domingo, 1 de agosto de 2010

A REVELAÇÃO DA CRIANÇA - Parte 1


(Texto resumido do livro Crianças no labirinto das acusações - Falsas Alegações de Abuso Sexual da Doutoranda em psicologia Marcia Ferreira Amendola – Ed. Jurua - Pags. 84/89)

Parte 1: A Síndrome do Segredo e a Síndrome da Acomodação

Roland C. Summit (1983) e Tilmann Furniss (2002), ao trabalharem com casos de crianças vítimas de abuso sexual, descreveram uma síndrome relacionada ao segredo, a partir de suas observações e pesquisas na área: a Síndrome de Acomodação ou Adaptação e a síndrome do Segredo, respectivamente.
Summit (1983) argumentou que as crianças não sã capazes de fabricar histórias de abuso sexual e que, portanto, devem receber todo o crédito quando revelam o abuso, mesmo quando as declarações se mostrarem bizarras e incoerentes. O autor postulou que a subordinação e o desamparo da criança diante a autoridade do adulto que a obriga a ser obediente, forçam uma acomodação à situação de abuso, capaz de acarretar inversão de valores morais e alterações psíquicas lesivas à sua personalidade. A criança não teria outra escolha exceto submeter-se ao abuso e manter o segredo.
Algumas associações (American Psychological Association e American Psychiatric Association), no entanto, se pronunciaram com a intenção de impugná-la nos tribunais como evidência probatória para este tipo de violência. O argumento se referia à falta de fundamentação técnico-científica do modelo de Summit em função da ausência de estudos empíricos que distinguissem crianças abusadas daquelas não abusadas (CAMPBELL, 1997).
Em resposta às críticas, Summit (1992) admitiu que a Síndrome possui graves limitações, sendo apenas uma opinião clínica, sem pretensões de ser um instrumento científico destinado a tal aferição, de modo que sua aplicação como evidência de abuso sexual não cumpre com os critérios de confiabilidade técnica requeridos para validar o diagnóstico.
Para Campbell (1997), as características apontadas por Summit são generalizadas, dando margem para opiniões subjetivas, pois podem ser observadas, indistintamente, em crianças não abusadas. A autora cita como exemplo o fato de que crianças não abusadas, ao negar a ocorrência do abuso, tendem a ser, equivocadamente, interpretadas como sendo resistentes e temerosas.
Com relação à Síndrome do Segredo , esta é definida por Furniss (2002) como sendo determinada por agentes múltiplos (externos – ameaças do agressor – e internos) que interagem e promovem uma ração que leva a criança a silenciar-se, ocultando sua história de abuso. Para Furniss, a negação do abuso sexual pela criança não implica, necessariamente, que a violência não foi praticada. O sentimento de culpa e a responsabilização pela prática abusiva são os principais fatores de existência da Síndrome do Segredo.
Furniss (2002, p.177) orienta os profissionais a iniciar a Entrevista de Revelação com a “permissão terapêutica explícita para revelar”. Isso significa que o propósito do psicólogo durante a entrevista é, necessariamente, fazer com que a criança relate o abuso supostamente sofrido. Segundo o autor, “[...] a criança precisa saber que nós conhecemos as razões pela quais ela pode ser capaz de revelar [...].em termos práticos precisamos enviar de maneiras variadas e repetidas a mensagem: ‘Eu sei que você sabe que eu sei’.”.
Ao final de todas as considerações, se a criança ainda não estiver motivada a revelar, Furniss (2002) entende que ela possa estar assustada demais, provavelmente por ameaças do abusador, ou possa estar resistente, seja por falta de confiança no entrevistador, seja por culpa ou vergonha.
Apesar de declarar que não se pode pressionar a criança para revelar o abuso sexual, estando atento para o fato de este não haver ocorrido, o autor insiste na premissa de que o profissional não deve aceitar a negativa da criança, considerando que esta negação seja conseqüência de ansiedades e medos.
Seguindo essa lógica, (2002) sustenta que, mesmo quando a ausência de revelação da violência persiste – seja pelo silêncio imposto pela criança, seja pelo fato de ela negar a ocorrência do abuso – o profissional deve se antecipar e presumir a alegação de abuso sexual como verdadeira expectativa que se mantém justificada pela resistência, medo ou vergonha da criança em revelar o drama familiar. Assim, diante desse impasse, Furniss (2002) sustenta que o profissional deve dar mais tempo e espaço para que a criança possa aprender o que chamou de “metáfora” (p.180) – ahistória de abuso contada como se fosse outra pessoa.
Na análise do autor, o ato de insistir para que a criança revele o abuso sexual se justificaria, pois estaria baseado na crença de que as crianças que negam a ocorrência do abuso sexual podem estar mentindo. Contudo, o autor admite que a criança possa mentir ao acusar falsamente um membro da família de abuso sexual, como afirmamos anteriormente.
Essa orientação de Furniss (2002), na qual revela certa tendenciosidade no trato de questões relativa à prática profissional em casos de suspeita de abuso sexual, é criticada por profissionais e estudiosos da área, pois a diferença entre suspeita infundada e resistência da criança não é considerada, ou melhor, é pouco explorada pelo autor, vigorando a idéia de que toda alegação de abuso sexual contra a criança é verdadeira, mesmo quando é pouco consubstanciada e/ou negada.
Nesse sentido, entendemos que a entrevista de revelação deveria ser, por princípio, um mecanismo que subsidiasse o profissional na criação de um espaço de escuta mais apurada da criança, em que esta pudesse ser ouvida como criança e não como “vítima” obrigada a revelar a ocorrência ou não do abuso sexual.
Entretanto, porque a técnica de revelação, proposta por Furniss (2002), tem por base a Síndrome do Segredo, a postura profissional recomendada pelo autor no atendimento a crianças consideradas vítimas de violência sexual é a do especialista que possui o saber e o poder suficientes para fazer a criança revelar o abuso que se presume verdadeiro.

Relacionado:

Pai acusado falsamente de abusar do filho receberá indenização de R$ 25 mil
7a Câmara Cível


Apelação nº 0004160-83.2007.8.19.0207
3a Vara Cível da Regional da Ilha do Governador – Comarca da Capital

Apelante: CONCEIÇÃO RIBEIRO DA SILVA

Apelado: RICARDO LUIS FRANÇA

Relator: Des. RICARDO COUTO DE CASTRO

AÇÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL FUNDADO EM FALSA IMPUTAÇÃO DE
CRIME DE ABUSO SEXUAL CONTRA O PRÓPRIO FILHO E DO
DESPROPOSITADO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE SUSPENSÃO DE PÁTRIO PODER UTILIZANDO-SE DESTE FUNDAMENTO – DEMONSTRAÇÃO DE NOTÍCIA DESVIRTUADA E INCOMPATÍVEL COM A VERDADE DOS FATOS -DANO MORAL CONFIGURADO.

1-Preliminar de nulidade da sentença, por violação ao princípio da identidade física do juiz, afastada.
2-Demonstrado nos autos a imputação leviana, por parte da genitora do menor, de prática de crime de abuso sexual pelo pai da criança, com o objetivo de afastá-lo de sua convivência.
3-Abuso no direito de informar às autoridades competentes a possível
ocorrência de delito, bem como do direito de ação, que atingiu,inegavelmente, a reputação do Autor, configurando dano
moral indenizável, que, no caso, foi bem mensurado, não merecendo modificação.
4. Recurso a que se nega seguimento, nos moldes do art. 557, caput, do CPC.

RICARDO LUIS FRANÇA, qualificado na inicial, propôs a presente demanda em face de CONCEIÇÃO RIBEIRO DA SILVA, objetivando reparação moral por ter sido falsamente acusado de prática de abuso sexual em seu filho.
Como causa de pedir, sustenta que a ré, com quem manteve relacionamento amoroso, envidou esforços no sentido de imputar ao mesmo a prática de crime de abuso sexual em face do filho, havido da relação que tiveram, com o fim de afastá-lo de sua convivência.
Aduz que após a visitação ocorrida no dia 17/04/2005, que se deu por força de determinação judicial, a ré, com o propósito de denegrir sua imagem, se dirigiu ao Hospital Geral de Bonsucesso, alegando que seu filho teria sido vítima de abuso sexual por seu pai, em decorrência de uma assadura no pênis.
Acrescenta que, após o mencionado atendimento hospitalar, a ré levou o menor ao IML, para realizar exame de corpo de delito e também se dirigiu à 21º DP, promovendo Registro de Ocorrência sobre o fato.
Relata que a ré ainda ajuizou na vara de família ação de destituição de pátrio poder, onde restou demonstrada a sua intenção em difamá-lo, com o fim único de que não mais tivesse contato com o filho, bem como lançou mão de processo criminal contra si, que foi arquivado, sob o mesmo entendimento.
Acrescenta que o Exame de Corpo de Delito realizado no menor comprovou a não ocorrência da violência e que as provas colhidas demonstraram que as acusações feitas pela ré eram infundadas, mas ainda assim, a ré tentou o desarquivamento do inquérito instaurado contra si, junto ao Procurador Geral da Justiça.
Fundamenta o ajuizamento da demanda, por ter sido obrigado a comparecer em sede policial, ao juízo de família e criminal, para se defender das falsas acusações levantadas pela ré e por ter sido exposto à prática de crime sexual contra seu próprio filho (fls. 02/09).
Sentença às fls. 239/243, no sentido da procedência do pedido, condenando a ré a pagar a quantia de R$ 25.000,00, a título de reparação moral.
Apelação da ré, às fls. 245/249, postulando, inicialmente, a nulidade da sentença, por violação ao princípio da identidade física do juiz. No mérito, pugna pela reversão do julgado, ressaltando que não teve intenção de incriminar o autor, mas unicamente de levar o fato às autoridades públicas. Na eventualidade, pugna pela redução do quantum indenizatório.
Contra-razões às fls. 262/269.

É o relatório.

O recurso interposto é tempestivo, e guarda os demais requisitos de admissibilidade, de forma a trazer o seu conhecimento.
Passado este ponto, entra-se na sua análise.
A preliminar de nulidade da sentença, por violação ao princípio da identidade física do juiz não vinga.
Como se sabe, o princípio da identidade física do Juiz, disposto no art. 132 do CPC, visa a melhor solução da lide pelo julgador, porém, o princípio em questão não é absoluto, eis que são excetuados pela lei as situações de convocação, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria do magistrado, casos em que seu sucessor prolatará a sentença, dando solução à lide.
No caso, foi o que ocorreu.

A Magistrada, Dra. MARIA CHRISTINA BERARDO RUCKER, juíza titular da 3º Vara Cível da Regional da Ilha do Governador à época, e que presidiu a audiência de instrução, foi removida, assumindo titularidade de outra vara.
Assim, não há que se falar em violação ao princípio da identidade física do juiz, motivo pelo qual se afasta a preliminar de nulidade.
Ultrapassada esta questão, passa-se ao exame do mérito.
Examinando-se os autos, verifica-se que a ré/apelante não nega a busca pela apuração de suposto crime de abuso sexual, que teria vitimado seu filho, havido de seu relacionamento com o autor/apelado, após o encontro deste com aquele no dia 17/04/2005, mas apenas não considera que a procura às autoridades públicas tenha tido o condão de causar dano de ordem moral ao autor.
Da análise do conjunto probatório delineado nos autos, note-se que restou efetivamente demonstrado que a ré pretendia desqualificar o autor por meio de falsa imputação de crime sexual contra seu filho.
Note-se que a ré fez afirmações categóricas à médica que atendeu o menor na noite seguida à visitação do autor, no sentido de que este teria abusado sexualmente daquele, conforme se constata do boletim de atendimento médico acostado às fls. 14/15.

Mas, não só.

Infere-se do mesmo documento que, apesar de a médica informar a inexistência de lesão no menor, a ré insistiu na realização de laudo médico, que não foi realizado, pela razão ora exposta.
Constata-se, ainda, que, apesar da ausência de constatação de lesão por parte da médica responsável pelo atendimento do menor, a autora o encaminhou ao IML para realização de Exame de Corpo de Delito.
Não obstante isto, a autora procedeu ao registro da ocorrência na
21º DP, e da análise de sua narrativa em sede policial, evidencia-se clara sua pretensão em conduzir o foco das investigações policiais ao autor, uma vez que menciona que a lesão no pênis do menino apareceu após passar a tarde com seu pai.
A notícia tal como disposta, se apresenta, inquestionavelmente, de modo malicioso, deixando evidente a tentativa da ré em convencer as autoridades acerca da autoria do suposto crime.
Ressalte-se que a ré ratifica suas declarações em sede policial, quando chamada para depoimento (fls. 22/23), acrescentando a ocorrência de mudança de comportamento da criança após seu encontro com o pai, a indicar, sem sombra de dúvida, sua intenção em dar continuidade às investigações policiais contra o autor.
Vale mencionar que o inquérito policial instaurado em torno do relato produzido pela ré foi arquivado, e, não obstante, a ré provocou o reexame da questão pelo Procurador Geral da Justiça (fls. 67/76).
Acrescente-se a isto o fato de que a ré ajuizou ação de suspensão de poder familiar em face do autor, onde menciona, como uma das causas de pedir, a suspeita de maus tratos por parte do pai da criança e a constatação da mencionada lesão no corpo do menor (fls. 28/47).
Observe-se que neste processo restou demonstrada, pelo estudo social realizado, a insistente recusa da ré em permitir que o autor visitasse seu filho, o que só se tornou possível, por determinação judicial (fls. 57), a justificar sua conduta em tentar desqualificar a figura do pai da criança.
Veja-se, ainda, que no mencionado estudo social, vislumbrou-se a possibilidade da suposta lesão ter origem em massagens de fimose feita pela ré no menor (fls. 50 e 60).
Parece, pois, evidente o desejo da ré em denegrir a imagem do autor, imputando-lhe falsa acusação de prática de abuso sexual, com o objetivo de afastá-lo do convívio com o filho.
Conforme bem asseverado pelo julgador monocrático, todos os profissionais envolvidos na apuração do fato atingiram a mesma conclusão, de inexistência de indícios capazes de demonstrar a efetiva ocorrência de violência ou maus tratos contra a criança, e de ausência de provas da participação do autor.
Tem-se, portanto, por inverídica as informações prestadas pela ré, eis que cria fato inexistente.
Assim, sua conduta constitui numa evidente demonstração de abuso de direito, atingindo objetiva e subjetivamente a honra do autor.
Conclui-se, portanto, estar plenamente configurado o dano moral sofrido pelo autor pela conduta ilícita da ré.
Constatado o cabimento da indenização moral, passa-se a quantificação do dano.
No caso vertente, deve-se atentar para o fato de o autor ter sido alvo de investigação policial, relativamente ao crime de abuso sexual em seu próprio filho, assim como para o desvirtuamento da informação e a conseqüente repercussão na vida do autor.
Logo, a indenização deve ser suficiente para compensar com plenitude o mal praticado e representar verdadeira sanção civil, capaz de desestimular a repetição de episódios semelhantes.
Neste contexto, tem-se que o valor dos danos morais – R$
25.000,00 - foi arbitrado com moderação, atentando-se para as peculiaridades do caso vertente, a proporcionalidade, a lógica razoável e os transtornos suportados pelo autor.
Pelo exposto, nega-se seguimento ao recurso, nos moldes do art.557, caput, do CPC, mantendo-se na íntegra a sentença.

Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2010.


RICARDO COUTO DE CASTRO
DESEMBARGADOR RELATOR


avfdas

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