domingo, 7 de agosto de 2011

Cientista mostra que a dança melhora a capacidade cognitiva de portadores do Mal de Parkinson


LONDRES - Os frequentadores do Festival de Edimburgo, uma congregação anual de atores, comediantes e uma gama de outros artistas, estão acostumados com o inusitado. Pouca gente que compareceu ao programa deste ano, porém, estava preparada para Peter Lovatt: além de ter diante de si um cientista que não apenas defende o papel terapêutico da dança, a plateia viu um acadêmico que não se furta a sacudir os próprios ossos.

NO PASSINHO:Vídeo mostra a teoria e a prática da teoria de Lovatt

Ex-dançarino profissional com doutorado em Psicologia pela Universidade de Cambridge, Lovatt se vê numa missão de defesa e promoção de seus estudos. Até porque, alguns resultados têm sido surpreendentes mesmo para os colegas que torcem o nariz para os métodos pouco ortodoxos desse inglês de 46 anos. Ao mesmo tempo que o Laboratório de Psicologia da Dança que ele coordena na Universidade de Hertfordshire gera publicidade em talk shows e programas de variedades, também gera resultados em estudos sobre passos e firulas na capacidade cognitiva de portadores do Mal de Parkinson. Lovatt e sua equipe constataram que dançar combate os efeitos mentais degenerativos da doença.

- Já existem outros estudos mostrando que a dança ajuda nas questões de mobilidade e equilíbrio dos portadores de Parkinson, mas o que pudemos ver nos nossos estudos é que há também influência cognitiva, sobretudo no processo de pensamento divergente, em que é preciso encontrar mais de uma solução apropriada para um problema. Basicamente a dança é melhor do que o exercício tradicional para essas pessoas - explica o cientista.

Os resultados de um trabalho de três meses com grupos de pacientes revelam ainda dados curiosos sobre os efeitos cognitivos: enquanto formas de improvisação de dança influenciaram o pensamento divergente, formas estruturadas, em especial o tango, desenvolveram efeitos no pensamento convergente (o que busca uma única solução para determinado problema). Nesse caso mais específico, Lovatt detectou acelerações em apenas 15 minutos de dança.

- Foi um resultado que também vimos nos experimentos com gente saudável. Imagine se as escolas pudessem incentivar mais movimentação dos alunos em vez de deixá-los sentados o dia inteiro. Ainda não sabemos como, mas está claro que a dança tem influência nos processos neurais. No caso do Parkinson, por exemplo, os cérebros de quem tem a doença podem estar desenvolvendo caminhos alternativos, driblando as partes afetadas - especula o cientista.

O exercício de imaginação tem também um aspecto pessoal: disléxico, Lovatt tinha sérias dificuldades e passou por anos de estudo sem conseguir obter as qualificações obrigatórias para tentar um curso universitário - não que ele fizesse muita questão na época, diga-se de passagem. Seus esforços eram destinados à dança e ele trabalhou anos como profissional participando de produções teatrais e mesmo de turnês em cruzeiros.

- Não tinha o menor interesse no meio acadêmico, achava fora da realidade. Só aprendi a ler de verdade quando comecei a usar o ritmo da dança para me ajudar com palavras mais complicadas. Foi quando comecei a ver que estava fazendo basicamente o que todo mundo faz quando gesticula em busca das palavras: algum tipo de movimento - explica Lovatt.

E se os benefícios de exercícios físicos já foram mais que divulgados pelo meio acadêmico, o cientista-dançarino acredita que é necessário expandir o corpo de estudos sobre a dança. Especialmente porque nem tudo são flores no que diz respeito a seus efeitos.

- No laboratório, por exemplo, estamos trabalhando com análises de casos de bailarinas clássicas adolescentes, cuja baixa-estima costuma ser menor que a de meninas da mesma idade que não dançam. Estamos testando tanto a hipótese de que o meio do balé afeta os sentimentos das bailarinas quanto a de que meninas de baixa auto-estima procuram a dança clássica justamente porque a dificuldade técnica reforça sua autopiedade.

Lovatt defende, sobretudo, um maior reconhecimento da dança como parte da base social do ser humano. Por mais que homens e mulheres do século XXI já não precisem tanto de seus passos como parte dos esforços de acasalamento - ou mesmo na esfera psicológica - os estudos em Hertfordshire vêm mostrando que esta relação é mais complexa do que se imaginava.

- É por isso que apareço em programas de TV ou organizo shows como o de Edimburgo. A dança é uma parte importante na história humana e as evidências de que tem influência muito maior do que imaginávamos são motivos de sobra para que todos prestem um pouco mais de atenção - finaliza Lovatt.

O Globo

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