sábado, 1 de setembro de 2012

Elián, de balseiro a cadete cubano


O menino que naufragou rumo a Miami hoje estuda em colégio militar para defender a revolução

MADRI - A imagem deu a volta ao mundo: agentes armados apontam para um homem escondido num armário com um menino aterrorizado em seus braços. Era o amanhecer de 22 de abril de 2000. A foto, ganhadora do prêmio Pulitzer, mostrava o desenlace de uma história que começara seis meses antes, quando Elizabeth Brotons embarcou com seu filho, Elián, de 6 anos, em um precário bote de alumínio para fugir de Cuba rumo à Flórida. Um temporal pôs fim a seus sonhos. Antes de se afogar, colocou Elián na câmara de um pneu. Assim o encontraram pescadores americanos. Ele estava dias à deriva, protegido por golfinhos. Era 25 de novembro, Dia de Ação de Graças - e falaram em milagre.

Elián foi entregue ao tio-avô paterno, Lázaro González, que vivía em Miami. Em Cuba, Juan Miguel, sobrinho de Lázaro e pai de Elián, pediu a volta do filho, retirado do país sem a sua autorização. O que deveria ser resolvido em família se converteu numa batalha política entre Havana e Miami. Fidel Castro fez do menino o símbolo de sua luta contra o império - ainda que Bill Clinton tenha aprovado sua repatriação - e levou os cubanos a desfilarem em manifestações. Os exilados cubanos montaram guarda diante da casa dos González. O assunto se resolveu com uma sentença judicial e o resgate policial. Em 28 de junho de 2000, o menino aterrissou em Havana. E Fidel o exibiu como o orgulho de Cuba.

Hoje, com 18 anos, Elián é um jovem ativo, de aparência séria, decidido a dar a vida pela revolução. É cadete da Escola Militar Camilo Cienfuegos e membro destacado da União dos Jovens Comunistas.

Elián vive con o pai, Juan Miguel, a madrastra e os dois irmãos pequenos em sua cidade natal, Cárdenas, a 150 quilômetros de Havana. A vida familiar mudou. O pai hoje ocupa uma cadeira na Assembleia do Poder Popular, o Congresso cubano. A família se mudou para uma casa mais afastada, com portão e vigilância. Segundo o jornalista Iván García, “Elián vive numa bolha”, rodeado de agentes de segurança. Para falar com ele, é necessário uma permissão especial.

Quando Elián estava em Miami, Fidel acusou a família no exílio de fazer uma lavagem cerebral.

- Destruir a mente de um menino, mudando-a totalmente para fins de propaganda, é pior do que a morte - disse Fidel.

O comandante se empenhou para contra-atacar as sequelas nocivas que a passagem por Miami pode ter deixado. Até deixar o poder por motivos de saúde, em 2006, Fidel compareceu a alguns aniversários de “Eliansito” e apareceu com o menino e seu pai em desfiles e comemorações. Aos 11 anos, Elián pronunciou o discurso na Tribuna Anti-imperialista de Havana. Aos 14, recebeu das mãos de Fidel a carteirinha da Juventude Comunista. Aos 15, se incorporou à Batalha de Ideias, uma campanha de reafirmação revolucionária lançada por Fidel quando Elián estava em Miami. Ao completar 16, coincidindo com o 10º aniversário de seu retorno, ingressou na escola militar.

“Uma década depois de ter sido um brinquedo dos inimigos da revolução, o vemos vestido de verde-oliva, preparando-se como oficial das Forças Armadas Revolucionárias”, escreveu o jornal “Juventude Rebelde”. Houve missa de celebração em Havana, à qual assistiu Raúl Castro. Em dezembro passado, quando completou 18 anos, Elián desfilou para exigir o regresso de cinco espiões cubanos condenados nos EUA.

Elián assumiu exemplarmente seu papel, de acordo com as suas declarações. Por exemplo: “Estou orgulhoso de poder ajudar à revolução” ou “Nosso comandente Fidel Castro é o máximo para nossa História, só de vê-lo o povo recobra sua fé, esperanças e se sente feliz”.

A influência que Elián possa ter numa juventude saturada de ditadura é duvidosa. Mas o episódio de 12 anos atrás deixou marcas na vida cubana, como a Tribuna Anti-imperialista, construída diante da Seção de Interesses dos Estados Unidos, em Havana, para reclamar a volta do menino. A aprazível Cárdenas, berço do herói, também tem sua recordação. O Quartel dos Bombeiros abriga hoje o Museu da Batalha de Ideias, com uma estátua de Elián com o punho elevado.

Não é o único lugar a ele dedicado. Ficou congelada no tempo a casa 2.319 da Rua 2 em Little Havana, que abrigou o menino em Miami. O quarto está intacto, com brinquedos, bonecos dos Power Rangers, o quimono de caratê. Na entrada, o pneu que o ajudou a sobreviver. E no jardim a foto da mãe, diluída para sempre nessa história.

Delfín González, um tio-avô, toma conta do local. Esgotado, seu irmão Lázaro se mudou, em busca de paz. Donato Dalrymple, o pescador que resgatou o garoto do mar (e que é o homem imortalizado na foto com Elián nos braços, sob a mira de um fusil do agente de imigração) pendurou em sua sala uma foto do menino rodeado por golfinhos.

A família não pode contactar o jovem, mas parentes em Cárdenas a mantém informada. Uma vez, Elián se referiu aos familiares de Miami:

- Embora não nos tenham apoiado em tudo, não guardo rancor. A família se dividiu “por culpa de Fidel”, dizem em Miami. E estes afirmam ter certeza que, se pudessem agir com liberdade, Elián e seu pai teriam ficado com eles.

Como seria sua vida se tivesse permanecido nos EUA, lhe perguntaram uma vez numa entrevista autorizada:

- Como os interesses do império são monopolizar o mundo, desenvolver indústrias, obter capital, talvez poderia ter ganhado muito dinheiro. Talvez não. Me tomariam como uma figura política para me manipular - respondeu.

Sabe-se que Elián visita com frequência o aquário de golfinhos perto de sua cidade. Talvez os golfinhos sejam o vínculo mais íntimo com aquela aventura dramática e extraordinária que mudou sua vida. Uma vida que até agora todo mundo decidiu por ele.

O Globo

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