quarta-feira, 18 de julho de 2012

Campo Grande registra 150 casos de violência sexual contra crianças

Dados da polícia representam investigações do primeiro semestre de 2012.

Cidade tem um abrigo especializado no atendimento às vítimas.

A garota de 11 anos, magra e de cabelos lisos, passou aproximadamente 40 dias no Lar Meninas dos Olhos de Deus, que atende vítimas de violência sexual em Campo Grande. Quieta, ajudava a cuidar das crianças menores, penteando cabelos, colocando uniformes de escola e na organização dos quartos. Ela foi levada para a instituição depois que foi estuprada pelo cunhado, um dos 150 casos de abuso de crianças e adolescentes investigados no primeiro semestre deste ano na capital.
A delegada Regina Márcia Rodrigues, titular da delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca) não repassou o índice do primeiro semestre do ano passado, mas diz que os dados deste ano já representam um aumento em relação a 2011. Segundo Regina, o mudança de comportamento das pessoas próximas das crianças é um dos motivos para o aumento de denúncias. Antes, muitos não acreditavam no que elas diziam ou não estavam atenta aos sinais: a vítima muda comportamento, fica mais quieta ou agressiva e perde a espontaneidade.
De acordo com a polícia, os 150 boletins de ocorrência são todos casos de violência sexual, abrangendo perturbação da tranquilidade (assédio), prostituição, aliciamento e estupro. São denúncias formalizadas em que ocorrem a instauração de inquérito policial ou termo circunstanciado de ocorrência.

Proximidade

Um levantamento feito pelo Ministério da Saúde em 2011 mostra que a violência sexual é o segundo tipo de violência mais comum contra crianças de 0 a 9 anos e representa 35% dos casos de violência infantil. Em seguida estão os casos de negligência e abandono. Ainda segundo a pesquisa, no ano passado no Brasil foram registradas 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões. O estudo também mostra que, na maioria dos casos, o abusador convive na mesma casa ou próximo da criança.
proximidade foi o caso da menina de 11 anos. A garota foi estuprada pelo cunhado no início do ano e a violência só terminou depois da denúncia da prima. Em maio, a menina foi levada para o abrigo. O local, uma antiga casa com nove cômodos, na região sul de Campo Grande, abriga 11 meninas, todas com histórico de violência sexual.

No fim de junho, a menina saiu da instituição e foi para a casa da prima, a pessoa que havia denunciado o crime à polícia. A parente tornou-se responsável por ela depois que os pais da garota não se interessaram em reaver a guarda da filha.

Abrigo

De acordo com a juíza da Vara da Infância, Juventude e do Idoso, Katy Braun, a instituição Lar Meninas dos Olhos de Deus é a única em Campo Grande especializada em atender crianças vítimas de abuso. A magistrada explica que, após a denúncia, a Vara da Infância, por meio do Conselho Tutelar, decide se a criança ou adolescente será amparado por um abrigo ou se tem condições de continuar no convívio familiar, longe do abusador. “A criança só é retirada da família nos casos em que o agressor está próximo da casa, mas geralmente o agressor é da própria família"



O Lar Meninas dos Olhos de Deus pertence a um projeto mundial e tem 11 sedes no Brasil. Em Campo Grande a casa fundada em 2009 pelo líder religioso Silvano Sena, atende 11 meninas, entre 5 e 17 anos. Atualmente 14 colaboradores entre assistentes sociais, motoristas, psicólogos e cozinheiros trabalham no local. Desde dezembro de 2011, a prefeitura de Campo Grande custeia 60% dos gastos da instituição. O restante do dinheiro é resultado de doações de terceiros.
Reintegração

Mesmo nos casos em que o abuso não é cometido por alguém do convívio familiar, a transferência para o abrigo pode ser considerada necessária depois que é constatado que a criança convive em um ambiente desestruturado. Um exemplo é outra menina de 11 anos que está em processo de reintegração com a família de origem. Ela foi abusada sexualmente por um vizinho da família. A retirada da guarda dos pais aconteceu depois que o Conselho Tutelar recebeu denúncias de que a criança sofria maus-tratos e abandono.
A coordenadora do abrigo, Zuleica Marques, disse que o pai da menina é alcoólatra e usuário de drogas, mas aceitou o tratamento e acompanhamento técnico para poder reaver a guarda da filha. A criança recebe regularmente a visita da mãe. Essa iniciativa faz parte do processo de reintegração familiar, onde a família é avaliada por uma equipe de assistentes sociais que decidirá se a criança voltará para o convívio familiar de origem.
Segundo Zuleica, as meninas chegam ao lar sem referências de respeito e disciplina. “Aqui é uma casa de família mesmo, com valores, disciplina, deveres, conflitos entre as meninas e nós que cuidamos. Elas vão ao médico, dentista, psicólogo”.
A criança que sofreu algum tipo de violência, no primeiro momento, apresenta mais agressividade e resistência à disciplina da casa. Em abril deste ano, duas meninas de 14 anos fugiram enquanto estavam no colégio e não voltaram mais.
A garota magra e de cabelos lisos mostrava-se irritada quando chamavam atenção para alguma obrigação que tinha que cumprir. Apesar da resistência, ajudava nos afazeres e, como todas as outras, participava das brincadeiras do abrigo.
Na hora do almoço sentava-se à mesa e esperava pacientemente pelo início da oração de agradecimento, recitada pela menina de 7 anos, que abaixava o tom da voz a cada frase. Em uníssono, elas dizem: “Senhor Deus, nos Te agradecemos por mais este dia de hoje, Te agradecemos também por este alimento, que nunca deixe falei aqui nesta casa, lar de todos presentes, amém”.


G1

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