sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Crianças de 6 anos começam a se preparar para o ‘vestibulinho’

A advogada Claudia Salemi está preparando o filho para fazer as provas de colégios tradicionais
(Foto: Arquivo Pessoal
)

Inscrição em instituições tradicionais pode passar de R$ 200.
Orientadoras acreditam que pais não devem fazer pressão nos filhos.

Escolas particulares do Rio e de São Paulo iniciaram a temporada de processo seletivo para que crianças entre 5 e 6 anos consigam uma vaga no ensino fundamental para o próximo ano. Conhecida como vestibulinho, a inscrição para as provas em instituições tradicionais pode passar de R$ 200.
Depois de gastar mais de R$ 300 nas inscrições de três escolas, a advogada Claudia Salemi está preparando seu filho Pietro, de seis anos, para fazer as provas.
“Acho que é necessário orientar a criança, trabalhar a parte emocional. Até porque essas provas são para eliminar mesmo. Eu gostaria que ele não precisasse fazer essa prova, mas não tem outro jeito”, contou ela.
Pietro vai ser avaliado por três escolas tradicionais do Rio. “Apesar de ser caro, preferi garantir a inscrição em mais de uma escola. Porque é muita pressão e não deixa de ser um processo seletivo”, acredita.
No Colégio Santo Agostinho, no Rio, o valor da prova é de R$ 130 e o ingresso na instituição só acontece através do processo seletivo.
Os candidatos que concorrem às vagas do 2º ao 9º ano do Ensino Fundamental do São Bento, no Centro do Rio, devem ter pontuação geral maior que 5 pontos. Para as crianças que disputam uma vaga no 1º ano do ensino fundamental do colégio que só aceita meninos, a avaliação é feita durante atividades dinâmicas.
Segundo a pedagoga do São Bento, Maria Elisa Pedrosa, a média é que três meninos disputem uma vaga.
"São cerca de 65 vagas para o primeiro ano. A diferença entre nosso processo seletivo e um vestibular é que não fazemos uma avaliação fria. Analisamos a criança para que ela seja aprovada e se sinta confortável na sua série”, afirma Maria Elisa.
Ainda segundo a pedagoga, os pais não devem exercer nenhuma pressão sobre a criança. “Não existe nenhuma preparação. Queremos que a criança seja espontânea, natural. Com pressão dos pais, o resultado não será real”, acrescentou.

Avaliação durante dinâmicas
No colégio Mopi, com filiais na Tijuca e na Barra, no Rio, as crianças são avaliadas durante uma atividade que observa o pensamento, sequencia lógica e percepção visual.
“São atividades que as crianças estão acostumadas, como recorte e colagem. Não deixa de ser um processo seletivo, avaliamos os melhores”, explicou Adriana Couto, coordenadora pedagógica do 1º ano do ensino fundamental.
Enquanto as crianças são avaliadas, os pais se reúnem com uma coordenadora. “Orientamos os pais também. Eles precisam saber que a avaliação não é um massacre, não precisa gerar ansiedade nos filhos”, disse.

Vivência
Escolas tradicionais de São Paulo preferem matricular novos alunos que tenham algum vínculo com a escola, como irmãos de estudantes e filhos de ex-alunos. Para receber quem não preenche esses requisitos, algumas delas exigem que as crianças façam um dia de “vivência” na escola, entre outros pedidos.
No dia da "vivência", o candidato a uma vaga passa meio período ou até um dia inteiro na escola, assiste a aulas, brinca com colegas, come e é observado o tempo todo. Orientadores e professores acompanham cada passo da criança e depois produzem relatórios sobre o desempenho delas à direção da escola e aos pais.
O Colégio Vértice, por exemplo, tem em média oito candidatos para cada vaga. Os pais do candidato precisam participar de reunião com a escola, entregar material da escola de origem e a criança deve fazer um “dia de vivência na escola”.
“Observamos como é em sala de aula. O nível de atenção, interesse, espontaneidade para fazer perguntas, como se relaciona com os amigos”, disse o educador e um dos diretores da escola Adilson Garcia.
Se não houver conclusão, o estudante pode ainda ter de fazer uma redação ou responder a questões da série que estudou. Nos casos de reprovação, segundo Garcia, os pais recebem um retorno sobre o motivo. "Dizemos que, infelizmente, o filho deles, naquele momento, não foi aprovado. Se houver interesse, mostramos em que está em descompasso", disse.
“Dói no coração. Tem alguns que vêm, passam o dia e ficam morrendo de vontade de estudar aqui”, disse o educador. De acordo com Garcia, o pai de uma candidata rejeitada afirmou, magoado, que diria à filha que o colégio é que não merecia a garota.
Outra que pede a “vivência” entre as etapas para o ingresso é a Escola Móbile. Segundo o site da escola, nesse dia são observados: organização, atenção, persistência, motricidade, expressão oral, desenvolvimento social (relação com o grupo), domínio da língua escrita, leitura com compreensão de pequenos textos, em letra de forma ou cursiva e escrita de frases com estrutura simples, em letra cursiva ou de forma.

Rigor
O processo de ingresso do Colégio Santa Cruz inclui regras rigorosas divulgadas em edital no site da escola. Os candidatos a vagas remanescentes precisam pagar taxa de R$ 220, enviar relatórios de avaliações e boletins pedagógicos, portfólio do candidato, como desenhos, cadernos e atividades, passar por entrevista, entre outras exigências.
O período de inscrições foi encerrado em setembro. De acordo com o site da escola, o colégio foi proibido pela Justiça de selecionar os estudantes por provas. Procurada, a escola disse que todas as informações sobre o processo de ingresso deveriam ser levantadas no site.
No Colégio Equipe, em Higienópolis, onde a mensalidade é de cerca de R$ 1.000 no ensino fundamental, as crianças passam por uma "avaliação diagnóstica" a partir do 3º ano (a antiga 2ª série).
Segundo a coordenadora do ensino fundamental 2 (6º ao 9º ano) e do ensino médio, Luciana Fevorin, professores avaliam a capacidade de leitura e de escrita das crianças, além de capacidades em matemática e raciocínio.
“Tem crianças que estudam em escolas com currículo mais livre, não são seriadas, trabalham por projetos. Às vezes, têm bom raciocínio, boa forma de expressão, mas têm pouca coisa sistematizada. Isso fica muito evidente nas provas de matemática e português. É o tipo da coisa que vai exigir um esforço a mais da criança, porque nossa escola trabalha de uma forma diferente do que ela está habituada. Vai exigir acompanhamento maior da família, mas isso não a impede de aprender e de se adaptar à nossa forma de trabalho. Isso precisa ficar esclarecido para a criança e a família”, disse Luciana.

Thamine Leta e Fernanda Nogueira


G1

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