sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Por que as meninas adoram cor de rosa?


Uma família da Suíça e outra do Canadá estão educando seus filhos sem dizer se são menino ou menina, com o objetivo de evitar os estereótipos criados pela distinção dos gêneros. Mas será que estão certos?

É quase inevitável. Azul para meninos, rosa para meninas. Super-heróis para eles, princesas para elas. O mundo, já há algum tempo, vem etiquetando as crianças assim, e exigindo delas uma postura bem definida desde cedo.

Por isso mesmo, um casal suíço causou polêmica, nos últimos meses: eles resolveram criar seu bebê sem lhe dar um rótulo masculino ou feminino. O bebê se chama Pop, é vestido com calças ou saias, e só cinco pessoas sabem seu sexo. Um pouco distante dali, a experiência está sendo feita também – não com menos holofotes - por um casal canadense, que cria uma criança de um jeito parecido. Storm, como eles chamam o bebê sorridente, “deverá desenvolver sua identidade sexual sem seguir estereótipos sociais ou atender às expectativas relacionadas com gênero”, justificou a mãe, que tem sido apoiada e criticada pelo mundo afora, à imprensa internacional.

As duas famílias fazem parte de uma nova geração que quer acabar com estereótipos, e pregam um equilíbrio maior entre os sexos. O que buscam, dizem, é uma nova atitude para mudar as raízes de onde os gêneros seriam, talvez, distorcidos: a infância.

O movimento ganhou ainda mais olhares mundiais com a escola Egalia, na Suécia, que resolveu educar seus alunos também sem identificá-los pelo sexo. Os professores devem se referir às crianças (de 1 a 6 anos) sem chamá-los de “ele” ou “ela”, usando simplesmente um pronome que os suecos chamam de “hen”, termo que indefine sexo na língua falada por lá.

No pátio da escola, todos brincam juntos e com todos os brinquedos. Contos de fadas foram substituídos por livros que incluem histórias sobre casais de pessoas do mesmo sexo, pais solteiros e crianças adotadas. “A Egalia dá às crianças a fantástica oportunidade de ser quem elas quiserem”, acredita a professora Jenny Johnsson.

Uma das questões em jogo é: isso não seria criar um mundo ilusório para as crianças, já que, depois que crescerem, elas vão encarar um mundo que diz o contrário? A psicóloga e doutora em filosofia Maria Luiza Macedo de Araújo, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (Sbrash), critica a escolha. “Quem diz que criar um filho em um ambiente absolutamente neutro garantirá que esta criança não terá outras influências e identificações na sociedade, em um mundo globalizado?”, diz. “De forma alguma poderemos fazer um laboratório na nossa casa para criarmos nossos filhos. E as variáveis intervenientes?”, completa. Afinal, boa parte do desenvolvimento do gênero é aprendida culturalmente.

Para a psicóloga Angelita Corrêa Scárdua, mestre em desenvolvimento humano adulto e em felicidade, a diferença entre homens e mulheres é inegável. “A questão é o valor que se dá a essas diferenças”, afirma. Até porque, aponta Angelita, biologicamente, o masculino e o feminino se expressam de formas diferentes, programados por hormônios que ditam comportamentos diversos. “E isso não é ruim. As diferenças não correspondem a valores”, diz.

Ela cita ainda que o movimento que prega esse meio caminho entre o feminino e o masculino não é novo na história humana. “A sociedade ateniense, os romanos e na época vitoriana tentaram expor essa estética de homens iguais a mulheres." O movimento seria, então, cíclico, segundo a especialista, e geralmente restrito a um pequeno grupo.

Contos de Fadas
A invasão do cor de rosa chega a revoltar algumas mães. Recentemente, a jornalista americana Peggy Orenstein lançou o livro Cinderella Ate My Daughter, ainda sem tradução no Brasil. A obra está no topo das mais lidas no New York Times. Peggy, a autora, é mãe de Daisy, de 5 anos, e martela pesado no que ela chama de “processo de princesificação”das meninas da idade de sua filha. “Elas estão aprendendo que não devem ser a mais esperta, a mais inteligente. Elas devem ser a mais ‘fada’ de todas”, diz Peggy, no livro.

Ela enfatiza que as crianças têm navegado inocentemente por esse mundo “girlie-girl”, imposto pela mídia e pela indústria de brinquedos. Insconscientemente, os pais têm embarcado juntos, sem muita opção, já que os apelos infantis são pesados. O problema, ela critica, é quando isso atinge até mesmo as bonecas mais ingênuas, como a Moranguinho, que teve a cintura afinada nos últimos anos, provocando uma visão distorcida do corpo.

Com a pedagoga Márcia Regina Bortoluzzi Malta, 42 anos, o destino também foi irônico. Embora ela nunca tenha dado a boneca Barbie para a filha, Bianca, de 5 anos, e tenha se preocupado em decorar o quarto dela todo em tons de verde, foi impossível evitar que a menina absorvesse a cultura do rosa. "Na escola as meninas até competem pra ver quem tem mais coisas cor de rosa", conta. O problema, acredita Márcia, não é a cor. "Me preocupo mais é com uma espécie de 'ditadura' que existe por exemplo nas lojas, onde os brinquedos são nessa cor e as roupas também. Até tento fugir dessas lojas, mas fico de mãos atadas porque Bianca ama rosa", diz, inconformada.

Mas claro que o posicionamento dos pais também conta. “Tudo depende do ponto de vista”, diz a psicóloga Angelita Scárdua. “Podemos ver (e contar para as crianças) a história de uma Cinderella sofredora, ou podemos escolher vê-la como uma batalhadora que conseguiu ir ao baile depois de superar seus problemas”, afirma. Há pouco tempo, a mídia internacional chamou a atenção para a pequena Shiloh, filha de Angelina Jolie e Brad Pitt, que só usava "roupas masculinas". Especialistas discutiram amplamente sua sexualidade a partir de um simples estilo de se vestir. Angelina deu ombros à situação, e disse que era como ela, quando pequena. E fim de papo.

E no Brasil, como funciona?
Se nos países desenvolvidos há casais que querem criar bebês sem gênero definido, no Brasil ainda não há casos nem de longe parecidos. E quem quer bancar uma decisão como a do casal canadense provavelmente vai esbarrar em preconceito - se é que por lá a situação será diferente. Na prática, a sociedade, de modo geral, ainda quer gêneros definidos.

É tudo uma questão de bom senso, como sempre na educação. Não é preciso radicalizar criando filhos sem gênero, mas devemos ensiná-los desde cedo que homens e mulheres são diferentes, sim, e que há elementos positivos nos dois. Só assim seu filho vai aprender a dar mais valor ao ser humano, independentemente do sexo, raça ou classe social.

Fontes: Maria Luiza Macedo de Araújo, mestre em psicologia, doutora em filosofia e presidente da Sociedade Brasileira para Estudos da Sexualidade Humana (Sbrash), Angelita Corrêa Scárdua, mestre em desenvolvimento adulto e felicidade

Crescer

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