terça-feira, 2 de novembro de 2010

Preservar mananciais é mais barato que solucionar problemas da degradação


A preservação do que resta das florestas brasileiras é decisiva para o fornecimento de água potável às médias e grandes cidades e para a geração de energia elétrica em todo o país. Os maiores municípios brasileiros são dependentes de mananciais protegidos por unidades de conservação. Além disso, essas áreas protegidas garantem 79% da água utilizada como fonte da energia gerada pelas usinas hidrelétricas, conforme um estudo divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) na 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10), que vai até sexta-feira em Nagoya, no Japão.
A garantia de água para o consumo e como matéria-prima da geração de energia — as usinas hidrelétricas geram metade da energia consumida no país — dá a dimensão do valor econômico da biodiversidade brasileira. O Correio mostrou ontem que a preservação dos biomas é lucrativa (os ganhos vão bem além dos dividendos do agronegócio e do desmatamento). Pesquisas recentes — como o próprio estudo do MMA apresentado na COP-10 — tentam detalhar quanto vale a biodiversidade, em uma forma de legitimar economicamente a preservação e forçar os governos a desenvolverem políticas públicas de conservação.
A manutenção das áreas protegidas, fundamentais para garantir o abastecimento de água no país, depende de um investimento de quase R$ 1,7 bilhão, como concluiu o levantamento do MMA. Em 2008, os recursos previstos no Orçamento da União às unidades de conservação federais somaram R$ 316 milhões, cinco vezes menos do que o montante necessário para assegurar a preservação.
O Parque Nacional de Brasília, principal reserva de Cerrado do Distrito Federal, é exemplo de como a preservação de um patrimônio natural garante o fornecimento de água potável. Segundo um estudo da WWF, organização não governamental que analisou a importância de reservas naturais para o abastecimento das grandes cidades, 40% da água fornecida no DF sofre influência direta do parque. A reserva é tão importante para o abastecimento que as queimadas no período mais seco no DF, no mês passado, ameaçaram o parque e, consequentemente, o fornecimento de água a Brasília e às cidades vizinhas.
A água que chega às torneiras do DF é proveniente principalmente das barragens de Santa Maria e do Torto, ao lado do Parque Nacional, e da área de proteção ambiental (APA) do Rio Descoberto. Como a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) capta água numa área de conservação, para distribuir à população, é necessário que a estatal pague uma contribuição financeira para compensar eventuais danos.
É o que prevê a lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). O valor dessa contribuição — e, logo, o valor econômico da reserva para o fornecimento de água — pode ser medido pela disposição da população em pagar pela preservação do parque, para que não falte água em casa. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) fez esse cálculo. Os resultados serviram de base para a cobrança da contribuição financeira paga pela Caesb.
Conforme a pesquisa, os moradores entrevistados concordaram em pagar para não enfrentar um desabastecimento decorrente de problemas ambientais. Ao todo, 407 mil habitantes dependem da água da barragem próxima ao parque. A soma das contribuições chegaria a R$ 162 mil por mês, dinheiro equivalente à contribuição financeira que a Caesb é obrigada a pagar por extrair água de uma unidade de conservação.
“O Lago Santa Maria se encontra em processo de degradação, devido principalmente às fundações clandestinas de casas e barracos”, concluem os pesquisadores do Ipea no levantamento. Quanto maior o nível de consumo da população, maior a disposição dos moradores em pagar pela conservação da água.
“No Distrito Federal, a unidade de conservação não ajuda apenas no abastecimento de água, mas também na regulação microclimática, em que se atenuam eventos extremos de seca e de inundação”, como explica o coordenador do programa Água Viva, da WWF, Samuel Barreto. Um estudo da ONG com as 105 maiores cidades no mundo, entre elas as capitais Brasília, Fortaleza (CE), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), constatou a estreita dependência entre áreas protegidas e abastecimento de água potável.

Redução
Economicamente, os custos com a preservação dessas unidades de conservação são menores do que os custos com o tratamento da água ou com a busca de novas fontes de abastecimento, diante da degradação de um manancial. “Em Nova York, já se paga para manter preservadas as florestas. Fica seis vezes mais barato do que tratar a água fornecida à população”, compara Samuel Barreto. “Áreas que deveriam estar protegidas estão sendo ocupadas. Estamos perdendo serviços que a natureza oferece de graça.”
O pagamento por serviços ambientais passou a ser defendido como uma das principais formas de se garantir o aproveitamento de serviços ofertados pela natureza. O proprietário de uma área de florestas recebe um pagamento equivalente à renda que seria obtida do desmatamento e da exploração da agropecuária no local. O mecanismo é chamado de Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação de Florestas (Redd) e ganhou força na discussão sobre as mudanças climáticas, desde o ano passado.
A preservação evitaria novas emissões de CO2, garantiria uma remuneração aos produtores rurais e levaria a um aproveitamento mais eficiente de áreas já desmatadas. Faltam, porém, recursos para a consolidação do Redd, o que vem levando o governo brasileiro a buscar fundos internacionais.

Vinicius Sassine


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