As oficinas gratuitas, dadas pelo menos uma vez por mês, começaram em 2006
Um chef de cozinha renomado pega os ingredientes e ensina a uma turma atenta como se executa uma receita simples, que pode ser feita de novo em casa. Esse momento de atenção exclusiva e de acesso aos segredos de cozinheiros famosos poderia ser o sonho de consumo de qualquer amante de gastronomia, mas essas aulas não são para alunos quaisquer. Elas fazem parte do projeto Chefs Especiais, que reúne crianças e jovens com síndrome de Down e lhes dá, na cozinha, a oportunidade de desenvolver a autoestima, a coordenação motora, de lidar com o conceito de quantidade e higiene e, de quebra, de aprender a fazer pratos para a família.
As oficinas gratuitas, dadas pelo menos uma vez por mês, começaram em 2006 por iniciativa do casal Márcio e Simone Berti. Ela, advogada e jornalista, com experiência em consultoria empresarial; ele, fabricante de panelas de ferro; ela e ele com o desejo de participar de algum projeto de impacto social pela gastronomia, uma paixão em comum. “Começamos a pesquisar e percebemos que havia muitos projetos voltados para os idosos, para a população de baixa renda, para as crianças. Mas vimos que não tinha, na época, nenhum que não fosse na área de saúde voltado para pessoas com síndrome de Down”, afirma Simone.
O casal, que não tem filhos com síndrome de Down, foi pesquisar sobre o assunto. “Percebemos que as crianças Down estão sobrevivendo aos pais”, diz Simone. Com essa preocupação em mente, eles procuraram montar as oficinas para que as crianças e os jovens conseguissem se tornar mais autônomos a partir de uma atividade cotidiana, que é cozinhar. “Independentemente da palavra bonita que se use, a gastronomia está dentro de casa. Isso os empolga. Mostra, de um jeito simples, que eles podem fazer mais do que disseram para eles que podiam.”
Aproveitando, então, os contatos de Márcio no mundo dos restaurantes, o casal começou a convidar chefs de cozinha conhecidos e que já demonstravam alguma preocupação social para ministrar as oficinas. Nesses seis anos, algumas dezenas de profissionais já aceitaram o convite e participaram, uma ou mais vezes, da experiência, entre eles Olivier Anquier, Alex Caputo e Rogério Shimura. Os encontros duram, em média, duas horas e atendem a pessoas de todas as classes sociais. “Atendemos tanto a famílias que moram de favor nos fundos da igreja, quanto àquelas que têm cavalo no Jockey. Na hora da aula, eles estão todos de uniforme, são todos iguais”, diz Simone.Patrocinadores e apoiadores garantem ingredientes e local adequado para que haja ao menos uma oficina por mês. A segunda e a terceira oficina do mês, que ocorrem com certa frequência, têm saído do bolso do casal. “Você veja o tamanho do meu problema. Para que a oficina seja benfeita, não posso colocar mais que 15 alunos. Eu tenho 200 cadastrados. Eu vou fazendo um rodízio, mas eles acabam demorando muito a voltar”, diz Simone que, para atender a essa demanda crescente, afastou-se no ano passado de parte de suas atividades profissionais para fundar o instituto.
Patrocinadores e apoiadores garantem ingredientes e local adequado para que haja ao menos uma oficina por mês. A segunda e a terceira oficina do mês, que ocorrem com certa frequência, têm saído do bolso do casal. “Você veja o tamanho do meu problema. Para que a oficina seja benfeita, não posso colocar mais que 15 alunos. Eu tenho 200 cadastrados. Eu vou fazendo um rodízio, mas eles acabam demorando muito a voltar”, diz Simone que, para atender a essa demanda crescente, afastou-se no ano passado de parte de suas atividades profissionais para fundar o instituto.
Ainda sem sede, a instituição luta para encontrar um patrocinador para viabilizar, além das oficinas, os outros serviços que pretende oferecer. “Queremos construir uma cozinha-escola. Ganhei fornos e fogões, que devem chegar hoje, mas vou estocá-los na casa do meu sogro enquanto não encontro um lugar”, diz. Segundo Simone, a sede precisa ficar em um local próximo ao metrô, preferencialmente na zona oeste, de onde vêm a maior parte das pessoas que atende e dos chefs que dão as oficinas.
De acordo com ela, além das oficinas, o instituto também vai trabalhar com cursos para a capacitação profissional dos alunos, ajudando na alocação deles no mercado de trabalho e em seu acompanhamento, para que eles se mantenham na vaga. Também há a intenção de trabalhar com famílias de baixo poder aquisitivo, oferecendo cursos em atividades que as ajudem a gerar renda em casa e aulas de gestão de pequenos negócios. “A maior parte das mães é sozinha. Elas precisaram parar de trabalhar para acompanhar o filho”, afirma Simone, que aponta para a possibilidade de mãe e filho trabalharem juntos em casa. “Por que não?”, pergunta.
Para Simone, mesmo que o instituto não tenha, de fato, começado a oferecer seus serviços, as oficinas já dão uma mostra do impacto que ações como essa podem ter na vida da pessoa com síndrome de Down. O principal benefício que as aulas trazem para as crianças e jovens, diz, é o aumento da autoestima. “Com a autoestima lá em cima, todo o resto fica mais fácil. Eles se interessam mais em estudar, aprendem a trabalhar em equipe, ficam mais participantes em casa”, afirma. A idealizadora do projeto enumera ainda outras vantagens que tem percebido ao longo desses anos. “O conceito de quantidade, que costuma ser muito difícil para eles, fica mais palpável quando eu falo que 1 kg de açúcar é muito para fazer aquele doce.”
O projeto também já coleciona histórias de superação. “Aqui cada vitória é conquistada. Você tem que ver a cara deles quando quebram um ovo pela primeira vez.” Mas as conquistas, com a ajuda dos Chefs Especiais, vão muito além da clara e da gema. Simone conta que uma das alunas das oficinas fazia também tratamento contra a leucemia. Antes de começar a participar do projeto, ela sempre estava com a aparência doente, desanimada.
Os remédios, diz, quase não faziam mais efeito. Para ajudar no tratamento, Simone a convidou para participar de todas as oficinas, excluindo-a do rodízio, e as aulas a deixaram mais segura, confiante e feliz. Um dia, ainda durante a quimioterapia, o médico chamou a mãe dela e perguntou: “O que essa menina tem feito de diferente ultimamente? Seja o que for, não a deixe parar de jeito nenhum”. Os remédios voltaram a fazer efeito e a menina se curou. “Hoje ela é a aluna mais mal criada que eu tenho”, conta Simone, emocionada.
Estadão
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