domingo, 12 de agosto de 2012

Jovens alvo de contrabando relatam angústia para encontrar familiares biológicos

Repórter do Diário Catarinense viajou a Israel em busca da história de brasileiros arrancados de suas famílias

Brasileiro nascido em 1986 e levado para Israel por traficantes de bebês procura por sua família biológica, que pode estar em Pelotas. O caso do jovem Ron é o mesmo de dezenas de crianças levadas dos três Estados do Sul, nos anos 80.

O drama foi retratado em série de reportagens do Diário Catarinense, jornal do Grupo RBS sediado em Florianópolis. A repórter Mônica Foltran viajou a Israel e contou a história de jovens brasileiros que foram alvo do contrabando.

Até uma década atrás, o jovem morador de Israel Ron Yehezkel acreditava saber quem era. Hoje, espera descobrir isso no Rio Grande do Sul. Ele busca, a mais de 11 mil quilômetros de sua casa, respostas para indagações que lhe afligem desde quando descobriu ser adotado.

Ele é um dos milhares de bebês brasileiros que abasteceram um esquema de tráfico de recém-nascidos em meados dos anos 80 — e que hoje, adultos, sofrem com o desconhecimento sobre o próprio passado e tentativas frustradas de localizar e reencontrar os pais biológicos.

O drama desses órfãos, que eram buscados principalmente nos Estados do Sul devido à oferta de crianças com pele clara ao gosto dos europeus, foi revelado por uma série de reportagens publicada desde o domingo passado até este sábado no jornal Diário Catarinense, do Grupo RBS.

A apuração jornalística realizada pela repórter Mônica Foltran e pelos fotógrafos Guto Kuerten e Julio Cavalheiro localizou um grupo de emigrados em Israel, principal destino do mercado humano criado por quadrilhas especializadas que se estima terem remetido cerca de 10 mil brasileiros para a Europa entre 1985 e 1988.

Um dos bebês exportados é o estudante de Direito Ron Yehezkel, nascido Ron Lemos em 1º de setembro de 1986 na cidade gaúcha de Pelotas, segundo o que indicam seu passaporte, a certidão de nascimento e os papéis de adoção. Mas até completar 15 anos, idade em que os israelenses recebem um documento nacional de identificação, Yehezkel nem sequer sabia que havia nascido no Brasil.


A crescente desconfiança de que era adotado foi confirmada quando encontrou no quarto dos pais os papéis do registro em cartório oficializando sua entrega por parte da mãe biológica para a família europeia.

— Eu criei coragem para confrontar meus pais sobre esse assunto, e eles admitiram que eu sou adotado. Mas, até hoje, não querem cooperar, contar mais coisas — diz Yehezkel, em entrevista concedida por e-mail desde sua casa em Haifa, Israel.

Seu maior interesse, no momento, é encontrar sua família de sangue. Uma pista surgiu em março, quando uma moradora de Pelotas, Ceci Gomes da Silva, 68 anos, viu uma foto de Yehezkel em um jornal local e o achou parecido com um filho seu, também adotado.

Imaginou que a mesma mulher de quem adotou seu bebê poderia ser a mãe biológica do rapaz de Israel. Por e-mail, Ceci e familiares mantêm contato com o estudante. Foram enviadas para ele fotos de um suposto irmão, Giovane Gomes da Silva, 30 anos, que trabalha como segurança na Capital.

— Vejo algo nos olhos dele que se parece com os meus. Gostaria de fazer um teste de DNA e, caso positivo, estaria disposto a viajar ao Brasil para conhecê-los — conta o futuro advogado.

Probabilidade de ser a mãe biológica é pequena

A realização de um exame de DNA ainda não foi acertada. Em sua casa, em Pelotas, Maria Amélia de Jesus, a suposta mãe biológica, conta que realmente entregou um bebê para adoção em 1986.

— Eu não tinha condição de criar — conta Mária Amélia.

Maria Amélia virou evangélica e sofreu um derrame há pouco mais de uma década. Diz não fazer questão de conhecer o possível filho por não saber como ele reagiria.

Os dados presentes nos documentos disponíveis, porém, sugerem que a possibilidade de Yehekzel ter encontrado a mãe biológica é pequena: o nome materno que consta nos papéis é Maria Lemos, e a data de adoção do jovem aparece como 16 de setembro, enquanto Maria Amélia sustenta que deu à luz em novembro de 1986.

Procurada pela reportagem, a direção da Santa Casa de Pelotas não forneceu informações sobre a possibilidade de Yehekzel ter nascido no local. Todas as pesquisas feitas pelo Serviço de Arquivo Médico são realizadas somente via ação judicial, que deve ser movida pelo próprio paciente.

A despeito das incertezas, Yehezkel diz ter orgulho de ser brasileiro, está casado há cerca de um ano e pretende, em breve, ter um filho.

Jovem foi rejeitado duas vezes



Doron, que significa presente em hebraico, nasceu em 22 de setembro de 1985, foi encaminhado para adoção e recebido como uma legítima dádiva pela família adotiva israelense. Obcecado em reencontrar sua mãe biológica, porém, tem de enfrentar pela segunda vez o fantasma do abandono.

O catarinense Doron Flamm iniciou a procura pelos pais biológicos há dois anos, e conseguiu identificar a mãe, hoje viúva e com outros filhos. Mas ela afirma que ainda não está preparada para reencontrar o filho que entregou a uma das quadrilhas de traficantes de bebês.

Moradora de Joinville, com família constituída, a mulher não demonstra satisfação por ter sido identificada como a mãe de um menino que deu à luz em Blumenau, 26 anos atrás. A mãe de Doron diz ter optado "deixar a vida como o destino a traçou" por medo da reação de sua família atual.

Ela não revelou o passado aos filhos, nem à família do marido falecido, e não admite ser identificada. Sem saber das razões para a dupla rejeição, Doron segue alimentando a possibilidade do contato.

— Quero dizer obrigado, porque ela me deu a vida e hoje sou feliz aqui — resume Doron, emocionado.

Crianças eram vendidas por quadrilhas especializadas



Em 1986, crianças resgatadas em chácara de Camboriú chocaram o país

Quadrilhas formadas por advogados, juízes, promotores, donos de cartórios, despachantes, enfermeiras e médicos, com a conivência de policiais, pagavam um salário mínimo para grávidas, em situação vulnerável, entregarem os filhos para adoção compulsória. Algumas venderam os fetos ainda no ventre — e muitas vezes por menos de um salário. Outras mães nunca viram um tostão.

Em Camboriú, um dos principais focos de atuação das quadrilhas no país, as gangues chegaram a usar uma chácara para montar o que a Polícia Federal classificou como "chocadeira", uma improvisada maternidade e berçário, local onde ficavam os nenês retirados das mães. Em apenas uma operação, a PF resgatou 20 bebês, devolvidos aos pais.

No Exterior, principalmente em Israel, os bebês valiam de US$ 10 mil a até US$ 40 mil. O comércio clandestino enriqueceu os "capos" do tráfico, que, beneficiados pela legislação da época, cumpriram penas irrisórias na cadeia. O escândalo colocou pelo menos 40 pessoas na cadeia.

Pressionado pela opinião pública, o Congresso Nacional endureceu as leis de adoção ainda no final dos anos 1980, estabelecendo normas para dificultar o trânsito de bebês de uma família para outra, a fim de sufocar o tráfico.

O que nunca cicatrizou, porém, foram as feridas abertas nas mães que entregaram os filhos por necessidade ou ingenuidade e os estragos na personalidade dos bebês. Vinte e cinco anos depois, algumas dessas crianças foram localizadas em Israel, país para onde foi levada a maioria daqueles bebês pobres. Hoje, a maioria deles enfrenta profundas crises de identidade, e quer conhecer suas famílias biológicas.

Mãe pede perdão à filha entregue para adoção

Um processo com mais de mil páginas, arquivado no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, revelou como agia uma das principais quadrilhas de venda de bebês da época. Em meio aos papéis, uma fita cassete ainda guarda os apelos feitos por uma mãe a um integrante do bando:

— Tá! E se eu quiser a minha filha de volta? — pergunta Marilene Espíndola a um participante do esquema.

— Você acha que, como advogado, depois de cinco anos de faculdade, não vou cobrar pra fazer um processo de adoção? Claro que eu cobro.

Marilene hoje vive em Itajaí e conta que, nos anos 80, foi aliciada por uma mulher loira que se ofereceu para pagar as consultas ao obstetra. Desempregada, sem perspectiva de trabalho, sozinha, longe do pai da criança, moradora de uma pensão, era alvo fácil para os traficantes de bebês.

Quando sua filha nasceu, a mãe não teve nem sequer o direito de oferecer o peito à criança — a proibição de qualquer contato entre mãe e bebê fazia parte do acerto comercial.

— Saímos do hospital, passamos numa farmácia para comprar remédios pós-parto, a loira me deixou na pensão onde eu morava e me entregou um dinheiro equivalente a um salário mínimo. Nunca mais a vi, nem à minha filha — conta Marilene.

Marilene lamenta os "erros do passado"

A menina foi localizada pela reportagem, 25 anos depois, vivendo em Israel com o nome de Maya Hirsch. Depois de ficar sabendo do paradeiro de sua filha, Marilene aceitou gravar uma mensagem em vídeo que foi apresentada à jovem. Como não compreende uma só palavra de português, teve de ser auxiliada por uma amiga, de nome Or-Luz Galon, para compreender a mãe brasileira.

No depoimento, Marilene pede perdão à filha pelos "erros do passado". Diz que nunca teve a intenção de abandoná-la e confessa que sempre procurou pela filha perdida "em cada rosto de criança que avistava caminhando pelas ruas".

As lágrimas caíram imediatamente no rosto de Maya. Não apenas a filha, mas a tradutora também chorava, por um motivo especial: Luz também foi raptada do Brasil na mesma época. Depois de se emocionar com o vídeo da mãe, Maya resumiu a sensação:

— Me sinto, agora, uma mulher mais completa.

A jovem e a mãe iniciaram uma troca de mensagens pela internet. A garota, agora, se programa para vir ao Brasil abraçar a mãe, a quem já fez um pedido:

— Quero conhecer o meu pai.

Histórias que se cruzam em Jerusalém


Reunidos pelo DC em Jerusalém, apesar da angústia comum, os filhos do tráfico sorriam na escadaria de uma escola onde se ensina a Bíblia. Poucos deles se conheciam, mas estavam eufóricos e não paravam de falar, como se fossem velhos amigos.

Em meio a mesquitas reluzindo amarelo dourado, eles exibiam em comum o mesmo sonho: o de completar, e talvez consertar, a história deixada no Brasil, um país onde nunca estiveram mas pelo qual se apaixonaram.

Reunido com auxílio das redes sociais, o grupo de jovens vendidos já alcança quase uma centena em Israel, o principal importador de bebês nos anos 80. Entusiasmados com a reunião marcada para as proximidades do Muro das Lamentações, em minutos conseguiam elaborar planos de viajar ao Brasil. Todos pareciam repetir a mesma história, compondo um mosaico de trajetórias e incertezas semelhantes.

Um jovem chamado Lior, o mais obstinado em localizar a mãe e o pai, aprendeu sozinho a falar português assistindo às novelas brasileiras. Foi um apelo dele, em português truncado postado num fórum da internet, que tocou o grupo de mulheres voluntárias de Santa Catarina e do Paraná, que se esforça, sem o apoio governamental, a unir laços rompidos pelo tráfico de bebês no Brasil.

ZERO HORA

Um comentário:

  1. E a essa safada que rejeitou o filho 2 vezes, aguarde o seu dia.

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