domingo, 30 de dezembro de 2012

Mulher cria cavalo como animal de estimação em Pelotas


Animal, que já foi de competição, é mantido com comida boa e muito carinho

Se Maria Isolete Oliveira Aires, 61 anos, se atrasa meia hora, já sabe: no portão, seu melhor amigo a espera. Como quem reclama, o companheiro sai do terreno comprado para ele na frente de casa em Pelotas, atravessa a rua e a aguarda. Ela chega, pedindo desculpas e arrumando a comida.

— Negrão, tu acha que tem empregada? — brinca, e, depois, completa com voz de bebê: como vai, meu amorzinho? Tá com fominha?

Mais tarde, pega a escova e o penteia. Para completar o tratamento, creme de aloe vera. O sortudo que recebe os carinhos é seu cavalo de estimação, Furbo ou Negrão.

Todos os cinco donos que Furbo teve concordam que ele merece tamanho mimo na aposentadoria. Um cavalo vive em média 25 anos, mas Furbo já passou disso. Embora ninguém saiba exatamente a idade, ela já beiraria quatro décadas. Quarenta anos bem vividos e cheios de trabalho — natural de Quaraí, o animal rodou o Estado em competições de salto.

Antes de ser adotado por Isolete, Furbo fazia parte de uma escola de hipismo para crianças em Pelotas. Talvez mais por afeto do que por razão, a dona do local, Maria Cristina Valente Drago, garante que ele é de raça, Hanoveriano, apesar das contestações do filho, que é cavaleiro profissional. Ela lembra com carinho do cavalo, que era conhecido por "Professor":

— Ele ensinava às crianças. Elas não faziam nada e ele via um obstáculo e já saltava, muito dócil. Tinha até briga entre elas para disputá-lo.

Uma de suas "alunas", Larissa Daneluz, 18 anos, chora só de relembrar sua história com ele:

— Foi com o Furbo que eu entendi que havia nascido para o hipismo. Ele me ensinou muito, tinha seis anos quando montei nele pela primeira vez. E não é só técnica. É afeto também. A gente dizia que ele era o "cavalo-cachorrinho", porque depois do treino nós o soltávamos e ele vinha correndo atrás de nós, querendo brincar — recorda.

Segundo o doutor em medicina veterinária Carlos Eduardo Wayne Nogueira, que trabalha há mais de 25 anos com equinos, a natureza dos cavalos é se proteger em grupos da mesma espécie. Quando são retirados desse meio e postos juntos a humanos, a tendência é que busquem esse convívio com as pessoas.

— Cavalos são muito sensitivos — explica.

O segundo dono de Furbo que o diga. Embora a fama de carinhoso proceda, ele não foi sempre assim.

— Era um cavalo muito voluntarioso, difícil de montar. Tinha muita energia, mas era desconfiado. Por isso eu o nomeei de "Furbo", que em italiano significa esperto, vivo. Mas com o tempo, eu fui treinando, treinando, treinando... Dando confiança para ele. E se tornou um cavalo maravilhoso — diz o professor de hipismo e designer Manlio Gobbi.

Apesar de Gobbi estar separado de seu camarada há quase 20 anos, ainda mantém pregado na parede de seu quarto um pôster dele com o cavalo. Quando recebeu a ligação para falar sobre Furbo não se conteve:

— Eu não acredito que o Furbo ainda está vivo! Tu acabaste de me dar o melhor presente que alguém podia receber! Onde ele está? Vou visitá-lo.

A empolgação de encontro com o animal é compartilhada por Isolete. Quando se atrasa para o "jantar" dele, liga correndo para o vizinho repará-lo.

— Senão ele vem aqui em casa e eu não estou, pode ficar preocupado — explica.

Ano passado, ela teve que se ausentar durante alguns meses para cuidar de uma sobrinha doente. Furbo pegou uma gripe e quase não aguentou. Quem conhece os dois jura que ele por pouco ele não morreu de saudade. Ao rever Isolete, se recuperou em seguida, como por milagre. Há dois anos, durante as festas de fim de ano, o cavalo se assustou com os fogos de artifício e saiu galopando. Se perdeu.

— Isolete ficou louca. Pegamos o carro e rodamos toda a cidade. E nada de achar o cavalo — lembra um dos proprietários da escola, Vitor da Silva Gralha.

Até que ela recebeu a informação de que ele estaria em um descampado. Não tinha carona. Foi a pé. Quatro horas caminhando. Carrega até hoje cicatrizes do sol no corpo, mas nem dá bola. Pelo menos, tem seu companheiro de volta. Está feliz. Para Gobbi, o cavalo também trouxe muitas alegrias. Ele competia no salto em concursos estaduais e de interclubes.

— Ele não era muito alto, mas tinha uma energia e uma vontade incríveis. Então se agigantava nas competições e ele levava todos os troféus — lembra Gobbi, com o respeito que os reais cavaleiros têm — embora sejam eles que estão guiando o animal, sempre dão o crédito ao cavalo.

Com a idade, Furbo foi diminuindo o tamanho das provas de salto. Começou com 1m40cm, com Gobbi, e terminou com 60cm, na escola. Como já estava velhinho, os proprietários da instituição de ensino resolveram aposentá-lo. Apareceu Isolete, apaixonada por animais. Tem em casa três cachorros, quatro gatos e dois patos. Que mal faz mais um?

E quem disser que Furbo está velho para saltar se engana.

— De vez em quando, ele se empina todo, pronto para ir — conta Isolete.

Meses atrás foi. Mesmo castrado, sentiu o cheiro de uma égua no cio do outro lado da cerca. Não deu outra: ergueu seu melhor salto e foi lá tentar namorar.


Conheça a história de Furbo

O 1º dono

Foi comprado em Quaraí pelo pai de Leandro Balen, então com 16 anos. Era seu primeiro cavalo. Foi levado para Porto Alegre. Hoje, aos 41 anos, Balen comanda "120 Furbos", como diz. É comandante do Regimento Bento Gonçalves da Brigada Militar, responsável pelo patrulhamento com equinos na Capital. Porém, naquela época, como ensina o ditado do hipismo "para cavalo inexperiente é preciso um cavaleiro experiente" e vice-versa, ele e o cavalo não se acertaram. Um não sabia mandar e outro não sabia obedecer.

O 2º dono

Depois de um ano, Balen vendeu Furbo para o professor de hipismo e designer Manlio Gobbi. Gobbi ganhou prêmios estaduais e de interclubes em provas de salto de 1m30cm e 1m40cm.

O 3º dono

Gobbi vendeu o cavalo para a veterinária Ângela Cardoso Barth. Na época, foi seu presente de 15 anos. Competindo, também recebeu medalhas, mas na categoria de 1m. Aos poucos, ela foi se afastando do esporte. Até que recebeu uma ligação de uma escola de hipismo para crianças em Pelotas. Eles haviam perdido um cavalo em uma competição. Havia informações de que ela teria um cavalo meio velhinho, mas cheio de energia, que servia para ensinar crianças a pular 60cm. E lá se foi Furbo ao Sul do Estado, onde mais tarde conheceu sua melhor amiga, Isolete.

ZERO HORA

Um comentário:

  1. Bonita história.
    Sou Oficial de Cavalaria do Exército e adoro cavalos, claro!
    Mas só um reparo na notícia.
    Tenho vários cachorros e não me separaria de nenhum deles.
    O mesmo vale para cavalos.
    Como alguém tem um companheiro de competição por anos e depois, quando eles está "velho", simplesmente o vende?
    Triste isso.
    E parabéns à Dona Isolete, a única pessoa que realmente amou esse bichinho.
    E amor incondicional, sem nada em troca salvo o carinho dele.
    Ou outros apenas o usaram.

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