quarta-feira, 23 de junho de 2010

Lugares sagrados para indígenas podem receber a proteção do Iphan


O pedido de tombamento foi apresentado pelas etnias dos Waurá, Kalapalo e Kamayurá, buscando garantir a realização de rituais.

Mais do que reconhecer o valor histórico, social e simbólico de locais sagrados para as comunidades indígenas do Alto Xingu, em Mato Grosso, o Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico poderá garantir a continuidade de uma tradição de nove etnias. No encontro do dia 24 de junho, os conselheiros avaliarão a proposta apresentada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o tombamento dos lugares sagrados Sagihengu e Kamukuwaká. A reunião será às 10h, na Sala dos Archeiros do Paço Imperial, que fica na Praça XV de novembro, no centro do Rio de Janeiro.
Os dois lugares que fazem parte do Kwarup, a maior festa ritualística entre os povos do Alto Xingu – partilhada pelas nove etnias que formam seu complexo cultural – ficaram fora da demarcação do Parque Indígena. O pedido ao Iphan para tombamento dos lugares sagrados foi apresentado em 2008 pelas etnias Waurá, Kalapalo e Kamayurá. A intenção era garantir a conservação e o direito de acesso às comunidades indígenas ao local, além de preservar a cultura nos seus aspectos espirituais e religiosos das comunidades que participam do rito.
Os técnicos do Iphan que trabalharam no inventário e na elaboração do dossiê de tombamento confirmam os riscos para Sagihengu e Kamukuwaká. De acordo com o documento, é necessário garantir a preservação desses espaços que vêm sofrendo com desmatamento, erosão, pesca predatória, manejo inadequado e atividades agropecuárias. Com a redução dos limites originais do Parque, inferiores ao território histórico de ocupação indígena, as nascentes do rio Xingu foram ocupadas por pólos agropecuários. Hoje, o Parque possui aproximadamente 30 mil km² e abriga 14 povos indígenas, espacialmente divididos entre povos do alto, do médio e do baixo Xingu.
Ao longo do trabalho de pesquisa desenvolvido durante quatro anos, o Iphan realizou registros textuais, fotográficos e videográficos para obter uma documentação capaz de refletir o patrimônio estudado, que abrange bens de natureza material e imaterial.

O Kwarup e os lugares sagrados
Embora os integrantes do Alto Xingu sejam de etnias diversas, eles formam uma unidade cultural maior, compartilhando mitos, ritos, cerimônias, um sistema de trocas
de bens materiais e especialidades artesanais mas, sobretudo, um sentimento comum de identidade e pertencimento cultural. O Kwarup é um deles. Trata-se de uma cerimônia com duração de alguns dias, de homenagem póstuma a chefes e lideranças. Os indígenas choram, cantam, rendem homenagem aos mortos, dançam, tocam seus instrumentos e lutam. As palavras Kwarup ou Quarup são formas aportuguesadas da palavra kwaryp kamayurá.


O Rito anual estabelece o fim do luto e da tristeza, ao mesmo tempo em que restaura a alegria, a vida, sendo o início de um novo ciclo vital. Acontece sempre no final da estação seca, ou seja, durante o mês de agosto; às vezes, em setembro. Ocorre normalmente em uma das aldeias que tiver perdido um parente importante, cuja família consente e promova, então, a cerimônia, tornando-se o "dono" da festa. O dono, o "convidador" tem que alimentar os seus convidados. Isto significa que ele tenha feito uma reserva para servir a todos os convidados no dia da festa sob pena de sentirem-se ofendidos ou ser mal interpretado como pessoa mesquinha.
Segundo antropólogos, a melhor maneira de encontrar a lógica interna de uma cultura é conhecendo a sua mitologia, pois ela carrega a coerência de cada cultura, dotando-a de sentido, justificando os comportamentos sociais, compondo as tradições e se reatualizando através dos ritos. Assim o Primeiro Kwarup, realizado por Sol e Lua para a mãe deles, fornece às comunidades indígenas do alto-Xingu o modelo exemplar da festa ritualística mais importante.
Neste ritual, Sagihengu é o lugar onde começa a cerimônia do kwarup e onde as comunidades indígenas afirmar ter ocorrido o Primeiro Kwarup em homenagem a uma mulher: a Mãe. O lugar também tem remédio para ficar forte e bonito, e para sonhar com vida longa. A cerimônia neste local homenageia, efetivamente, a vida, apesar de ser uma cerimônia funerária. O kwarup é uma festa para espantar a tristeza, para acabar com uma situação de luto e encaminhar o espírito para o outro lado, para o lado de cima. No Sagihenhu tem peixe, tem água, tem choro e tem alegria, tem morte que acaba e tem vida que começa, dá início a um novo ciclo de vida.
Outro local sagrado é o abrigo rochoso Kamukuwaká, que fica fora do Parque e tornou-se propriedade particular apesar da sua importância para a comunidade xinguana. Os dois locais foram mapeados em 2005 e em 2006, durante a primeira etapa do Programa de Patrimônio Cultural, por meio de pesquisas transdisciplinares que envolveu a participação direta das próprias comunidades indígenas. Em 2008, o Prêmio Rodrigo Melo Franco teve como vencedor na categoria apoio institucional e financeiro ações voltadas para estes lugares sagrados.

O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
Formado por 22 conselheiros, especialistas em diversas áreas, como cultura, turismo, arquitetura e arqueologia, é presidido pelo presidente do Iphan Luiz Fernando de Almeida. Ao Conselho Consultivo compete examinar, apreciar e decidir sobre questões relacionadas ao tombamento, ao registro de bens culturais de natureza imaterial e à autorização de saída temporária do país de patrimônio cultural protegido por legislação federal e opinar acerca de outras questões relevantes do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
As outras propostas de tombamento que serão discutidos na reunião do dia 24 de junho, no Rio de Janeiro, são: Bens da imigração Japonesa no Vale do Ribeira em São Paulo e Teatro Oficina, também em São Paulo.


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