quinta-feira, 30 de abril de 2009

Ana Maria Machado dá depoimento no Museu da Imagem e do Som

LINGUAGEM BRASILEIRA. Este ano, Ana Maria Machado comemora 40 anos da publicação da primeira história que escreveu para crianças. Em 1969, ela ainda não imaginava que viria a se tornar uma das principais escritoras de livros para crianças do país, com sucessos como “Bisa Bia, Bisa Bel” e prêmios internacionais como o Hans Christian Andersen. Autora também de importantes ficções para adultos (“Tropical sol da liberdade”, “Canteiros de Saturno”, “A audácia desta mulher”), Ana Maria fez sua primeira história a convite da Revista “Recreio”, na época recém-criada pela Editora Abril.
— A “Recreio” me convidou para escrever depois de procurar, em universidades, professores que tinham aulas requisitadas. Eu tinha criado um curso, na Letras, sobre critérios de seleção de textos para adolescentes, muito procurado. Naqueles anos, estávamos no auge da crítica estruturalista, e eu queria fazer algo diferente, em vez de apenas falar a meus pares acadêmicos, por isso criei o curso. E a “Recreio” procurava professores, justamente, que nunca tivessem escrito para crianças — contou Ana Maria (em foto no MIS, de Leonardo Aversa) na quarta-feira à tarde em depoimento para a posteridade, de três horas e 20 minutos, no Museu da Imagem e do Som (MIS).
A escritora foi entrevistada pelo jornalista e publicitário Armando Strozenberg, pelos jornalistas Alfredo Ribeiro (Tutty Vasquez) e Sérgio Augusto e por Elizabeth Serra, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) — quatro pessoas ligadas à sua trajetória.
A colaboração com a “Recreio” se estendeu por anos e foi uma das principais fontes de renda quando viveu no exílio com o primeiro marido, o médico Álvaro Machado, inicialmente em Paris e depois em Londres, onde trabalhou no serviço brasileiro da BBC. Muito mais tarde, Ana Maria descobriu que a tiragem da revista, em média de 50 mil exemplares, subia para 250 mil quando eram publicados textos seus ou de Ruth Rocha, outra colaboradora.

— Sempre digo que não fui eu quem decidi virar autora de livros para crianças, foram os leitores — afirmou.

Era filha do jornalista Mário de Souza Martins e cresceu num ambiente politizado.
— Fui presa pela primeira vez aos 4 anos de idade, me lembro até hoje. Eu estava em viagem com meu pai para Rio das Ostras, quando ele foi detido por sua oposição ao governo de Getúlio Vargas. Passei várias horas na delegacia, até que um tio veio me resgatar — contou Ana Maria, que voltou a ser presa aos 20 e poucos anos, na ditadura militar.
Com menos de 30 anos, já tinha um currículo de impressionar e que chamou a atenção de Roland Barthes, quando ela estava no exílio em Paris, em 1970. Barthes se tornou orientador de sua tese de doutorado sobre Guimarães Rosa, trabalho que foi publicado como livro em 1976 — “Recado do nome”. Era um período de liberalização nas universidades francesas, pós-68, mas ainda havia muitas formalidades.
— Quando meu segundo filho nasceu, o Pedro, em 1971, Barthes foi nos visitar e disse que era a primeira vez que visitava um aluno. Em 1976, Ana Maria também publicou seu primeiro livro para crianças, “Bento-que-bento-é-o-frade”. Nessa época, depois de cerca de três anos no exterior, havia se tornado chefe da Rádio Jornal do Brasil, posto que ocupou por sete anos, até 1980. E foi lá, em meados dos anos 70, conjugando toda a sua experiência, que descobriu o sentido de se lançar na aventura literária e, especialmente, o sentido de escrever para crianças:
— Venho de uma geração em que a exigência do falar correto era muito forte. Fomos educados assim, com um desprezo pela linguagem mais colorida, informal. Mas eu estava interessada na busca de uma linguagem brasileira, que não fosse engravatada, empobrecida. E a literatura infantil, naquele período, fez isso de certo modo. Minha experiência como professora e jornalista em rádio também contribuiu para isso. Eu buscava na literatura um registro perto do coloquial. A literatura infantil me propiciou um terreno muito bom para isso. Era uma experiência de linguagem.
Atualmente, dedica boa parte do seu tempo às tertúlias e trabalhos na Academia Brasileira de Letras — à qual foi instigada a se candidatar por Evandro Lins e Silva, a quem sucedeu, em 2003. Também viaja muito pelo país para encontrar professores do ensino público, onde sofrem com baixos salários e formação insuficiente.
— É uma tristeza ver a situação do ensino. Acho muito positivo que o Brasil esteja discutindo problemas da educação. O Enem, por exemplo, é muito mais inteligente e lógico que o vestibular. O Brasil precisa acordar para o problema da educação. E mesmo sem ter gosto pela política, como disse, nunca conseguiu largar a militância:

— Hoje em dia faço militância junto aos professores. Não consigo ficar quieta. Tenho, sim, muito gosto pela liberdade e sanha pela justiça que não é mole — declarou, com sua simplicidade audaciosa.

Enviado por Rachel Bertol


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