domingo, 14 de agosto de 2011

Elas bebem sim, mas tiram de letra a Lei Seca


RIO - São muitas as histórias que rondam as batidas da Lei Seca. Como aquela do sujeito que se saiu com essa diante do resultado negativo no teste do bafômetro: "Não pode ser! Eu juro que pedi ao garçom cerveja sem álcool...!" Ou a outra, do cidadão que, depois de sair de um terreiro de umbanda, disse que só bebeu "uns goles porque o santo pediu". Ou ainda aquela do jovem que atribuiu o resultado ao chocolate com licor que ele havia provado. Mas histórias como essas, que viram piada pelos bares da cidade, são contadas, na maioria das vezes, por homens. E há bons motivos para isto: as mulheres, apesar de estarem bebendo mais, ainda são minoria nos flagrantes das operações policiais.

Quando se trata de álcool e sexo, as pesquisas têm resultados surpreendentes. Os médicos garantem que o organismo feminino é mais sensível aos efeitos do álcool. Elas metabolizam a bebida mais lentamente e ficam mais embriagadas do que eles, com doses iguais. E, mesmo assim, as mulheres se mostram responsáveis e evitam dirigir depois de beber.

Com vida social agitada, as brasileiras estão aumentando as doses: segundo o Ministério da Saúde, entre 2006 e 2010, a quantidade de mulheres que admitiu ter já exagerado na bebida passou de 8,2% para 10,6%. A pesquisa considerou "excesso" quatro ou mais doses de bebida para elas e a partir de cinco doses para eles. No que se refere ao trânsito, porém, só 0,2% das brasileiras confessaram ter dirigido após beber demais, contra 3% dos homens. A comparação surpreendeu até os pesquisadores do Ministério da Saúde.

Fígado feminino demora mais a metabolizar o álcool
Um exemplo que explica como as mulheres lidam com os efeitos do álcool está na história das amigas Daiane Baddini, Júlia da Matta e Lívia Lemos. Os encontros das três costumam ser acompanhados de chope. Mas só para duas delas, porque a motorista da rodada fica no refrigerante. Na última quinta-feira, num bar em Botafogo, foi a vez de Daiane:

- Não dirijo quando bebo. Fico preocupada com a noção de distância e com minha capacidade de reação. Mas não me incomodo de não beber quando vou pegar o carro. Eu me divirto mesmo assim - diz ela, que nunca foi parada pela Lei Seca.

O cuidado tomado pelas amigas tem explicação médica. A bebida afeta o sexo feminino mais rapidamente do que o masculino. O consumo de uma dose por um homem de 70kg produz uma concentração de 0,2 gramas de álcool por litro de sangue (g/l), em média. Numa mulher de 60kg, a mesma dose resulta em 0,3 g/l.

Não que todas sejam fracas para beber. É que, normalmente, a mulher tem menos água no corpo (o etanol se dilui em água) e o fígado feminino demora mais a metabolizar o álcool.

- Além de ficarem embriagadas mais facilmente, elas sofrem mais de doenças relacionadas ao abuso de bebidas - diz Camila Silveira, do Instituto de Psiquiatria da USP e do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).

O médico José Montal, vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego explica que, além de menos água, as mulheres têm percentual de gordura maior que os homens. Como as moléculas de água são essenciais para eliminar a bebida do organismo, elas ficam mais tempo com o álcool na corrente sanguínea.

- Tenho medo de dirigir depois de beber e acontecer algum acidente. À noite, já estou com sono e é mesmo complicado - diz Júlia, que mesmo sem conhecer a química do álcool no corpo feminino, toma as suas precauções.

Uma vez, voltando de um bar, ela e uma amiga foram paradas numa blitz. Como aquele tinha sido seu dia de motorista, o exame do bafômetro deu zero, é claro.

Nas batidas de fim de semana da Lei Seca entre junho e agosto de 2010, em Botafogo, Copacabana e Barra, 20% das pessoas paradas eram mulheres. Para nenhuma delas o bafômetro deu diferente de zero, segundo estudo feito por uma equipe do Departamento de Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFRJ. Os homens se mostraram cautelosos, mas em menor medida: o aparelho acusou teor alcoólico acima do permitido para 2,7% deles. A cautela ocorre, sobretudo, quando elas saem com eles.

- A gente percebe que algumas delas estão no volante porque eles beberam além do permitido - conta o coordenador da Operação Lei Seca, major Marco Andrade.

Álcool consumido por adolescentes preocupa
É preciso reconhecer, porém, que há casos alarmantes de mulheres no volante, como o da nutricionista Gabriela Pereira, que no início do mês atropelou e matou um jovem em São Paulo. Ela alegou ter bebido apenas um drinque à base de tequila e que disse que só assumiu a direção porque o namorado havia bebido mais do que ela. Mas Gabriela é a triste exceção que confirma uma regra, altamente favorável para as mulheres.

Entre os mais de cinco milhões de motoristas no Rio, alguns parecem atrair o teste do bafômetro. Em dois anos e meio de operação, a especialista em Saúde Pública, Erica Cavalcanti Rangel, já foi parada três vezes. Em todas, seu teor alcoólico era zero. Há um ano, ela estava saindo de uma festa em Ipanema, com um vestido preto e um laçarote vermelho amarrado no braço. Foi a única vez em que tentou argumentar com o agente, mas isto não ocorreu por causa do álcool:

- Fiquei constrangida de ficar na fila do teste com aquela roupa. Uma amiga até passou, brincou comigo e acabou ficando lá do meu lado.

A maioria das brasileiras que bebe é adulta, mas a preocupação recai sobre as adolescentes. Uma pesquisa feita em 2007 pela Secretaria Nacional Antidrogas, em parceria com a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp, mostrou que a diferença da quantidade de álcool consumida entre homens e mulheres de 14 a 17 anos é menor que nas outras idades. Vinte por cento das meninas disseram beber pelo menos uma vez por mês.

- As mulheres que bebem costumam ser mais cuidadosas ao dirigir. Mas se o índice continuar aumentando, você terá uma quantidade maior de mulheres dirigindo alcoolizadas - avalia Ronaldo Laranjeira, professor da Unifesp.

Mesmo em dose pequena, álcool altera comportamento
Jovens com até 0,2 g/l tem 1,5 vezes mais de chances de sofrer acidentes graves. E, a partir de 0,2 g/l, o risco aumenta para 2,5 vezes, em todas as idades. Com 0,5 g/l, as chances são seis vezes maiores em comparação ao motorista sóbrio. A maioria dos desastres de trânsito envolvendo álcool e direção ocorre entre adultos de 21 a 45 anos, e chega a 57% na faixa de 21 a 29 anos, segundo o Cisa.

Leonardo Gama Filho, chefe do serviço mental do Hospital Municipal Lourenço Jorge, diz que o álcool faz as pessoas perder a noção do que é perigoso e também de suas limitações:

- É uma sensação de onipotência chamada de pensamento mágico: a pessoa tem uma ideia infantil em relação às situações e acha que tudo vai dar certo.

Não é difícil ser pego no teste do bafômetro. Uma dose padrão de bebida alcoólica (350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 50ml de destilada) contém cerca de 10g de álcool puro. E o permitido no Brasil é até 0,2g/l. E o medo de ser flagrado faz com que motoristas tentem burlar a lei pagando R$ 100 a taxistas que se oferecem para dirigir e passar pela blitz com o carro. A multa por guiar sob efeito de álcool é de R$ 957, além da perda de sete pontos na carteira e um processo que pode suspender a habilitação por um ano. Sem contar a eventual apreensão do carro.

Esta semana, o treinador Wanderley Luxemburgo perdeu a carteira e o apresentador Bruno De Luca, do programa "Vai Pra Onde?", do Multishow, escondeu-se num condomínio para escapar de uma blitz, depois de se recusar a soprar o bafômetro. Levou duas multas, uma pela recusa ao teste e outra por evasão. E ainda dizem que, com mulher no volante, o perigo é constante...

O Globo

Um comentário:

  1. Se acham todas muito espertas dando o 'jeitinho brasileiro', até acontecer o pior.

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