quinta-feira, 15 de março de 2012

A infância como alvo das guerras

Crianças mortas no massacre em Homs AFP

Massacres recentes expõem uso de crianças como meio para espalhar o medo

RIO - Desde o início do conflito na Síria, em março de 2011, os relatos de atrocidades cometidas pelo governo do presidente Bashar al-Assad contra os insurgentes só aumentam. A ONU estima que mais de oito mil pessoas já foram mortas. Nas últimas semanas, o cerco aumentou, com a tomada de áreas rebeldes e centenas de assassinatos. Porém, a chacina, na última segunda-feira, de 26 crianças (com vídeos amplamente divulgados que mostravam alguns corpos com sinais de tortura e gargantas cortadas) no bairro de Karm el-Zeitun, na castigada cidade de Homs, aprofundou preocupações com a escalada da violência no país. E com o uso de crianças como alvo deliberado para determinados fins.

O massacre, que vitimou também 21 mulheres, de acordo com os Comitês Locais de Coordenação da Síria, causou uma forte reação mundial. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e os chanceleres da França, Alain Juppé, e do Reino Unido, William Hague, entre outras autoridades internacionais, condenaram o episódio, em que o governo e os opositores acusam-se mutuamente.

— Na Síria, temos documentado muitos casos de violações contra crianças. É difícil dizer por que isso acontece, mas acho que muitas vezes é para criar uma situação de terror, de medo. Porque obviamente se nem as crianças são protegidas da violência, cria-se um alto nível de medo em qualquer população, e um governo ou um grupo rebelde podem usar esse pânico para atingir seus fins militares ou políticos — disse ao GLOBO, de Nova York, Ian Levine, diretor-executivo para programas da Human Rights Watch (HRW), que acompanha a situação no país.

De acordo com Jo Becker, diretora de Defesa da Divisão de Direitos das Crianças da mesma organização, pelo menos 600 crianças (bebês, inclusive) foram assassinadas desde o início dos conflitos no país no ano passado. Relatos recentes dão conta de que muitos adolescentes e crianças têm sido degolados.

— Documentamos extensos casos de assassinatos, prisões e torturas de crianças realizados pelas forças de segurança sírias em suas casas, escolas e nas ruas. Atiradores de elite miram nelas independentemente de sua idade. Algumas foram mutiladas dentro de suas próprias casas — conta Jo, acrescentando que muitas escolas, agora, são usadas como centros de detenção e tortura, inclusive de ex-alunos.

Segundo Peter Smerdon, porta-voz da Unicef em Nova York, a organização estima que há 1,5 bilhão de crianças e adolescentes com menos de 18 anos vivendo em 42 países afetados por violência e conflitos intensos. O número corresponde a dois terços da população infantil do mundo.

— A morte de crianças durante um conflito é algo condenável e deplorável. Eles podem tentar demonstrar poder, mas, na verdade, matar crianças é a coisa mais fácil do mundo, porque elas são inofensivas e praticamente não podem oferecer resistência. Não há nada a se ganhar com a morte delas — diz ele.

Os motivos que levaram um soldado americano a invadir casas afegãs em Panjwai, na província de Kandahar, no último domingo, ainda não estão claros. Mas a fragilidade das vítimas pode explicar, em parte, os números do massacre: dos 16 mortos, nove eram crianças — mais da metade.

De acordo com o relatório “Promoção e proteção dos direitos da criança” apresentado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha à ONU, em outubro de 2011, cerca de um milhão de crianças adquiriram alguma deficiência física durante a última guerra do Afeganistão, iniciada em 2001. No país, duas crianças morriam diariamente em 2010, de acordo com a Afghanistan Rights Monitor. O ano de 2009 foi o pior para os menores afegãos: mais de 1.050 morreram em ataques suicidas, bombardeios, explosões e trocas de tiros.

O uso de menores como alvos não é, entretanto, uma prática restrita à Síria e ao Afeganistão. Em setembro de 2004, terroristas chechenos separatistas invadiram uma escola com armas pesadas em Beslan, na Ossétia do Norte. Após três dias de cerco das tropas do governo, uma invasão a base de tiros de lança, rojão e tanques resultou na morte de 331 pessoas — 186 crianças. Dos 32 terroristas que participaram da ação, apenas um saiu vivo — e preso.

Além dos ataques deliberados, outro problema é o aliciamento de menores como crianças-soldados. Dias atrás, o caso do ugandense Joseph Kony, chefe do grupo Exército de Resistência do Senhor, ficou conhecido mundialmente após um vídeo viral expor seus crimes e sua situação de procurado número 1 pelo Tribunal Penal Internacional. Hoje, a mesma corte declarou culpado o congolês Thomas Lubanga, ex-líder da União de Patriotas Congoleses (UPC), por recrutar meninos soldados entre 2002 e 2003. Haia considera crime o uso de menores de 15 anos em conflitos armados.

— Crianças são recrutadas como soldados porque são consideradas bons soldados, capazes de serem dominadas por outros — observa Levine. — Apesar disso, sua situação é muito mais exposta hoje do que no passado, o que contribui para tentar impedir o avanço do problema.

Apesar de mais de 25 artigos nas Convenções de Genebra e em seus protocolos adicionais se referirem especificamente a crianças, ataques como o de Homs deixam claro o quão difícil é impedir o uso da força contra elas.

— Seria bom que a comunidade internacional ficasse tão revoltada com o abuso de crianças que reagisse de forma dura. Há algumas semanas, o Conselho de Segurança estava tentando aprovar uma resolução condenando a Síria. Mas a Rússia e a China usaram seu poder de veto e ela não avançou. Isso aconteceu apesar de dois ou três dias antes a HRW ter publicado um relatório que tratou de violações contra crianças, incluindo mortes, prisões e torturas feitas pelas forças de segurança do governo da Síria — ressalta Levine.

O Globo

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