Músicos, moradores e autoridades dizem que evento simboliza integração da cidade
RIO - O Complexo do Alemão se vestiu de branco para festejar, neste sábado, um ano de paz ao som da "Nona Sinfonia" de Beethoven. Palco de partidas de futebol aos fins de semana, o Campo do Sargento, em Inhaúma, deu lugar a um espetáculo com grandes expoentes da música clássica . O time, comandado pelo maestro da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), Roberto Minczuk, entrou no palco às 20h.
Uma realização do GLOBO e da OSB, com apresentação da prefeitura do Rio e patrocínio da Vale e do Bradesco, além de apoio do BNDES, o Projeto Aquarius aportou pela primeira vez em uma favela pacificada. Novo capítulo de uma história que começou em 1972. De lá para cá, foram nada menos do que 283 apresentações.
A estrutura do evento é grandiosa. Com capacidade para reunir até 200 músicos de uma só vez, o palco tem 70 metros de largura. E dois telões LED, somando 80 metros quadrados nas laterais. A potência do show será tanta que cerca de 15 mil pessoas poderão assistir ao evento com clareza sem precisar sair de suas lajes. Com um balé de luzes, os efeitos especiais prometem fazer os espectadores se envolverem com o concerto. Para a plateia — serão três mil assentos — não passar aperto, foram instalados 30 banheiros químicos no local do espetáculo.
Antes da entrada da Orquestra Sinfônica Brasileira, o Afro Circo, grupo de malabaristas do AfroReggae, divertiu o público.
A chuva não espantou moradores e visitantes. Morador do Alemão há 42 anos, o pedreiro José Gomes, de 62 anos, chegou cedo ao local para ter a oportunidade de ver um concerto ao vivo pela primeira vez.
- Só vi pela televisão. Acho que vai ser algo diferente.
O caráter inovador da apresentação também é destacado pelo maestro desta noite. Para Minczuck, a apresentação do Projeto Aquarius no Complexo do Alemão é um acontecimento histórico, a partir do qual ele espera que a música clássica esteja mais presente na vida de cidadãos de comunidades, como o Complexo do Alemão.
- Essa apresentação representa a conquista da música e da cultura que chega a essas comunidades. A música e a orquestra pertecem a eles também, a todos os cidadãos do Rio de Janeiro. E nós estamos muito felizes de podermos apresentar a Nona Sinfonia de Beethoven, que é linda, um patrimônio da humanidade. É uma emocao especial, muito diferente. Muitos estarão ouvindo uma orquestra pela primeira vez ao vivo. A mensagem é de união, de fraternidade. E esperamos que essas pessoas não tenham receio de ir assistir à Orquestra no Theatro Municipal. Pois, como já disse, a orquestra é deles - afirmou Minczuck.
Músico da OSB, o violinista Willian Isaac destaca que, há pouco mais de um ano, antes da ocupação do Alemão pelas forças de segurança, era inimaginável ocorrer um espetáculo como este na comunidade.
- Sou de Goiânia. É a primeira vez que entro numa favela. E tocando com uma orquestra. É fantástico. Nunca me imaginei tocando no Complexo do Alemão. E estar aqui hoje acredito que seja uma conquista para todos, para nós, músicos, e para a comunidade -disse Isaac.
A opinião é parecida com a da percussionista Janaína Sá. Ela diz que espera emocionar a plateia, numa apresentação que ela considera símbolo da integração da cidade.
- Esta é uma apresentação inovadora, histórica. E tenho certeza que a música vai conseguir tocar o público, emocionar. A música é para isso, romper barreiras - diz ela.
Muitos artistas, autoridades e líderes sociais prestigiaram o evento. A chefe de Polícia Civil, Martha Rocha, foi uma das primeiras a chegar. E fez questão de afirmar que vinha ao espetáculo no papel de uma cidadã, que veio compartilhar este momento com os moradores do Complexo do Alemão.
- Esta é a melhor forma de comemorar a mudança. Este agora é um território de paz. E a cultura tem esse poder, de transformar. Não estou aqui hoje como Chefe de Polícia Civil, mas como uma cidadã. Acredito que este seja um dos momentos mais especiais da ocupação da comunidade - afirmou ela.
Artista como as atrizes Thalma de Freitas e Guta Stresser também estiveram por lá. O governador Sérgio Cabral acaba de chegar, acompanhado da mulher, Adriana, e de secretários de estado, como Adriana Scorzelli Rattes, de Cultura, e Carlos Roberto Osório, de Conservação. É aguardada a chegada ainda do prefeito Eduardo Paes. Trajando uma camiseta branca, Cabral destacou a importância da realização de um evento, como o Projeto Aquarius, no Complexo do Alemão.
- Trazer o Projeto Aquarius aqui é de uma delicadeza imensa. Representa o novo momento que o Rio e o subúrbio da cidade estão vivendo - afirmou Cabral.
Ao ser cercado por crianças da comunidade, o governador afirmou que, depois da apresentação do projeto, podem surgir novos Pixinguinhas e Joãos da Baiana na comunidade.
Depois do prelúdio ''Carmen'', de Bizet, o programa continuou com a execução de ''Jesus Alegria dos Homens'', de Johann Sebastian Bach. Em seguida, ''Adeste fidelis''. A ''Nona Sinfonia'' foi permeada com a apresentação de ''Os Estatutos do Homem'', poema de Thiago de Mello.
Cercada de expectativa, a estreia do Aquarius no conjunto de favelas da Zona Norte mereceu atenção especial dos organizadores.
— A apresentação de hoje (sábado) é um motivo de orgulho para O GLOBO. É uma tradição do projeto Aquarius, em seus 39 anos de existência, levar música clássica a todos os públicos. Mas hoje teremos uma apresentação muito especial. O concerto da OSB no Complexo do Alemão é também uma celebração da paz no Rio, num momento histórico da cidade. Convidamos todos os que queiram celebrar essa paz a assistirem ao espetáculo de hoje — disse Sandra Sanches, diretora executiva do GLOBO.
Um momento de grande emoção foi quando a OSB executava o Quarto MOvimento da Nona Sinfonia, Bethoveen, e que foi encontrada uma bandeira branca ao lado do palco. Muitas pessoas foram às lágrimas, inclusive a atriz e cantora Thalma de Freitas.
Bastante animado, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrane, ressaltou que são momento como esse que os moradores do Rio precisam e que precisam ser repetidos em outras comunidades.
-São momentos de integração como esse que estamos precisando e nos dão forma e esperança para continuar com nosso trabalho - afirmou o secretário.
Ao final da apresentação, integrantes da OSB e do grupo AfroReggae se uniram para tocar ‘’Cidade Maravilhosa’’, que foi acompanhada pelo público presente, numa grande confraternização.
O Globo
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