Com seis anos de experiência no ambulatório de idosos soropositivos do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, o infectologista Jean Gorinchteyn notou uma lacuna grave nas campanhas de prevenção da Aids: elas não se dirigem às pessoas que têm mais de 50 anos.
O resultado, segundo o médico, é a presença, no hospital, de mais senhores e senhoras infectados com o vírus, e "das formas mais banais". O público nessa faixa de idade é pouco acostumado ao uso da camisinha e ignora os riscos de contágio.
Para contornar esse cenário, Gorinchteyn escreveu "Sexo e Aids Depois dos 50", livro que reúne muitas informações práticas sobre o tratamento e o diagnóstico, além da história da doença.
Mas o coração da obra são os depoimentos de quatro mulheres e dois homens entre 61 e 75 anos. Eles relatam como contraíram uma doença que até então acreditavam ser exclusiva de jovens.
Nas orelhas há depoimentos de Lima Duarte, Paulo Goulart, Nicete Bruno e Adriane Galisteu, célebres que, segundo o médico, dão mais visibilidade ao alerta.
Leia os principais trechos da entrevista.
Folha - Pessoas acima dos 50 são o novo grupo de risco?
Jean Gorinchteyn - Todos somos grupos de risco, mas criamos condições de essas pessoas mais velhas se tornarem vulneráveis, sem direito à prevenção. Representam o grupo de maior risco, hoje. As outras faixas etárias estão protegidas: houve redução da transmissão infantil e no número de infectados entre a população de 14 a 49 anos.
Quais os números de infectados nessa faixa etária?
Até 2002, tínhamos uma média de 17 pessoas acima dos 50 com HIV por 100 mil habitantes. Isso dobrou naquele ano: saltou para 40 pacientes por 100 mil habitantes, nível que vem se mantendo. Se os níveis se mantêm é porque essa população não foi alertada. Nas outras faixas, isso tem diminuído.
De que forma as pessoas de mais de 50 contraem o vírus?
Entre os mais velhos, 89% das contaminações se dão por via sexual, como nos jovens. A diferença é que o jovem hoje se contamina se quiser. Ele sabe como usar o preservativo e onde encontrar. Os mais velhos, não. Dizem que não sabiam usar. Já não usavam o preservativo de forma habitual, porque o látex era duro e grosso, só usado para evitar a gravidez.
Mulheres de mais de 50 têm comportamento arriscado?
A situação da mulher é muito clara. Ela sabe que se contaminou ou com o marido que teve relação extraconjugal ou com o seu novo namorado. Casos de contaminação por relacionamento eventual são raros no ambulatório onde atendo. E naquelas que tiveram uma relação eventual, a contaminação ocorreu só com um parceiro. Ela tende a ter um perfil mais vitimizado.
Há mais senhores infectados?
Há muito mais homens. Em jovens, é quase um meio a meio. O homem é sempre mais infectado porque a mulher mais velha entra na menopausa e começa a ter um declínio hormonal, que faz com que ela tenha o seu desejo diminuído. Muitas vezes ela opta por não ter relação e compensa isso com o fato de ser mãe, avó, companheira. O homem, não. O decréscimo hormonal é mais lento. O homem vai procurar relações fora e daí se contamina. Muitas vezes ele nem contamina a mulher, porque o casal não mantêm mais relações.
O Viagra ajuda a explicar o contágio maior nessa faixa?
Só poderemos medir esse impacto daqui a três anos. Mas é certo que essas medicações fizeram com que o individuo melhorasse o desempenho e com isso se relacionasse mais, muitas vezes sem preservativo.
Como os mais velhos lidam com o diagnóstico?
É comum aparecer o questionamento sobre a forma como eles contarão para suas mulheres, filhos, netos. Muitos são pessoas que já assumiram papéis sociais. O diagnóstico vai trazer um demérito, uma depressão. Eles se sentem envergonhados. Alguns até hoje não contaram a filhos e netos. Alguns filhos se revoltam. O câncer traz os netos, estimula a família, mas a Aids, num primeiro momento, não. O indivíduo não é visto como vítima. Às vezes, acaba abandonado.
O que deveria mudar em termos de propaganda para atingir essas pessoas?
A publicidade deveria escolher pessoas com esse perfil e que pudessem falar e lembrar que quem tem mais de 50 também corre o risco de pegar Aids e precisa usar camisinha. Seria importante que essas pessoas fossem incentivadas em outros tipos de campanhas, da mesma forma como se faz mutirão da catarata, do colesterol.
O livro mostra o preconceito em relação aos mais velhos, na área da saúde.
Não é só da área da saúde. Quando a gente fala de um homem de 50, tudo bem aceitar que ele tem vida sexual. Mas quando se fala num homem de 85 tendo vida sexual, as pessoas brincam. Somos preconceituosos de formação. Não crescemos habituados a ouvir isso. Olhávamos nossos avós como figuras assexuadas. Quando essas pessoas têm relações sexuais, isso choca. Muitas pessoas com 70, 80 têm condições físicas maravilhosas, se aposentam e continuam trabalhando, provendo a casa, ativas. Por que a vida sexual não seria mantida?
O resultado, segundo o médico, é a presença, no hospital, de mais senhores e senhoras infectados com o vírus, e "das formas mais banais". O público nessa faixa de idade é pouco acostumado ao uso da camisinha e ignora os riscos de contágio.
Para contornar esse cenário, Gorinchteyn escreveu "Sexo e Aids Depois dos 50", livro que reúne muitas informações práticas sobre o tratamento e o diagnóstico, além da história da doença.
Mas o coração da obra são os depoimentos de quatro mulheres e dois homens entre 61 e 75 anos. Eles relatam como contraíram uma doença que até então acreditavam ser exclusiva de jovens.
Nas orelhas há depoimentos de Lima Duarte, Paulo Goulart, Nicete Bruno e Adriane Galisteu, célebres que, segundo o médico, dão mais visibilidade ao alerta.
Leia os principais trechos da entrevista.
Folha - Pessoas acima dos 50 são o novo grupo de risco?
Jean Gorinchteyn - Todos somos grupos de risco, mas criamos condições de essas pessoas mais velhas se tornarem vulneráveis, sem direito à prevenção. Representam o grupo de maior risco, hoje. As outras faixas etárias estão protegidas: houve redução da transmissão infantil e no número de infectados entre a população de 14 a 49 anos.
Quais os números de infectados nessa faixa etária?
Até 2002, tínhamos uma média de 17 pessoas acima dos 50 com HIV por 100 mil habitantes. Isso dobrou naquele ano: saltou para 40 pacientes por 100 mil habitantes, nível que vem se mantendo. Se os níveis se mantêm é porque essa população não foi alertada. Nas outras faixas, isso tem diminuído.
De que forma as pessoas de mais de 50 contraem o vírus?
Entre os mais velhos, 89% das contaminações se dão por via sexual, como nos jovens. A diferença é que o jovem hoje se contamina se quiser. Ele sabe como usar o preservativo e onde encontrar. Os mais velhos, não. Dizem que não sabiam usar. Já não usavam o preservativo de forma habitual, porque o látex era duro e grosso, só usado para evitar a gravidez.
Mulheres de mais de 50 têm comportamento arriscado?
A situação da mulher é muito clara. Ela sabe que se contaminou ou com o marido que teve relação extraconjugal ou com o seu novo namorado. Casos de contaminação por relacionamento eventual são raros no ambulatório onde atendo. E naquelas que tiveram uma relação eventual, a contaminação ocorreu só com um parceiro. Ela tende a ter um perfil mais vitimizado.
Há mais senhores infectados?
Há muito mais homens. Em jovens, é quase um meio a meio. O homem é sempre mais infectado porque a mulher mais velha entra na menopausa e começa a ter um declínio hormonal, que faz com que ela tenha o seu desejo diminuído. Muitas vezes ela opta por não ter relação e compensa isso com o fato de ser mãe, avó, companheira. O homem, não. O decréscimo hormonal é mais lento. O homem vai procurar relações fora e daí se contamina. Muitas vezes ele nem contamina a mulher, porque o casal não mantêm mais relações.
O Viagra ajuda a explicar o contágio maior nessa faixa?
Só poderemos medir esse impacto daqui a três anos. Mas é certo que essas medicações fizeram com que o individuo melhorasse o desempenho e com isso se relacionasse mais, muitas vezes sem preservativo.
Como os mais velhos lidam com o diagnóstico?
É comum aparecer o questionamento sobre a forma como eles contarão para suas mulheres, filhos, netos. Muitos são pessoas que já assumiram papéis sociais. O diagnóstico vai trazer um demérito, uma depressão. Eles se sentem envergonhados. Alguns até hoje não contaram a filhos e netos. Alguns filhos se revoltam. O câncer traz os netos, estimula a família, mas a Aids, num primeiro momento, não. O indivíduo não é visto como vítima. Às vezes, acaba abandonado.
O que deveria mudar em termos de propaganda para atingir essas pessoas?
A publicidade deveria escolher pessoas com esse perfil e que pudessem falar e lembrar que quem tem mais de 50 também corre o risco de pegar Aids e precisa usar camisinha. Seria importante que essas pessoas fossem incentivadas em outros tipos de campanhas, da mesma forma como se faz mutirão da catarata, do colesterol.
O livro mostra o preconceito em relação aos mais velhos, na área da saúde.
Não é só da área da saúde. Quando a gente fala de um homem de 50, tudo bem aceitar que ele tem vida sexual. Mas quando se fala num homem de 85 tendo vida sexual, as pessoas brincam. Somos preconceituosos de formação. Não crescemos habituados a ouvir isso. Olhávamos nossos avós como figuras assexuadas. Quando essas pessoas têm relações sexuais, isso choca. Muitas pessoas com 70, 80 têm condições físicas maravilhosas, se aposentam e continuam trabalhando, provendo a casa, ativas. Por que a vida sexual não seria mantida?
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