domingo, 1 de agosto de 2010

A neurociência da pacificação


Estudantes do Ciep Luiz Carlos Prestes, na Cidade de Deus, passam o dia todo na escola fazendo capoeira, teatro, vídeo e dança Foto: Alessandro Costa / Agência O Dia

Deixar a violência para trás e conviver em ambiente de paz faz o cérebro mudar: a calma ativa o crescimento, o aprendizado e a saúde

Rio - Luciana lembra quando a polícia invadiu seu lar a pontapés. Luiz viu a casa ser perfurada por balas. João sempre topava com corpos em frente à escola, e Pedro abandonou o colégio depois que a família foi expulsa da favela pelo tráfico. Os nomes são fictícios, mas os traumas da guerra travada nas favelas do Rio são bem reais. Crianças miúdas que mal fizeram 10 anos, mas que carregam a precoce vivência de dor e sofrimento, têm agora a chance de pôr o ponto final nesse boletim de ocorrências policiais tão presentes em suas rotinas.
Especialistas em saúde explicam as mudanças que ocorrem no cérebro quando crianças e jovens são expostos a uma nova realidade sem violência. “O cérebro é o resultado do que fazemos e de como somos tratados. Portanto, nunca é tarde para apagar os traumas da mente”, explica a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da UFRJ. Segundo ela, o estresse crônico é inimigo do bem-estar.
Impotente frente à violência, o cérebro entra em ‘modo de sobrevivência’, onde até crescer passa para segundo plano. A prioridade é manter-se vivo. A autoestima e a motivação pelo estudo diminuem. Alguns se fecham e outros ficam agressivos, como uma estratégia de defesa do organismo. “No momento em que a criança passa a ser tratada com respeito e carinho, esse círculo vicioso se quebra. Ela, então, reproduz um círculo virtuoso de gentilezas e respeito pelo outro”, completa Suzana.
Desde domingo, O DIA mostra os benefícios no aprendizado de crianças de áreas antes reféns do crime na série ‘Educação em Tempos de Paz’. Para Joviana Quintes Avanci, psicóloga do Centro Latino-americano de Estudos da Violência e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz, ambientes saudáveis e relações amorosas são escudo contra distúrbios mentais, como ansiedade e depressão. “Traumas podem ser revertidos com políticas públicas. Mas é preciso que haja continuidade para que o dano não seja permanente”, frisa.



O recomeço
Na Escola Municipal Pedro Aleixo, na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, a chegada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) substituiu as guerras de frutas no recreio e o vai e vem de traficantes na escola por ofi cinas de dança, judô, capoeira e xadrez. “A escola estava mergulhada nas trevas. Há nove meses, está imersa na luz. É como se estivéssemos começando do zero”, sintetiza o diretor José Edmilson.
Para especialistas, essa mudança do comportamento agressivo para o lúdico é a forma mais eficaz de fazer o corpo trabalhar a favor da saúde mental. “Qualquer brincadeira ou esporte que dê prazer à criança é capaz de ativar o sistema de recompensa do cérebro, que é a base da motivação. Ele é o responsável pela autoestima, pelo pensar positivo e por ter esperanças”, explica a neurocientista Suzana Houzel.
Roberta Dutra, professora especializada em educação inclusiva pelo Instituto A Vez do Mestre, defende atividades lúdicas como coisa séria. “É na hora do brincar que a vida é experimentada pelo gosto, de fazer da brincadeira uma experiência rica de significados. Um contexto que proporciona à criança a superação dos seus medos e receios na vida”, prega a educadora.

Depoimento:
Antigamente, os alunos chegavam nervosos à escola. Não conseguiam assimilar o conteúdo das aulas. Durante o caminho, encontravam corpos. À noite, ouviam tiros o tempo todo. Com a pacificação da comunidade (Batan), ficaram mais alegres. No trajeto para a escola, não encontram nada que possa chocá-los. Eles passaram a participar mais das atividades e a aprender mais. No ano passado, 14% das crianças apresentaram conceito insuficiente. Neste ano, o índice caiu para 10%. Foi uma melhora considerável e acreditamos que vai evoluir muito mais. Vera Rangel, Diretora da E.M. Costa do Marfim.

No meio da violência:
O cérebro de uma criança é afetado pela exposição contínua ao crime.
O estresse crônico reduz a atividade cerebral responsável pela motivação. O cérebro entra num estado de alerta permanente e de ansiedade elevada.
A criança torna-se agressiva ou apática. Desenvolve manifestações de ansiedade, depressão, déficit de atenção e insônia, o que compromete o aprendizado.

Com a pacificação:
O cérebro reage positivamente a estímulos prazerosos.
Rotina de paz, prática de esportes, o carinho da família, a brincadeira com os amigos e o estudo sem preocupações ativam o sistema de recompensas do cérebro, que funciona como uma espécie de premiação, gerando sensação de bem-estar.
A criança fica mais calma, mais atenta em sala de aula e com a autoestima elevada.

MARIA LUISA BARROS



O DIA ONLINE

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