a falta de consciência dos clubes, da família e do Estado, há um abuso e cobrança excessiva. As categorias de base são precárias e submetem os atletas a uma rotina diária intensa de exercícios e fortes atividades físicas. A maioria dos garotos fica longe de suas famílias, impedidas do convívio social, concentrando e dedicando a maior parte do tempo ao futebol.

“Tudo na vida deve ser feito de forma ponderada e equilibrada. A criança tem o direito de ser simplesmente criança, o que significa dizer que tem que estudar, brincar, praticar o esporte que lhe confira prazer e aprendizado, sem a necessidade de que isso se torne a sua profissão no futuro”, afirma Cândice.

Para Martorelli, um outro problema “é a necessidade de o atleta de futebol se profissionalizar cada vez mais cedo, então os clubes se antecipam cada vez mais”. Para o ex-jogador , é preciso também explicar aos pais os riscos da carreira e as mínimas chances de se profissionalizar. Além disso, essa visão e aceitação social é histórica e difícil de ser rompida, pois não há discussão a respeito dos problemas e desafios de uma criança ou adolescente atleta. “Essa situação se dá pela falta de visão social do clube, que não está preocupado e sequer sabe da obrigatoriedade da criança na escola, além da falta de fiscalização total do Ministério Público e dos órgãos competentes”.

A procuradora do trabalho também concorda que é difícil quebrar a visão social naturalizada a respeito de trabalho infantil nas categorias de base. “O que se vê é simplesmente o sonho e a prática do esporte como lazer, não sendo de fácil entendimento que por trás disso há grandes interesses, muito dinheiro e pessoas que desejam descobrir o próximo craque a qualquer custo”. Porém, Arósio afirma que há clubes que seguem rigorosamente o que dispõe a lei Pelé, cumprindo com todas as formalidades necessárias. “Há os que já cumprem e que já passaram por inspeções pelo MPT, principalmente em estados com maior tradição, como São Paulo e Paraná”.

promenino

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