quarta-feira, 30 de novembro de 2011

“Meu ex-marido era um pedófilo”

O mundo da americana Darlene Ellison (foto) caiu sete anos atrás, quando seu marido, Philip Todd Calvin, 43 anos, foi preso pelo FBI por participar de uma organização pedófila, a North American Man-Boy Love Association (Associação Americana de Amor entre Homem e Menino). Darlene era casada há mais de uma década e tinha filhos – mas nem suspeitava das atividades ilegais do companheiro.

Em vez de se calar e esconder-se do mundo, Darlene decidiu alertar outras mulheres sobre o risco de viver com o inimigo. Escreveu um livro sobre sua história e decidiu lutar contra o abuso infantil e a pedofilia.

Neste fim de semana, Darlene escreveu um artigo para o site Daily Beast sobre o caso de Jerry Sandusky, técnico assistente de futebol americano da Universidade de Pensilvânia preso este mês acusado de abusar de meninos por 15 anos.

Darlene fala que, como ela, Dorothy Sandusky, mulher do acusado, poderia não ter ideia das atitudes do marido – por mais inviável que isso pareça para quem observa de fora. O depoimento de Darlene é especialmente importante porque mostra que a pedofilia pode estar mais próxima do que imaginamos e do que gostaríamos de acreditar. Sua fala é um alerta que vale para todos.

Traduzo aqui alguns dos principais trechos:

“Eu era uma mulher de 39 anos bem educada, envolvida com caridade, mãe que, até recentemente, estava vivendo uma vida bacana em Dallas, casada com um dentista conhecido que viveu uma mentira durante toda a nossa relação.

Ele tinha sido ministro da juventude na igreja local, um voluntário vibrante na escola primária de nossos filhos, o preferido das crianças nas excursões. Meu ex-marido, Todd, revelou-se um criminoso que causou um prejuízo tremendo, físico e emocional, para meninos prestes a se tornar adolescentes. Ele estava na cúpula da NAMBLA – um dos membros da diretoria – procurado pela polícia federal. Durante nosso casamento, que acabou num confuso divórcio logo antes da chegada do FBI, acreditei quando ele me dizia que estava viajando para convenções de dentitas – quando, na verdade, estava em conferências de pedófilos. Ele manteve uma caixa postal secreta no correio local, onde recebia suas correspondências sobre pedofilia e outros materiais suspeitos. Nunca encontramos nenhuma prova de atividades ilegais na internet – o disco rígido dele havia sido apagado –, exceto pelo recibo de um filme pornô com garotos. Geralmente, como depois aprendi, esses predadores são mestres da fraude, criam uma fachada de “família ideal” para proteger sua imagem, ou talvez convencer-se a si próprios de que não são depravados, isso tudo enquanto agem em prol de seu desejo doentio de ter relações sexuais com crianças.

Sei por mim mesma que alguém pode ser casada com um homem por anos, dividir a cama com ele, e ainda assim não saber que ele gasta seus dias como um predador.

Quando as acusações na Universidade da Pensilvânia surgiram, muitas pessoas perguntaram publicamente: Dorothy sabia? Como ela podia não saber? Tenho certeza de que as pessoas pensaram o mesmo sobre mim, por que eu mesma pensei. Embora eu não me atreva a presumir o que a família de Sandusky sabia, é inteiramente plausível para mim que ele estivesse levando uma “vida secreta” bem embaixo de seus narizes; que ele sofreu para esconder seu comportamento abusivo dos mais próximos. As famílias de predadores sexuais são, geralmente, danos colaterais de seus crimes.

(…)

Encolho-me de medo ao lembrar os dias que se seguiram à minha confusão inicial depois de tomar conhecimento dos crimes recentes de meu ex-marido. Demorou um tempo para eu sair do amortecimento inicial do choque. Enquanto me esquivava dos telefones e da mídia, passei horas deitada, curvada sobre meu próprio corpo, querendo morrer. Não saí de casa por meses a não ser para ir ao escritório do meu advogado. Por meses, não consegui encarar ou falar com pessoas que não fossem da minha família ou meus melhores amigos. A vergonha e a humilhação eram pesadas demais.

Apenas depois que meu ex-marido foi preso comecei a entender os problemas conjugais que vínhamos tendo. Ao londo do tempo, começamos a nos afastar um do outro, e eu me sentia aliviada quando ele viajava; viagens que eu soube depois estarem ligadas à pedofilia. Embora os crimes deles tenham explicado, por fim, por que eu sentia o nosso casamento como um fracasso, também abalaram minha já frágil autoestima. Como mulher, senti-me rejeitada ao saber que, durante nossos mais de 10 anos de casamento, meu ex-marido tenha preferido ter contato físico com garotos. Como mãe, fiquei furiosa que ele tenha dito que amava nossos filhos, e tenha cometido crimes que revelam qualquer coisa menos amor.

(…)

O que o futuro reserva para a família Sandusky, as vítimas colaterais? As vítimas primárias, os meninos que teriam sido abusados por esse homem, vão, possivelmente, começar a se curar e trabalhar para viver o resto de suas vidas com algo próximo de paz e felicidade, e suas famílias vão seguir um processo semelhante. As outras vítimas, a sua própria família, vai lutar com a raiva resultante das mentiras e da traição. Embora meu ex-marido tenha perdido seus direitos parentais, meus filhos tiveram que lidar com as consequências emocionais das ações dele a cada momento. O trauma nunca termina; eles são forçados a revisitar o que aconteceu a cada fase de suas jovens vidas.

Quanto à família Sandusky, suspeito que eles terão meses muito dolorosos pela frente, enquanto lidam com o tornado de acusações legais, o escrutínio público e, pior de tudo, se ele for julgado culpado, a dúvida: Como não vimos isso? Independentemente de suas ações, quando as luzes se apagam à noite, Dorothy está sozinha com seus pensamentos e deve pensar: O que ele fez com aqueles jovens inocentes? e Será que ele tocou em nossos filhos e netos? Só podemos esperar que, quando a poeira baixar e aqueles que sabiam dos abusos e não denunciaram sejam punidos, e que esse sirva de alerta contra os predadores sexuais de crianças. Só podemos esperar que a luz no fim desse túnel tão escuro nos encontre mais habilitados para prevenir o abuso contra crianças.”

Época

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