domingo, 5 de dezembro de 2010

GPS antiassédio sexual no Cairo


RIO - Egípcios e visitantes sabem que circular entre os 17 milhões de habitantes da capital mais populosa do mundo árabe requer muita paciência e algum esforço. Nos últimos anos, as ruas lotadas e o trânsito caótico do Cairo transformaram-se numa ameaça principalmente para as mulheres, vítimas cada vez mais frequentes da ousadia masculina.
O número de casos de assédio sexual no país é preocupante: pelo menos 83% das egípcias já foram molestadas em público. Algumas têm adotado como estratégia de defesa o uso do hijab - ou mesmo do niqab, a veste islâmica que deixa apenas os olhos à mostra - , mas um grupo de feministas recorreu à tecnologia para mapear, online, os pontos da cidade onde atuam os abusados e, assim, facilitar a ação da Polícia.
Desde o mês passado, entrou no ar em caráter experimental o site harrassmap.org, uma espécie de GPS às avessas, segundo Rebecca Chiao, idealizadora do projeto. Enquanto pessoas do mundo inteiro recorrem ao mapeamento online para saberem aonde ir, o site tem uma proposta exatamente oposta: fazer com que as egípcias saibam em que pontos da cidade os aproveitadores estão atuando para evitarem os locais perigosos e, principalmente, denunciarem os agressores. Nas três primeiras semanas de novembro, o serviço já recebeu milhares de acessos, sendo lançado oficialmente no último dia 1o.
- As mulheres podem mandar um email ou SMS dizendo onde foram assediadas e uma equipe de voluntárias atualiza o mapa em tempo real na internet, servindo de alerta a outras e à Polícia. Estamos testando, ainda, um sistema de denúncia pelo Facebook e pelo Twitter - contou Rebecca ao GLOBO.
A ativista, uma americana que vive há seis anos no Cairo, ressalta que os objetivos do grupo não são apenas mapear pontos de risco, mas mudar a aceitação social do assédio sexual - que, não é crime previsto na lei egípcia, apesar de um projeto de lei tramitar pelo Parlamento, sem sucesso, há quase três anos.
- O Egito é um país conservador e, com vergonha, somente 2.4% das vítimas prestam queixa. A cultura machista as faz achar que são elas que provocam comentários maldosos, as perseguições na rua e até gestos mais ousados. Depois de identificar os locais de agressão, queremos ir até essas comunidades, falar com lideranças nos bairros, nas mesquistas, nas lojas, denunciar e mostrar o que acontece. Muitos muçulmanos sentirão vergonha - explicou.
O problema se estende às estrangeiras em visita ao país. De acordo com uma pesquisa da ONG Centro Egípcio dos Direitos da Mulher, 98% das turistas se queixam de assédio sexual no Cairo. O dado mais assustador, entretanto, revela que 62% dos homens admitem assediar e perseguir mulheres nas ruas diariamente.
- Estão cada vez piores. Todos os dias recebemos queixas de homens que xingam, tocam e, inclusive chegam à ousadia de mostrar os genitais às mulheres em plena luz do dia - criticou a diretora da ONG, Nihad al-Qumsan.
A explicação para o fenômeno pode ser econômica. Mergulhado em crise, o Egito registra índices de desemprego que chegam a 9,5% e, mesmo entre os empregados, os salários estão tão defasados que tornam o sonho do matrimônio cada vez mais distante: casar-se pode custar cerca de US$ 6 mil - um valor quatro vezes maior que a renda per capita.
- O casamento é a porta de entrada à vida adulta - explicou a jornalista egípcia Mona Eltahawy. - Casar envolve os custos de pagar um dote, a festa, construir uma casa e comprar a mobília. Hoje, muitos homens chegam aos 30 anos e não conseguem, são obrigados a continuar morando com os pais. Acabam enfrentando uma série de problemas psicológicos pela falta de parceiros sexuais e pela crise.
A explicação corrobora um relatório publicado pela Agência Central de Mobilização Pública e Estatísticas há três meses. De acordo com dados coletados pelo censo de 2006, há no país hoje nada menos que 13 milhões de solteiros abaixo dos 30 anos de idade: 7.6 milhões de homens e 5.7 milhões de mulheres - um recorde na longa história do país dos faraós.

Renata Malkes


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