terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A luta de dois filhos pela condenação do próprio pai


RECIFE - O caso já entrou para a história do noticiário policial de Pernambuco: a luta de dois filhos pela condenação do próprio pai, o procurador aposentado Luiz Fernando Dias dos Santos. Acusado de tentativa de homicídio, ele teria atingido sua então mulher, a advogada Maria do Carmo Costa Carvalho, com um tiro na cabeça durante uma discussão, em abril de 1978.
A mulher sobreviveu, mas ficou cega, com a audição prejudicada e tendo frequentes lapsos de memória. Em dezembro de 1998, o procurador (na época, em atividade) foi condenado a 14 anos de prisão. Sua defesa recorreu, e o julgamento acabou anulado. Em 2004, houve um segundo julgamento, que novamente teve a sentença invalidada. O imbróglio jurídico prosseguiu e, após 36 recursos da defesa, surgiu a possibilidade de um desfecho no último dia 13 de dezembro, data marcada para a nova audiência. Entretanto, os advogados do ex-procurador recorreram ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) pedindo a prescrição do crime.
Para os irmãos Daniela, de 34 anos, e Luiz Fernando, de 35, prevalece o sentimento de decepção diante da impunidade. Um detalhe aumentou a frustração dos filhos de Maria do Carmo: a morte da mãe, em 2004, vítima de câncer, antes de uma decisão final dos tribunais.
Caberá à Justiça decidir sobre a prescrição do crime. A lei estabelece que crimes com pena superior a 12 anos sejam desconsiderados após 20 anos. Mas, segundo o promotor André Rabelo, do Ministério Público de Pernambuco, o prazo de 20 anos deve valer a partir do primeiro julgamento, realizado em 1998. E a prescrição ocorreria em 2018.
- Infelizmente há divergências quanto aos prazos de prescrição. E, enquanto o STJ não decidir, um novo júri não pode ser realizado - diz Rabelo.
Se acontecer, o julgamento do ex-procurador Luiz Fernando Dias dos Santos deverá ocorrer 33 anos após o crime.O processo reúne 2,8 mil páginas. Segundo a versão da vítima existente nos laudos, o procurador disse "vou acabar com você" durante a briga na Praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, município vizinho de Recife. Maria do Carmo tentou escapar da agressão, mas acabou arrastada para dentro do carro. Depois, a cabeça da mulher foi imprensada contra a perna do marido, que fez o disparo. Na época, ao prestar depoimento, o procurador afirmou que o autor do tiro seria um assaltante que abordou o casal.
Principal testemunha de acusação contra Luiz Fernando Dias dos Santos - o próprio pai -, Daniela Dias dos Santos estudou Direito, mas não atua como advogada. Acredita que perdeu a motivação para o exercício da profissão depois de acompanhar, durante tantos anos, um processo que nunca acaba.
Na época do crime, ela tinha 2 anos. Daniela não guarda na memória as cenas daquele período. Mas lembra com detalhes das sequelas deixadas na vida de sua mãe, que passou a ter uma saúde frágil.
- A lembrança que tenho é de minha mãe já cega. Lembro-me de diversos tratamentos de saúde que ela fez e das inúmeras vezes que viajamos ao Rio de Janeiro, para que se submetesse a cirurgias intracranianas. Após o incidente, só me recordo de ter visto meu pai em casa uma vez. Depois, ele desapareceu - diz.
Apesar de todo esse tempo, ela afirma que a família não perde a esperança de que a justiça seja feita.
- Não há como não sentir revolta. Sou formada em Direito. No dia da minha formatura, soube da anulação do júri. Então não é à toa que não segui a profissão. Cresci assistindo ao meu avô lutar para que minha mãe não morresse devido aos danos provocados pelo tiro.
Sobre o arrastar do processo, ela afirma que, durante o curso de Direito, esforçou-se para compreender o sentido das leis, mas que o caso de sua mãe a desanimou.
- Os advogados de defesa agem dentro da lei. Mas que leis são essas que permitem que um processo como esse, de consequências tão dramáticas, nunca termine? O que aconteceu foi um crime.
Formado em medicina, o filho de Maria do Carmo conseguiu na Justiça o direito de eliminar de sua certidão o sobrenome do pai. Passou a assinar: Luiz Fernando Costa Carvalho.


O Globo

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