terça-feira, 3 de abril de 2012

Tasso da Silveira: lembrança difícil de apagar


Às vésperas de completar um ano, massacre em escola de Realengo vira tabu entre alunos e professores

RIO - Todas as manhãs, Nilson de Oliveira Rocha, de 43 anos, faz vigília das 7h às 11h30m no quarteirão da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na Zona Oeste, para garantir o bem-estar da filha Renata, de 14, uma das 24 crianças baleadas por Wellington de Menezes de Oliveira, em 7 de abril passado. Às vésperas de o massacre completar um ano, a aluna, atualmente no 9º ano do Ensino Fundamental, não mudou de escola porque todos os amigos dela continuaram no colégio, onde 12 estudantes morreram.

— Apenas uma menina, entre 30 alunos, passou para o turno da tarde — conta o pai, cuja história já havia sido marcada pela violência anteriormente. Há três anos, seu filho Adelson foi vítima de bala perdida dentro de casa. O esforço singelo de Nilson, que até perdeu o emprego para ajudar Renata a superar o trauma e prosseguir com os estudos, é recompensado toda vez que sua filha cruza o portão na hora da saída e dá um sorriso, o que se tornou mais raro depois do massacre.

Costumeiros pesadelos envolvendo armas fazem a garota relembrar o tiroteio promovido por Wellington. O assassino entrou em duas salas do 8º ano — a primeira foi a 1.803, em que a jovem estudava — armado com dois revólveres que eram recarregados com speedloaders. Renata foi atingida pelas costas. A bala atravessou seu corpo e, por pouco, não causou danos sérios à coluna cervical. Depois da recuperação, ela iniciou sessões semanais com um terapeuta , além da fisioterapia para tratar o pé direito, que sofreu luxação durante a corrida desesperada pela vida. A menina é levada para os tratamentos por carros da Prefeitura, que também paga R$ 700 mensais à família.

— Na volta às aulas, os professores falavam para a gente esquecer o que aconteceu. Mas todo mundo brinca menos, tem menos alegria no colégio agora — afirma a garota.

Na tentativa de ajudar os 1.162 alunos da Tasso da Silveira a superarem o trauma, a prefeitura reformou totalmente a escola. Um prédio novo foi construído ao lado do antigo, e agora ambos são rodeados por grades no lugar de muros. O que mais chama atenção é um painel com desenhos e mensagens de solidariedade e esperança deixadas por alunos, professores e inspetores. Apesar de parte dele estar em uma praça fora das dependências do colégio, permanece impecavelmente conservado e sem pichações.

— Não é um prédio novo que nos fará esquecer o que aconteceu. É como se fechassem os olhos para questões importantes, como a remuneração dos professores e o bullying, que continua acontecendo, e abrissem para coisas insignificantes. Não me orgulho de ver a escola reformada — alega Nilson, afirmando que a Guarda Municipal só está presente nos arredores por pressão dos pais.

Passado um ano da tragédia, a comunidade escolar parece preferir o silêncio para lidar com o passado. Além de repórteres do GLOBO não terem sido autorizados pela Secretaria municipal de Educação a entrar na Tasso da Silveira, sob a alegação de que o diretor Luiz Marduk estava de férias, o episódio também é tabu entre os professores, que evitaram conversar com a equipe de reportagem.

Aulas especiais para superar o trauma de alunos

Coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares (Niap) — órgão da prefeitura que montou uma equipe especial para prestar atendimento psicológico ao colégio de Realengo —, Mércia Oliveira afirma que, desde o ano passado, professores recebem orientação especial de como conduzir o assunto do massacre dentro e fora de sala:

— Não incentivamos ninguém a provocar o tema. A proposta é retomar as aulas, a rotina normal. É para isso que todos vão à escola. Se algum aluno quiser dar um relato particular em sala, a melhor maneira é parar para ouvir. Se o professor não souber como proceder, deve procurar a nossa ajuda. Professores e alunos precisam saber que não estão sozinhos — enfatiza Mércia, completando: — Responder a esse tipo de lembrança não é fácil.

Três psicólogos, dois assistentes sociais e dois professores investem em projetos lúdicos para tentar apagar as marcas deixadas pelo massacre, que afeta de forma diferente cada estudante e parente de vítima. Síndrome do pânico, baixo desempenho escolar, insônia e depressão são alguns dos efeitos relatados.

Esta reportagem foi publicada no vespertino para tablet "O Globo a Mais"

O Globo

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