quinta-feira, 30 de abril de 2009

Deformações no Ensino



Editorial Zero Hora (Porto Alegre)

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mesmo indicando poucas surpresas, confirma algumas questões inquietantes relacionadas à educação pública e privada no país. O teste evidencia que nem as escolas particulares, que cobram preços às vezes excessivos, nem as públicas, mantidas com os impostos dos contribuintes, garantem ensino de qualidade. Ainda assim, a pior situação é a das públicas: das mil escolas com piores notas no último exame, 965 são mantidas por recursos dos contribuintes. O setor privado, ainda que pudesse ter ido melhor, domina a lista do Enem, com 905 entre os mil estabelecimentos com notas mais altas. O exame de avaliação de quase 20 mil escolas, que o Ministério da Educação (MEC) quer transformar num substituto do vestibular, confirma, assim, que o sistema de ingresso pode mudar de forma e de nome, mas as desigualdades ainda se mantêm e a simples mudança nos critérios de seleção para o Ensino Superior não resolve o problema da baixa qualidade do Ensino Médio em geral.
Mesmo com as compreensíveis limitações que o Enem tem, trata-se de uma avaliação cada vez mais valorizada e indispensável. O fato de ser voluntário tira do exame muito de seu caráter científico e de sua confiabilidade. As escolas, interessadas na exposição benéfica que uma boa colocação proporciona, podem selecionar os melhores alunos e dar a eles a condição de representar a escola no Enem, o que evidentemente contamina a amostra e adultera o ranking. As eventuais deformações do Enem não lhe tiram, no entanto, a validade como um retrato impiedoso da qualidade de nosso ensino, em especial do público. E é esse retrato que precisa ser mudado. Na relação dos melhores desempenhos das escolas convencionais do país, excluídas as chamadas profissionalizantes, as ligadas às universidades, as militares e as que fazem seleção para ingresso, a primeira escola da rede pública aparece na posição 1.935. É a Escola Estadual Frederico Benvegnu, de São Domingos do Sul (RS), cujos dirigentes atribuem a boa colocação ao engajamento das famílias dos alunos no processo educacional.
A pesquisa impõe reflexões para os planejadores da educação no país. A primeira é sobre a urgência de enfrentar a questão da qualidade do ensino, seja nas escolas privadas, seja nas públicas, promovendo condições materiais adequadas e estruturando um corpo docente competente e motivado. Uma segunda indica que os investimentos públicos nessa área estratégica não têm o retorno que a sociedade tem o direito de esperar. E há ainda uma terceira: assim como o atual vestibular, também o Enem aponta chances maiores para quem pode custear ensino privado ou tem acesso a instituições federais ou às escolas militares, que, mesmo públicas, disputam espaço entre as melhores. Aproximar esses dois universos, corrigindo distorções com base nas revelações do Enem, é um dos desafios que o país tem pela frente.

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