quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Algumas das 3 mil crianças que perderam pais nos ataques relembram a data


RIO - Mais de 3 mil crianças menores de 18 anos perderam o pai ou a mãe no dia 11 de setembro de 2001. A média de idade das "Crianças 11/09" é de 9 anos, mas algumas eram apenas bebês e outras não haviam nem nascido.

Algumas eram filhas de bombeiros e de funcionários dos escritórios do World Trade Centers que morreram quando dois aviões sequestrados por terroristas da al-Qaeda atacaram suas torres; outras são filhas de alguém que estava trabalhando no Pentágono, que foi atingido por uma terceira aeronave; outras eram filhas de um passageiro dentro de um dos três aviões envolvidos nos ataques ou no quarto, que caiu em um descampado na Pensilvânia.

A dor de perder um pai ou uma mãe na pior atrocidade terrorista do mundo foi enorme. O próximo fim de semana vai marcar os 10 anos desse trauma.

Para as crianças de luto, é uma chance de refletir sobre o que aconteceu na década, assim como lembrar novamente daqueles que não viveram para vê-las crescer. Muitas de suas histórias serão contadas em um documentário no Channel 4, da BBC, em "Children of 9/11" (Crianças do 11/09, em tradução livre).

Madison, Halley e Anna Clare Burnett
Agora com 15 anos de idade, as gêmeas Madison e Halley Burnett tinham 5, e sua irmã, Anna Clare, apenas 3, quando seu pai, Tom tornou-se uma das 44 pessoas que morreram abordo do Voo 93 da United Airlines. Pesquisador na área médica, ele ligou para sua esposa, Deena, de dentro do avião sequestrado, e é creditado como um dos passageiros que estragaram os planos dos terroristas de atingir a Casa Branca ou o Capitólio - em vez disso, ele caiu em um descampado em Shanksville, na Pensilvânia.

Madison

Nós éramos muito pequenas, mas nunca nos esqueceremos daquela manhã. Estávamos todas na sala de estar, e a mamãe recebeu um telefonema. Eu me lembro que ela estava chorando histericamente, mas não dizia para a gente o que estava acontecendo. O que nós não sabíamos é que era meu pai, ligando para dizer que ele estava abordo de um dos aviões sequestrados.

Ela ligou a televisão e nós pudemos ver esses prédios caindo. Foi tudo muito louco. Nós não sabíamos o que estava acontecendo. Eu só me lembro do som do choro da minha mãe, e encarar o horror das imagens na televisão.

Eu acho que a minha mãe deve ter ligado para alguém para nos levar à escola... E, depois, a maior parte do resto do dia é um branco, por mais que o que eu me lembre - bem depois - seja olhar pela janela quando já estava escuro, e ver que os outros vizinhos haviam formado uma corrente humana ao redor da nossa casa, para impedir que os câmeras de TV e os jornalistas chegassem perto. Foi quando a minha mãe disse para a gente que o papai tinha morrido, e que ele nunca mais voltaria.

Perder um pai no 11 de Setembro foi um pouco diferente de perder um pai, digamos, por um câncer, ou em um acidente de carro. Para começar, todo mundo sabia. Então, onde quer que nós fôssemos, as pessoas nos paravam para dizer que elas sentiam muito. Você não podia sair sem isso acontecer. Era um pouco assustador que todos parecessem saber tudo sobre nós.

Uma coisa que me consumiu por muito tempo foi que eu sempre rezava pelo meu pai quando ele estava viajando, mas, naquela noite, na noite antes de ele morrer, eu esqueci. Eu fiquei com isso dentro de mim por anos, mas eu me sentia muito culpada por isso. Em algum lugar ali dentro, eu pensava que era tudo minha culpa. Agora, no entanto, eu falei com a minha mãe sobre isso. E é claro que ela me assegurou que era impossível que fosse minha culpa. Mas, em algum lugar, bem lá dentro, uma parte de mim ainda acha, que, de repente, foi.

É muito difícil pensar em qualquer coisa positiva que venha de perder um pai assim, mas eu realmente tento pensar no que eu aprendi. Eu acho que é muito importante falar, explorar como você se sente. Eu não sei o que eu vou fazer quando for mais velha, mas acho que talvez faça algo relacionado ao que aconteceu comigo quando perdi meu pai. Parece que tudo na minha vida foi afetado pelo 11 de Setembro, então eu acho que é bem possível que o que eu escolher para fazer, como profissão, seja afetado por isso também.

Eu tenho muitas memórias boas do meu pai: ele era muito amoroso, e nos amava muito. Quando ele vinha para casa do trabalho, nós todas nos escondíamos atrás do sofá e depois pulávamos e dizíamos: "Surpresa!". Ele sempre fingia que estava surpreso. E, é claro, eu tenho orgulho dele também, e do que ele fez dentro daquele avião.

Halley

Eu tenho muito orgulho do meu pai e do que ele fez no 11 de Setembro, eu acho que nós todas temos. Ele era muito engraçado, e nasceu para ser um líder. Ele era sempre a pessoa no controle. Ele era muito bom em tomar decisões, e as pessoas as respeitavam e confiavam nele. Então eu consigo perceber por que ele fez o que ele fez a bordo daquele avião.

Se ele voltasse agora, eu acho que ele estaria orgulhoso de nós também, de como nós todos estamos agora. Eu acho que ele ficaria satisfeito com as nossas realizações, com as coisas pelas quais trabalhamos duro na escola. Eu contaria para ele as minhas notas e sobre o basquete. Ele ficaria feliz com isso, porque ele era um cara esportivo. Eu sempre vou sentir falta dele.

Anna Clare

Mesmo sendo muito pequena, eu me lembro daquela manhã; eu me lembro da minha mãe correndo lá para cima para ver se o voo do papai estava na televisão, porque eles estavam dizendo os números dos voos afetados. E depois o telefone tocou e era o meu pai, e eu perguntei se eu podia falar com ele.

Depois, mais tarde naquele dia, minha mãe nos disse que ele tinha morrido: ela disse que um homem mau tinha sequestrado o avião. Eu não acreditei que ele estava morto. Por mais ou menos um ano, eu pensei que ele voltaria. Eu estava sempre perguntando para a minha mãe, "Quando o papai vai voltar para casa?".

Agora, minha mãe tem um novo marido - ela casou novamente há quatro anos. Foi difícil, um homem novo entrando na nossa família. E ele tem um filho de 21 anos, então as coisas mudaram muito para a gente.

Para dizer a verdade, eu não queria um homem novo na nossa família. Primeiro, eu até tentei fazer minha mãe desistir de casar com ele. Mas, agora tudo está bem. E nós ficamos felizes que a minha mãe tenha alguém.

Rodney Ratchford
Rodney, de 21 anos, tinha 11 quando sua mãe, Marsha, morreu no Pentágono.

Eu acordei com dor de estômago no dia 11 de setembro de 2001, e era muito forte. Então, eu perguntei à minha mãe se eu podia ficar em casa, e se ela poderia tirar um dia folga do trabalho para cuidar de mim. Ela disse não. Eu tinha que ir para a escola, e ela tinha que ir ao trabalho. E nós fomos. Mas, quando ela saiu pela porta naquela manhã, foi a última vez que a vi.

Algumas horas depois, eu estava na escola quando uma professora entrou na sala de aula e disse à nossa professora para ligar a televisão. Nós ligamos e vimos o World Trade Center ser atingido. Um pouco depois, teve uma explosão imensa e toda a escola tremeu. Eu me lembro de me encolher embaixo da minha carteira e dizer: "Mamãe! Eu quero minha mãe".

O que eu não poderia saber é que a minha mãe estava no centro daquilo que conseguia escutar. Porque um avião sequestrado acabara de atingir o Pentágono, onde ela trabalhava como uma técnica de TI.

A primeira coisa que eu vi quando cheguei em casa foi meu pai. Ele estava no telefone chorando. A televisão mostrava imagens do Pentágono em chamas. Mas por muito tempo nós não desistimos de acreditar que a minha mãe viria para casa.

Algumas pessoas ainda pensavam que ele poderia achá-la semanas depois, porque nós sabíamos que havia sobreviventes inconscientes no hospital, e nós rezávamos para que ela fosse um deles. Havia tanto caos, e nós sabíamos que era possível. Mas, gradualmente, foi ficando menos e menos provável.

Minha irmã Marsha, que tinha 8 anos, e a minha irmã menor, Miranda, que tinha apenas 9 meses, e eu fomos todos ficar na casa de uma tia no Alabama. Finalmente, nós fizemos um funeral para a minha mãe, e foi muito difícil. Ela era maravilhosa, a pessoa mais doce, mas muito rígida também. Nós sempre dizíamos que você nunca ia querer ficar contra a minha mãe em uma guerra, porque ela sempre estaria no lado vencedor, sempre.

Depois que a minha mãe morreu, eu fiquei com muita raiva. Eu queria machucar as pessoas por causa do que estava acontecendo comigo. Parecia muito injusto que eu acordasse todos os dias sem uma mãe para quem dizer bom dia. Por estar tão cheio de raiva, eu não ligava para mais ninguém.

Eu entrei em uma gangue: eu consumia drogas, as vendia também. Eu estava mal. Se a minha mãe estivesse lá, quem sabe o que poderia ter acontecido? Mas a minha mãe não estava lá, e estava tudo bagunçado dentro de mim.

As coisas estão muito melhores agora, porque eu tenho uma parceira e ela tem uma filha, e nós somos uma família. Minha vida seguiu em frente. Mas o que aconteceu com a minha mãe está sempre comigo.

Eles nunca acharam o corpo dela, mas ela tem um túmulo. É uma coisa simbólica, um lugar onde eu posso ir para pensar sobre ela e para falar com ela. Eu espero que, se ela está olhando por mim, esteja orgulhosa de mim. Eu me envolvi em algumas coisas ruins, mas eu não sou uma pessoa ruim; eu consegui transformar as coisas, e eu sei que ela está satisfeita com isso.

Caitlin Langone
Caitlin, de 22 anos, tinha 12 quando seu pai, Tommy, um bombeiro, morreu nas Torres Gêmeas. Seu tio, Peter, que era irmão de seu pai e também era bombeiro, morreu no mesmo local.

Eu estava quase me tornando a pessoa que sou quando eu perdi meu pai, e meu pai era uma grande parte no processo de modelar quem eu era. Eu não lembro exatamente a última vez que eu o vi. Tinha sido o aniversário do meu irmão, Brian, então, nós fizemos uma festa no fim de semana anterior, e essa talvez tenha sido a última vez.

No dia em que aconteceu, eu estava na escola. Na hora do almoço, tinha uma menina chorando histericamente porque o seu pai trabalhava no World Trade Center. Eu fui tentar ajudá-la, e disse "Vai ficar tudo bem. Não se preocupe. Meu pai é bombeiro, e ele vai tirar o seu pai de lá". Nenhum de nossos pais saiu vivo.

Brian e eu fomos da escola para casa juntos e, é claro, a televisão estava ligada e parecia bastante fascinante, na verdade, porque nós sabíamos que nosso pai era um bombeiro de Nova York e que ele estaria em algum lugar, ajudando as pessoas, como ele sempre fez em situações de emergência.

Ele já tinha estado em muitos lugares perigosos antes e ele sempre voltava para casa. Ele às vezes desaparecia por uma dia ou dois, porque nem sempre era fácil ficar em contato no meio de uma grande emergência, mas nós sabíamos disso e não estávamos pensando que a situação dele estava muito ruim.

Mas o dia passou e anoiteceu, e ainda não tínhamos notícias dele. Eu podia notar que a minha mãe estava ficando preocupada. Nós sentamos todos juntos para assistir ao discurso do George W. Bush na televisão, e o tempo todo nós estávamos pensando sobre, falando sobre o fato de nosso pai estar lá dentro, ajudando as pessoas a saírem de lá.

À noite, ainda não havia nenhum sinal de vida, então, quando eu fui para a cama, eu fiz o que eu sempre fazia quando meu pai estava em uma missão muito perigosa: eu vesti uma de suas camisas. Fez com que eu me sentisse mais perto dele. Eu tinha certeza de que ele estava vivo, e isso era uma coisa reconfortante. Eu pensei que era só porque os celulares não estavam funcionando, ou porque ele estava muito ocupado que ele não tinha ligado.

Nos dias seguintes, Brian e eu continuamos indo para a escola e parecia normal, então eu ainda tinha certeza de que tudo ficaria bem. Foi apenas quando passou uma semana depois do ataque que eu comecei a ficar insegura. Mas, de certa forma, eu estava insensível àquilo. Era simplesmente uma coisa muito grande para contemplar, que ele talvez nunca mais voltasse.

Nem o corpo do meu pai, nem o do meu tio Peter foram encontrados, mas, no fim, fizemos um funeral para eles. Nós não sabemos exatamente o que aconteceu; mas eu sei que um homem se lembrava de ter falado com um bombeiro alto de cabelos grisalhos, que o ajudou a sair de uma das torres e depois voltou para ajudar outras pessoas. Eu tenho certeza de que era meu pai: ele teria continuado ajudando as pessoas, tanto tempo quanto precisasse.

De certa forma, é a maior consolação que eu tenho, que, pelos menos, ele morreu fazendo o trabalho que ele amava. E eu acho que ajuda o fato de que ele estava lá como um bombeiro, se dedicando ao que estava fazendo e que estava preparado para morrer para salvar os outros.

Isso faz de sua morte talvez mais fácil de aceitar do que para as pessoas cujos parentes trabalhavam nos escritórios, pessoas que nunca esperavam estar em perigo. Meu pai conhecia o perigo do trabalho dele; mas ele acreditava nele, ele o amava. Sempre houve essa possibilidade na vida dele, porque era parte e uma parcela do que ele fazia.

Eu tenho um orgulho incrível dele: ele morreu sendo a melhor pessoa que ele poderia ser, e isso é bem especial. E eu sei que ele gostaria que eu me empenhasse em ser a melhor pessoa que eu posso ser também.

Há uma longa tradição do serviço público na minha família - eles não ganhavam muito, na verdade, meu pai precisava ter dois trabalhos, como policial e bombeiro, para ganhar dinheiro o bastante. É claro, o 11 de Setembro mudou isso, porque tivemos compensações.

Então, de repente, eu era uma garota que podia comprar um carro novo quando passasse no teste, e podia ir para a universidade, viver longe da família. O que me deixou chateada foram os meus amigos que, eu sabia, estavam com inveja dessas coisas. Quer dizer, eles realmente acham que eu prefiro ter o dinheiro do que o meu pai de volta?

Recentemente, eu decidi que queria uma homenagem permanente para o meu pai, então decidi fazer uma tatuagem. Foi doloroso, mas eu ficava pensando que a dor era apenas temporária. A dor de perder o papai nunca vai embora, e nunca irá.

No 11 de Setembro, eu estarei com a minha mãe e meu irmão na cerimônia no Battery Park, perto do Marco Zero. Depois, vou passear no novo museu 11/09 - as famílias são as primeiras pessoas a poderem vê-lo. Vamos passar um tempo silenciosamente no lugar das torres, pensando no meu pai, porque esse é o túmulo dele, na verdade. Nós todos vamos contar histórias sobre o papai, e vamos nos lembrar dele... E vamos pensar "Eu tinha tanta sorte de conhecê-lo, eu tinha tanta sorte de ele ser o meu pai".

Thea Trinidad
Thea, de 20 anos, tinha 10 quando seu pai, Michael, um analista de telecomunicações no World Trade Center, foi morto nos ataques.

Era um dia de escola, mas eu tinha ficado em casa por causa de uma consulta médica. Eu lembro do telefone tocando e a minha mãe dizendo em pânico "Michael!" para o telefone. Eu sabia que alguma coisa estava errada, mas pensei que era o meu tio, cujo nome também é Michael. Meus pais eram divorciados. Mas depois ela disse não, não é seu pai.

Eu não tinha ideia do que estava acontecendo, mas a minha mãe correu lá para cima e ligou a televisão, e ela estava olhando as imagens do World Trade Center queimando. Como ela já tinha trabalhado lá também, estava tentando dar ideias a ele de como sair. Ela estava dizendo "você tentou não sei que escada e essa outra", esse tipo de coisa. Mas o negócio era que ele estava no 103º andar, bem acima de onde o avião tinha batido. Nós não sabíamos então, mas todas as suas rotas de saída estavam cortadas.

Depois de cerca de 10 minutos, meu pai saiu do telefone para tentar encontrar uma saída, e minha mãe e eu continuamos assistindo a televisão. E então, um tempo depois, nós vimos as torres ruírem. Eu me lembro de chorar e gritar, mas a minha mãe dizia para mim que o meu pai era o tipo de pessoa que sempre achava uma forma de sair, e que ele teria conseguido sair antes do colapso. Mas eu acho que, lá dentro, nós sabíamos que isso não era muito provável.

No dia seguinte, a minha mãe foi a Manhattan para colocar cartazes dizendo que meu pai estava desaparecido, e nós tínhamos um pouco de esperança de que o encontraríamos dessa forma. Mas nós nunca o encontramos.

Mais ou menos um ano depois, nós recebemos uma ligação dizendo que eles haviam achado os restos mortais dele. Nós esperávamos isso, mas, é claro, foi de partir o coração também. Nós já sabíamos que ele nunca voltaria, mas esse era o final com certeza, e foi difícil de aguentar. Mas, pelo menos, nós conseguimos enterrá-lo. Existe um ponto final no enterro.

O que eu achei difícil foi viver, durante anos, com o pensamento de que a morte do meu pai foi planejada - que era assassinato, e que os assassinos traçaram tudo por muito tempo, e que ele ligavam muito pouco para as vidas das pessoas que eles tirariam, ou para suas famílias.

Eu não odeio as pessoas por que elas são de determinada religião ou de uma certa parte do mundo, mas eu odeio as pessoas que estavam envolvidas - especialmente o Osama bin Laden. A morte dele neste ano foi certamente merecida. Mas, por outro lado, não trouxe o meu pai ou de ninguém de volta.

Meu pai sempre quis que eu me tornasse uma lutadora profissional, já que compartilhávamos o amor pela luta. Ele sabia que eu queria me tornar uma lutadora profissional, e realizar essa ambição se tornou muito mais importante depois que ele foi embora, porque era para ele, assim como para mim.

Então agora, 10 anos depois, é isso que eu faço: eu luto internacionalmente. É uma coisa incomum de se fazer, especialmente para uma mulher de 20 anos, mas eu sempre imagino que ele está lá na primeira fila. Ele ficaria tão orgulhoso de me ver lá em cima.

O Globo

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