RIO - Há um mês, os 517 amigos de um designer carioca, de 36 anos, acharam que ele estava brincando quando trocou o status de "casado" por "solteiro" em seu perfil no Facebook. Por sete anos, o músico e a mulher formaram uma espécie de casal 20 da galera. Após cair a ficha, enfim, os amigos começaram a postar comentários do tipo "não curti", "também não curti", "como assim?" na página dele.
Para a ex-mulher, ele justificou o ato - sacramentado na rede social três dias após a separação - dizendo que preferiu dar a notícia a todos logo de uma vez a ter que ficar se explicando a cada amigo que encontrasse no Baixo Gávea. Seria menos doloroso, alegou ele. Ela, por sua vez, ainda tenta assimilar a dimensão que o rompimento tomou, com sessões extras de terapia particulares e em grupo.
Para alguns, ele teve uma atitude egoísta. Para outros, não. Comunicar o fim de um namoro ou casamento na internet é uma decisão unilateral? Qual é a medida para anunciar ao mundo, literalmente, o término de uma relação, sem desrespeitar o luto alheio? Estas e outras questões, nascidas no mundo virtual mas com implicações bem reais, têm alimentado reflexões e discussões, seja em mesas de bar, em consultórios de psicanálise ou em teses acadêmicas. O fato é que as redes sociais, em diferentes graus, estão causando uma série de transformações nos relacionamentos amorosos. Após saias justas, crises de ciúme e muito bafafá, aos poucos está surgindo um conjunto de novas regras de etiqueta entre os 38,4 milhões de brasileiros que usam Facebook, Orkut e Twitter, segundo números da pesquisa realizada pelo Ibope Nielsen Online no mês passado.
- Os códigos estão sendo criados, entre erros e acertos, pois ninguém sabe ainda aonde isso tudo vai dar - diz o psicanalista Miguel Calmon, que não tem conta em nenhum site de relacionamento, mas costuma participar de debates sobre o tema no jantar com os filhos ou em seu consultório. - O mais importante é ser cauteloso e não fazer uma crítica radical e reacionária das relações intermediadas pelo Facebook, caracterizando-as como de segunda ou quinta categoria, já que as pessoas tendem a achar que amor verdadeiro era o vivido no passado. Essa revolução comportamental está transformando a forma de pensar o amor.
Para muita gente, principalmente as pessoas que ainda não entraram nessa onda, o amor nos tempos das redes sociais é mais impessoal. O psicanalista Joel Birman pondera: o momento é mesmo de repensar os preconceitos.
- Para usar uma metáfora grega, diria que o Facebook é a Acrópole contemporânea - compara. - É um espaço social legítimo, real. A rede social abriu um espaço onde as pessoas podem restaurar laços de amizade e sentimentais numa época em que a dinâmica da metrópole moderna é uma correria só. E isso tudo precisa ser visto com leveza, de preferência sem moralismo.
A professora Fernanda Paixão, de 29 anos, demorou seis meses até conseguir excluir o ex-namorado de sua lista de amigos no Facebook. Por questão de dias, não deu de cara com as fotos do casamento dele no mural. Ela diz que foi difícil se livrar dos vínculos, a história era antiga. O rolo começou em 2006, num tempo em que o Orkut ainda reinava absoluto - não há dados oficiais, mas calcula-se que hoje, no Brasil, existam 22 milhões de usuários do Facebook e 30 milhões do Orkut.
- Namoramos de 2006 a 2007, e após o término encerrei minha conta no Orkut. Mas continuamos enrolados por mais alguns anos e, nesse tempo, nós dois entramos no Facebook. Foram muitas sessões de análise para saber se o tirava, ou não, da minha lista de amigos. Quando vi que acompanhar o perfil dele estava virando um vício, tomei coragem - conta Fernanda que, até hoje, segura o dedinho para não convidar o ex para ser mais um entre os seus 460 amigos.
Autoras do livro "Mulher, vamos descomplicar?", as psicanalistas Luciana de la Peña e Ana Franqueira lembram que as crises sentimentais deflagradas em redes sociais dominaram o seminário "Encontros & Desencontros - Ele simplesmente não está a fim de você", realizado no mês passado no Espaço Trocando Ideias, no Jardim Botânico.
- O que você vai ganhar rastreando a vida do ex pelo Facebook? No máximo, vai ficar sabendo em tempo real que ele entrou numa boate e, no dia seguinte, conferir em fotos o quanto ele se divertiu - diz Luciana. - O problema dos relacionamentos não é o mundo virtual, mas o uso que as pessoas fazem dele.
Após um rompimento, a faxina nos álbuns de fotos criados no Facebook ou Orkut é procedimento de praxe. Mas o problema é que tem sempre aquele melhor amigo do casal que acaba postando uma foto antiga que pode dar aquela angústia no peito de um deles, ou de ambos. Pior é quando alguém repassa uma mensagem cheia de duplos significados que o ex escreveu, mostrando que a vida vai muito bem, obrigado. No mundo virtual, os "falecidos" costumam ressuscitar com a maior desenvoltura.
Não à toa, foi lançado um programinha chamado Ex-Blocker, que tem a missão de bloquear tudo (tu-do!) relacionado à antiga cara-metade. Basta inserir o primeiro e o último nome do dito(a) cujo(a) na conta no Twitter e no Facebook. O site da empresa criadora do software, em blockyourex.com , informa que, hoje, cerca de 14.900pessoas são bloqueadas através dele.
A administradora de empresas Vivian Mattos, de 28 anos, precisa urgentemente ser apresentada ao Ex-Blocker. Há dois meses, ela entregou sua conta do Facebook nas mãos de uma amiga, pediu para que ela trocasse a senha e, desde então, não entrou mais na rede. Tudo para não ficar com vontade de fuxicar a vida do ex, no melhor estilo "o que os olhos não veem o coração não sente".
- Nunca fui muito adepta de redes sociais, mas acabei entrando na onda do Facebook e, quando terminei, fui obrigada a mudar meu status para solteira. Quando fui ver o dele, adivinha?, ele já havia mudado antes de mim. Que decepção! A tristeza aumentou - lamenta. - E ainda tive que ouvir de uma colega do trabalho que se ele mudou de status é porque acabou mesmo...
Nada como um dia após o outro: Vivian jura que está conseguindo se recuperar e que está mais feliz sem a tentação de acessar o Facebook a todo momento através do celular, como antes.
- Quando quero falar com algum amigo, pego o telefone e ligo. As pessoas estão ficando loucas com o Facebook, os relacionamentos estão frios e a exposição, enorme - opina a moça.
Na alegria ou na tristeza, o Facebook faz parte do enredo de muitas histórias de amor. A teia criada por Mark Zuckerberg em 2004, tema do filme "A rede social" (que, aliás, começa com o fim de um namoro), foi o fio condutor do último relacionamento da estudante de administração Paula Pires, de 20 anos. Ela estava saindo com um carinha que conheceu na PUC fazia meses. Ele tinha feito até a proposta de os dois assumirem um "relacionamento enrolado". Eis que certo dia Paula foi pedida em namoro oficialmente - pelo Facebook.
- Recebi uma mensagem pelo site com uma declaração de amor fofa, com uma solicitação de relacionamento sério. Sou contra assumir um namoro no Facebook assim tão rápido, mas foi tão bonitinha a atitude dele que acabei aceitando - conta Paula, que namorou o rapaz por 11 meses.
Solteira há menos de um mês, optou por deixar o campo do status de relacionamento em branco:
- Me recuso a botar que estou solteira. Quem põe isso é porque está querendo provocar alguém ou porque está desesperada.
A troca de status é uma das ações de maior audiência no Facebook. Bote o aplicativo Social Statistics, que coleciona mais de dois milhões de fãs, para rodar no seu perfil e confira o resultado. No quesito Top Posts, a alteração de status sempre figura entre os dez mais comentados.
- As pessoas costumam comentar mais o término de um namoro do que o início. Quando assumi o namoro, meia dúzia de amigas curtiu, desejou felicidades. Mas quando terminei, todo mundo da faculdade me chamou no chat para mostrar uma suposta solidariedade - alfineta Paula.
Curtir a solteirice alheia também pode pegar mal na rede. Em abril, após o término de um namoro de dez meses, a gaúcha Karen Marcelja, de 32 anos, acabou mudando o status de relacionamento para solteira. Dez minutos depois, sua melhor amiga simplesmente "curtiu", o verbo mais conjugado no Facebook, num ato de apoio. Pronto: o barraco online foi parar no Twitter.
- Meu ex-namorado ficou magoado com a atitude dela e foi desabafar no Twitter. Ele começou a mandar um monte de indiretas, essa minha amiga ficou furiosa, e os dois brigaram por mensagens no Facebook - conta Karen, que, no geral, acabou vendo o lado positivo da mudança de status. - Virar solteira desperta um monte de paquerinhas que estavam adormecidas.
No fundo, todo mundo quer é ser amado, dentro e fora da internet, observa Ana Maria Sabrosa, da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio:
- De alguma maneira, o ser humano é marcado pelo desamparo e tem necessidade imensa de ser amado. Toda publicação em rede social tem um objetivo. Mas como tudo é subjetivo, às vezes o retorno pode causas frustração, às vezes pode causar felicidade.
Há quatro anos estudando o ambiente social do Facebook, os pesquisadores Amy Muise, Emily Christofides e Serge Desmarais, do Departamento de Psicologia da Universidade de Guelph, do Canadá, não têm dúvidas de que a rede social está tornando o exibicionismo online algo, digamos, mais natural. Mas divulgar aos quatro ventos se é solteiro, noivo, casado, viúvo ou está num relacionamento sério ou numa amizade colorida (ao todo, são nove opções de status no Facebook) tem suas implicações. Não divulgar, também. O ponto mais latente é o ciúme.
- Algumas mulheres se tornam mais ciumentas quando passam muito tempo no Facebook. Num estudo recente, notamos que a exposição detona o gatilho do ciúme, e isso compromete a relação, deixando a pessoa menos satisfeita e menos comprometida com o parceiro - adverte Amy.
Faz sentido. De acordo com uma recente pesquisa da empresa de antivírus Norton, o uso do Facebook é uma das principais causas de divórcios nos Estados Unidos atualmente. A canadense poderia fazer uma extensa lista de dicas para casais evitarem este desfecho e terem uma vida amorosa saudável mesmo sem abrir mão das redes sociais.
- Se você encontrar algo que te deixe desconfortável no mural do seu parceiro, converse sobre isso. Muita informação divulgada no Facebook pode ser mal interpretada - diz Amy.
A forma encontrada pelo casal Luciana e Gustavo Thorstensen, ambos de 37 anos e 16 de casados, para se blindar de ti-ti-tis online foi criar um perfil compartilhado no Facebook.
- Achava ridículo ter um Facebook com o marido, porque isso tira a individualidade. Mas foi o jeito encontrado para evitarmos futuros aborrecimentos. Está dando certo - conta Luciana, que quando escreve uma mensagem no mural de algum dos 253 amigos do casal assina "/LU". - Conheço muitos casais que têm contas separadas no Facebook, mas um tem a senha do outro. Prefiro ser cafona a ser hipócrita.
Perfis compartilhados levam a alguns problemas. Quando o relacionamento termina, a quem pertence a conta? Para alguns, a saída é extinguir o perfil. Em outros casos, um assume a conta, e muda a senha (algo como trocar a fechadura da porta na vida real). A questão da privacidade, como se vê, é complexa. E virou objeto de estudo do mestrando Gustavo Rauber, do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, em parceria com o Indraprastha Institute of Information Technology, de Nova Délhi. No total, 744 pessoas participaram da pesquisa, que será divulgada em outubro, no evento WebMedia'11, em Florianópolis. Entre as conclusões, ele confirmou que os indianos, por exemplo, são mais cautelosos do que os brasileiros nas redes sociais.
- A maioria das pessoas ignora os controles de privacidade existentes. Pode ser por desleixo, por autopromoção ou pela falta de intimidade com o sistema - avalia Gustavo.
Especialista no assunto, ele divide bem o que compartilha entre os seus cerca de 250 amigos no Facebook. Menos da metade deste total, por exemplo, soube que ele ficou noivo da namorada há seis meses.
- Dá trabalho, mas através das configurações de privacidade é possível definir os diversos níveis de intimidade por grupos. Apenas os amigos que eu gostaria foram avisados do meu noivado - diz o pesquisador mineiro, de 28 anos. - Todos nós estamos limitados a um certo número de amizades, seja por falta de tempo ou pela nossa capacidade cognitiva. O valor mediano para tal limite é estimado em 150 amizades, conhecido como número de Dunbar. E esse número foi confirmado no Facebook: apesar de você ter dois mil amigos, não consegue manter contato com muito mais de 150 pessoas.
A administradora Bárbara Bretas, de 34 anos, é um exemplo de usuária seletiva. Em seu perfil, são 134 amigos contados nos dedos. Para ela, rede social é coisa séria. Foi através do Facebook, inclusive, que conheceu seu atual namorado, o piloto Gustavo Perrota, de 29. A história é um conto de fadas com toques bem contemporâneos: certo dia, uma amiga em comum resolveu bancar o cupido e sugeriu que ela desse um confere na ficha e nas fotos de Gustavo na sua lista de amigos (encontro às escuras entrou mesmo em extinção). Mas qual não foi a surpresa ao dar de cara com o aviso "Gustavo Perrota está em um relacionamento sério", que parecia piscar no monitor. Hoje, aos risos, ele explica o acidente de percurso:
- Eu já estava de saco cheio da quantidade de periguetes querendo me adicionar, então resolvi mudar meu status de relacionamento.
Sobrou para a amiga-cupido desfazer o mal-entendido. Em cinco minutos, o status de relacionamento dele ostentava um atraente "solteiro" de novo.
- Quando vi que ele estava solteiro mesmo, comecei a olhar as fotos, vi que era gatinho, e dei o aval para a nossa amiga nos apresentar - conta Bárbara.
Os dois saíram pela primeira vez no último carnaval e não se largaram mais. Quer dizer, já rolaram umas briguinhas, o suficiente para para ela tirar do perfil que estava em um "relacionamento sério com Gustavo Perrota"...
- Para não virar bagunça, depois da terceira troca de status, resolvemos agora deixar essa lacuna em branco. Não quero mais dar satisfação para ninguém sobre a nova vida amorosa - avisa Bárbara.
Roteirista da peça "Adultério", em cartaz no Teatro do Leblon até o fim do mês, o dramaturgo Daniel Herz, da Companhia Atores de Laura, levou o mito da traição virtual para o palco:
- É uma discussão aberta. Há quem pense que a chamada traição virtual alivie o desejo da traição na carne - comenta Daniel, casado e com a lacuna do status de relacionamento em branco no Facebook. - Nós conversamos sobre isso e optamos pela discrição.
Pode ser apenas uma coincidência, mas acabou de desembarcar no Brasil um site de relacionamentos que facilita a vida de pessoas casadas que querem pular a cerca. De origem americana, o Ohhtel é gratuito para mulheres. Homens pagam R$ 60 para enviar emails para as pretendentes. Nos sete primeiros dias por aqui, o site atingiu a marca de 63.317 inscritos (no total, são um milhão e 300 mil participantes, de diversos países). Neste caso, só a troca de mensagens é virtual. O objetivo final é a "traição na carne" mesmo.
DIGITAL E MÍDIA
Para a ex-mulher, ele justificou o ato - sacramentado na rede social três dias após a separação - dizendo que preferiu dar a notícia a todos logo de uma vez a ter que ficar se explicando a cada amigo que encontrasse no Baixo Gávea. Seria menos doloroso, alegou ele. Ela, por sua vez, ainda tenta assimilar a dimensão que o rompimento tomou, com sessões extras de terapia particulares e em grupo.
Para alguns, ele teve uma atitude egoísta. Para outros, não. Comunicar o fim de um namoro ou casamento na internet é uma decisão unilateral? Qual é a medida para anunciar ao mundo, literalmente, o término de uma relação, sem desrespeitar o luto alheio? Estas e outras questões, nascidas no mundo virtual mas com implicações bem reais, têm alimentado reflexões e discussões, seja em mesas de bar, em consultórios de psicanálise ou em teses acadêmicas. O fato é que as redes sociais, em diferentes graus, estão causando uma série de transformações nos relacionamentos amorosos. Após saias justas, crises de ciúme e muito bafafá, aos poucos está surgindo um conjunto de novas regras de etiqueta entre os 38,4 milhões de brasileiros que usam Facebook, Orkut e Twitter, segundo números da pesquisa realizada pelo Ibope Nielsen Online no mês passado.
- Os códigos estão sendo criados, entre erros e acertos, pois ninguém sabe ainda aonde isso tudo vai dar - diz o psicanalista Miguel Calmon, que não tem conta em nenhum site de relacionamento, mas costuma participar de debates sobre o tema no jantar com os filhos ou em seu consultório. - O mais importante é ser cauteloso e não fazer uma crítica radical e reacionária das relações intermediadas pelo Facebook, caracterizando-as como de segunda ou quinta categoria, já que as pessoas tendem a achar que amor verdadeiro era o vivido no passado. Essa revolução comportamental está transformando a forma de pensar o amor.
Para muita gente, principalmente as pessoas que ainda não entraram nessa onda, o amor nos tempos das redes sociais é mais impessoal. O psicanalista Joel Birman pondera: o momento é mesmo de repensar os preconceitos.
- Para usar uma metáfora grega, diria que o Facebook é a Acrópole contemporânea - compara. - É um espaço social legítimo, real. A rede social abriu um espaço onde as pessoas podem restaurar laços de amizade e sentimentais numa época em que a dinâmica da metrópole moderna é uma correria só. E isso tudo precisa ser visto com leveza, de preferência sem moralismo.
A professora Fernanda Paixão, de 29 anos, demorou seis meses até conseguir excluir o ex-namorado de sua lista de amigos no Facebook. Por questão de dias, não deu de cara com as fotos do casamento dele no mural. Ela diz que foi difícil se livrar dos vínculos, a história era antiga. O rolo começou em 2006, num tempo em que o Orkut ainda reinava absoluto - não há dados oficiais, mas calcula-se que hoje, no Brasil, existam 22 milhões de usuários do Facebook e 30 milhões do Orkut.
- Namoramos de 2006 a 2007, e após o término encerrei minha conta no Orkut. Mas continuamos enrolados por mais alguns anos e, nesse tempo, nós dois entramos no Facebook. Foram muitas sessões de análise para saber se o tirava, ou não, da minha lista de amigos. Quando vi que acompanhar o perfil dele estava virando um vício, tomei coragem - conta Fernanda que, até hoje, segura o dedinho para não convidar o ex para ser mais um entre os seus 460 amigos.
Autoras do livro "Mulher, vamos descomplicar?", as psicanalistas Luciana de la Peña e Ana Franqueira lembram que as crises sentimentais deflagradas em redes sociais dominaram o seminário "Encontros & Desencontros - Ele simplesmente não está a fim de você", realizado no mês passado no Espaço Trocando Ideias, no Jardim Botânico.
- O que você vai ganhar rastreando a vida do ex pelo Facebook? No máximo, vai ficar sabendo em tempo real que ele entrou numa boate e, no dia seguinte, conferir em fotos o quanto ele se divertiu - diz Luciana. - O problema dos relacionamentos não é o mundo virtual, mas o uso que as pessoas fazem dele.
Após um rompimento, a faxina nos álbuns de fotos criados no Facebook ou Orkut é procedimento de praxe. Mas o problema é que tem sempre aquele melhor amigo do casal que acaba postando uma foto antiga que pode dar aquela angústia no peito de um deles, ou de ambos. Pior é quando alguém repassa uma mensagem cheia de duplos significados que o ex escreveu, mostrando que a vida vai muito bem, obrigado. No mundo virtual, os "falecidos" costumam ressuscitar com a maior desenvoltura.
Não à toa, foi lançado um programinha chamado Ex-Blocker, que tem a missão de bloquear tudo (tu-do!) relacionado à antiga cara-metade. Basta inserir o primeiro e o último nome do dito(a) cujo(a) na conta no Twitter e no Facebook. O site da empresa criadora do software, em blockyourex.com , informa que, hoje, cerca de 14.900pessoas são bloqueadas através dele.
A administradora de empresas Vivian Mattos, de 28 anos, precisa urgentemente ser apresentada ao Ex-Blocker. Há dois meses, ela entregou sua conta do Facebook nas mãos de uma amiga, pediu para que ela trocasse a senha e, desde então, não entrou mais na rede. Tudo para não ficar com vontade de fuxicar a vida do ex, no melhor estilo "o que os olhos não veem o coração não sente".
- Nunca fui muito adepta de redes sociais, mas acabei entrando na onda do Facebook e, quando terminei, fui obrigada a mudar meu status para solteira. Quando fui ver o dele, adivinha?, ele já havia mudado antes de mim. Que decepção! A tristeza aumentou - lamenta. - E ainda tive que ouvir de uma colega do trabalho que se ele mudou de status é porque acabou mesmo...
Nada como um dia após o outro: Vivian jura que está conseguindo se recuperar e que está mais feliz sem a tentação de acessar o Facebook a todo momento através do celular, como antes.
- Quando quero falar com algum amigo, pego o telefone e ligo. As pessoas estão ficando loucas com o Facebook, os relacionamentos estão frios e a exposição, enorme - opina a moça.
Na alegria ou na tristeza, o Facebook faz parte do enredo de muitas histórias de amor. A teia criada por Mark Zuckerberg em 2004, tema do filme "A rede social" (que, aliás, começa com o fim de um namoro), foi o fio condutor do último relacionamento da estudante de administração Paula Pires, de 20 anos. Ela estava saindo com um carinha que conheceu na PUC fazia meses. Ele tinha feito até a proposta de os dois assumirem um "relacionamento enrolado". Eis que certo dia Paula foi pedida em namoro oficialmente - pelo Facebook.
- Recebi uma mensagem pelo site com uma declaração de amor fofa, com uma solicitação de relacionamento sério. Sou contra assumir um namoro no Facebook assim tão rápido, mas foi tão bonitinha a atitude dele que acabei aceitando - conta Paula, que namorou o rapaz por 11 meses.
Solteira há menos de um mês, optou por deixar o campo do status de relacionamento em branco:
- Me recuso a botar que estou solteira. Quem põe isso é porque está querendo provocar alguém ou porque está desesperada.
A troca de status é uma das ações de maior audiência no Facebook. Bote o aplicativo Social Statistics, que coleciona mais de dois milhões de fãs, para rodar no seu perfil e confira o resultado. No quesito Top Posts, a alteração de status sempre figura entre os dez mais comentados.
- As pessoas costumam comentar mais o término de um namoro do que o início. Quando assumi o namoro, meia dúzia de amigas curtiu, desejou felicidades. Mas quando terminei, todo mundo da faculdade me chamou no chat para mostrar uma suposta solidariedade - alfineta Paula.
Curtir a solteirice alheia também pode pegar mal na rede. Em abril, após o término de um namoro de dez meses, a gaúcha Karen Marcelja, de 32 anos, acabou mudando o status de relacionamento para solteira. Dez minutos depois, sua melhor amiga simplesmente "curtiu", o verbo mais conjugado no Facebook, num ato de apoio. Pronto: o barraco online foi parar no Twitter.
- Meu ex-namorado ficou magoado com a atitude dela e foi desabafar no Twitter. Ele começou a mandar um monte de indiretas, essa minha amiga ficou furiosa, e os dois brigaram por mensagens no Facebook - conta Karen, que, no geral, acabou vendo o lado positivo da mudança de status. - Virar solteira desperta um monte de paquerinhas que estavam adormecidas.
No fundo, todo mundo quer é ser amado, dentro e fora da internet, observa Ana Maria Sabrosa, da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio:
- De alguma maneira, o ser humano é marcado pelo desamparo e tem necessidade imensa de ser amado. Toda publicação em rede social tem um objetivo. Mas como tudo é subjetivo, às vezes o retorno pode causas frustração, às vezes pode causar felicidade.
Há quatro anos estudando o ambiente social do Facebook, os pesquisadores Amy Muise, Emily Christofides e Serge Desmarais, do Departamento de Psicologia da Universidade de Guelph, do Canadá, não têm dúvidas de que a rede social está tornando o exibicionismo online algo, digamos, mais natural. Mas divulgar aos quatro ventos se é solteiro, noivo, casado, viúvo ou está num relacionamento sério ou numa amizade colorida (ao todo, são nove opções de status no Facebook) tem suas implicações. Não divulgar, também. O ponto mais latente é o ciúme.
- Algumas mulheres se tornam mais ciumentas quando passam muito tempo no Facebook. Num estudo recente, notamos que a exposição detona o gatilho do ciúme, e isso compromete a relação, deixando a pessoa menos satisfeita e menos comprometida com o parceiro - adverte Amy.
Faz sentido. De acordo com uma recente pesquisa da empresa de antivírus Norton, o uso do Facebook é uma das principais causas de divórcios nos Estados Unidos atualmente. A canadense poderia fazer uma extensa lista de dicas para casais evitarem este desfecho e terem uma vida amorosa saudável mesmo sem abrir mão das redes sociais.
- Se você encontrar algo que te deixe desconfortável no mural do seu parceiro, converse sobre isso. Muita informação divulgada no Facebook pode ser mal interpretada - diz Amy.
A forma encontrada pelo casal Luciana e Gustavo Thorstensen, ambos de 37 anos e 16 de casados, para se blindar de ti-ti-tis online foi criar um perfil compartilhado no Facebook.
- Achava ridículo ter um Facebook com o marido, porque isso tira a individualidade. Mas foi o jeito encontrado para evitarmos futuros aborrecimentos. Está dando certo - conta Luciana, que quando escreve uma mensagem no mural de algum dos 253 amigos do casal assina "/LU". - Conheço muitos casais que têm contas separadas no Facebook, mas um tem a senha do outro. Prefiro ser cafona a ser hipócrita.
Perfis compartilhados levam a alguns problemas. Quando o relacionamento termina, a quem pertence a conta? Para alguns, a saída é extinguir o perfil. Em outros casos, um assume a conta, e muda a senha (algo como trocar a fechadura da porta na vida real). A questão da privacidade, como se vê, é complexa. E virou objeto de estudo do mestrando Gustavo Rauber, do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, em parceria com o Indraprastha Institute of Information Technology, de Nova Délhi. No total, 744 pessoas participaram da pesquisa, que será divulgada em outubro, no evento WebMedia'11, em Florianópolis. Entre as conclusões, ele confirmou que os indianos, por exemplo, são mais cautelosos do que os brasileiros nas redes sociais.
- A maioria das pessoas ignora os controles de privacidade existentes. Pode ser por desleixo, por autopromoção ou pela falta de intimidade com o sistema - avalia Gustavo.
Especialista no assunto, ele divide bem o que compartilha entre os seus cerca de 250 amigos no Facebook. Menos da metade deste total, por exemplo, soube que ele ficou noivo da namorada há seis meses.
- Dá trabalho, mas através das configurações de privacidade é possível definir os diversos níveis de intimidade por grupos. Apenas os amigos que eu gostaria foram avisados do meu noivado - diz o pesquisador mineiro, de 28 anos. - Todos nós estamos limitados a um certo número de amizades, seja por falta de tempo ou pela nossa capacidade cognitiva. O valor mediano para tal limite é estimado em 150 amizades, conhecido como número de Dunbar. E esse número foi confirmado no Facebook: apesar de você ter dois mil amigos, não consegue manter contato com muito mais de 150 pessoas.
A administradora Bárbara Bretas, de 34 anos, é um exemplo de usuária seletiva. Em seu perfil, são 134 amigos contados nos dedos. Para ela, rede social é coisa séria. Foi através do Facebook, inclusive, que conheceu seu atual namorado, o piloto Gustavo Perrota, de 29. A história é um conto de fadas com toques bem contemporâneos: certo dia, uma amiga em comum resolveu bancar o cupido e sugeriu que ela desse um confere na ficha e nas fotos de Gustavo na sua lista de amigos (encontro às escuras entrou mesmo em extinção). Mas qual não foi a surpresa ao dar de cara com o aviso "Gustavo Perrota está em um relacionamento sério", que parecia piscar no monitor. Hoje, aos risos, ele explica o acidente de percurso:
- Eu já estava de saco cheio da quantidade de periguetes querendo me adicionar, então resolvi mudar meu status de relacionamento.
Sobrou para a amiga-cupido desfazer o mal-entendido. Em cinco minutos, o status de relacionamento dele ostentava um atraente "solteiro" de novo.
- Quando vi que ele estava solteiro mesmo, comecei a olhar as fotos, vi que era gatinho, e dei o aval para a nossa amiga nos apresentar - conta Bárbara.
Os dois saíram pela primeira vez no último carnaval e não se largaram mais. Quer dizer, já rolaram umas briguinhas, o suficiente para para ela tirar do perfil que estava em um "relacionamento sério com Gustavo Perrota"...
- Para não virar bagunça, depois da terceira troca de status, resolvemos agora deixar essa lacuna em branco. Não quero mais dar satisfação para ninguém sobre a nova vida amorosa - avisa Bárbara.
Roteirista da peça "Adultério", em cartaz no Teatro do Leblon até o fim do mês, o dramaturgo Daniel Herz, da Companhia Atores de Laura, levou o mito da traição virtual para o palco:
- É uma discussão aberta. Há quem pense que a chamada traição virtual alivie o desejo da traição na carne - comenta Daniel, casado e com a lacuna do status de relacionamento em branco no Facebook. - Nós conversamos sobre isso e optamos pela discrição.
Pode ser apenas uma coincidência, mas acabou de desembarcar no Brasil um site de relacionamentos que facilita a vida de pessoas casadas que querem pular a cerca. De origem americana, o Ohhtel é gratuito para mulheres. Homens pagam R$ 60 para enviar emails para as pretendentes. Nos sete primeiros dias por aqui, o site atingiu a marca de 63.317 inscritos (no total, são um milhão e 300 mil participantes, de diversos países). Neste caso, só a troca de mensagens é virtual. O objetivo final é a "traição na carne" mesmo.
DIGITAL E MÍDIA
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