Enquanto as debutantes do Morro da Providência ganham uma noite de gala promovida pela Unidade de Polícia Pacificadora, famílias de outras comunidades dão seu jeito para realizar o sonho de suas jovens com orçamentos enxutos, mas nem por isso sem glamour.
Mônica Andrade, de 39 anos, trabalha há cinco anos promovendo festas nas comunidades do Complexo da Maré, na Zona Norte.
Ela conta que, lá, as festas de debutantes costumam ser em lajes, na rua ou em pequenos salões alugados, e o padrão costuma ser "bem simples, simples ou médio". O jeito é usar a imaginação e o bom humor para compensar quando há falta de recursos, diz.
Assim, um tapete quadriculado pode dar um ar de discoteca à laje; uma televisão pode substituir o telão para exibir as clássicas imagens da infância; e os garçons fazem um pouco de graça para substituir o "príncipe".
"Já que não podemos chamar um Caíque Brito ou um Reynaldo Gianecchini, meus garçons são todos gatinhos, para chamar a atenção das meninas", diverte-se ela, que recruta o filho, o genro, o marido e amigos para servir. "Quando não temos dinheiro, temos que fazer outras coisas para fazer brilhar os olhos das meninas. E os pais ficam felizes por realizar o sonho delas."
As famílias que a procuram costumam ganhar entre um e dois salários mínimos por mês. Costumam economizar bastante para fazer as festas, que custam a partir de R$ 1 mil (com "uma mesinha decorada, um bolo, um pouco de docinho, salgadinho e refrigerante" para entre 80 e 100 pessoas) e podem chegar a R$ 4 mil.
"É uma data muito importante, a menina está se preparando para a vida adulta. Às vezes vale a pena você deixar de trocar a carne de primeira pela de segunda por uns meses para realizar o sonho delas. Mas a primeira pergunta que faço para eles é quanto têm disponível para gastar. Deixo bem claro que não precisa ir além daquilo que podem", diz.
Festa especial
Na medida do possível, porém, Mônica procura convencer os pais a deixar a festa o mais "especial" possível. "Não basta ter só o parabéns, tem que ter um algo a mais", diz ela. Assim, quando os pais de Priscila Alves da Silva foram encomendar um bolo para comemorar seus 15 anos com um churrasco na rua, ela tratou de argumentar.
"O pai queria fazer um churrasco enorme mas estava esquecendo o glamour da história. Consegui convencê-los a mudar para um jantar e investir na beleza da festa. Deixou de ser de rua para ser num salão próximo da casa deles, pelo mesmo dinheiro. Ela ficou encantada", diz.
"Foi bem melhor, porque ficou uma coisa mais organizada, mais especial", lembra Priscila, ainda com 15 anos. "Acabamos fazendo uma festa à fantasia. Comecei de Alice no País das Maravilhas e depois troquei para A Bela e a Fera", diz, referindo-se aos figurinos das protagonistas das histórias.
Mudar de roupa para a hora dos parabéns ainda é uma tradição na maioria das festas na Maré, conta Monica.
A jovem Zenyth Silva de Souza, que vai fazer sua festa em janeiro, já escolheu os dois modelos que vai vestir numa revista, e vai mandar fazer com uma costureira.
"O branco é longo, para a meia-noite. Vai ser um pouco rodado mas não tanto, para não ficar muito exagerado. E o outro vai ser cheio de paetezinho, rosa bem clarinho, até o joelho", conta. "Estou muito ansiosa para chegar no dia. Minha mãe está tendo que economizar bastante para fazer. Espero que seja ótimo, que todo mundo possa se alegrar."
'Tia Gostosona'
Mônica afirma que já fez festa até festa debaixo de escada, em casas apertadas, e que não é o tamanho que importa. "O importante é que as minhas meninas se sintam felizes, lindas e realizadas."
Ela chama as debutantes de "minhas meninas" e, em troca, ganhou na comunidade o apelido de "Tia Gostosona". "Trabalho com festa, com bolo, com coisa gostosa e sou simpática. Aí ganhei esse apelido", ri. "Tem que fazer as coisas com amor e carinho, se não a coisa não dá certo. Se só pensar em ganhar dinheiro, dentro de favela não funciona."
Professor da Universidade Federal Fluminense e coordenador-geral do Observatório de Favelas, Jailson de Souza e Silva diz que a vida nas favelas é marcada pelo desejo de celebrar, e que com festas de 15 anos não é diferente.
"As festas são muito valorizadas, seja com mais ou menos grana", diz, chamando atenção para uma característica forte na favela: a cultura da abundância. "Oferecer as melhores coisas possíveis para os convidados é uma coisa central na favela. As pessoas costumam brincar que em festa de classe média se passa fome, não tem comida", diz.
Para Souza e Silva, o fato de um baile de debutantes estar sendo promovido para jovens do Morro da Providência pode dar a falsa impressão de que aquelas meninas "carentes" (as aspas são dele) não teriam outra opção.
"A celebração de festas de 15 anos costuma ser algo muito valorizado. Esse esforço está lá presente, não é algo que a polícia esteja inventando", ressalta.
O professor chama atenção para o risco de tais festas serem vistas como algo supérfluo pela classe média. "Um problema tradicional é achar que o pobre não pode viver a dimensão do simbólico. Existe uma extrema pressão para que setores populares só vivam a dimensão do trabalho, do que é útil, produtivo. É um olhar preconceituoso. Alguns tipos de investimento no plano simbólico são fundamentais", diz.
BBC Brasil
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