quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O que o Rio pode aprender com as zonas de guerra no mundo


Por Ilona Szabó de Carvalho, especial para o blog Favela Livre

Seja no caso de soldados ou criminosos em combate, os homens jovens costumam ser os perpetradores. Entre as centenas de milhares de pessoas mortas a cada ano no campo de batalha e em solo urbano, são especialmente os homens jovens que constitutem as vítimas. Suas mortes e seus ferimentos resultam em considerável dor e sofrimento para as famílias e comunidades e em impacto considerável sobre as economias ao redor do mundo.
As Nações Unidas, governos e uma série de organizações não-governamentais (ONGs) lançaram políticas e programas progressivos de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) das partes em conflito nas sociedades pós-guerra. Esforços em grande escala como esses são menos comuns em sociedades como a nossa, afetadas pela violência criminosa crônica. Pelo contrário, as intervenções tendem a privilegiar ações repressivas e projetos de pequena escala por parte das ONGs.
Há muitas lições que os órgãos públicos e privados do Rio de Janeiro podem tirar dos países emergentes de guerras. Uma questão crucial é que o foco nos combatentes é um fator chave na redução da recorrência de guerra. Isso ocorre porque os jovens constituem o grosso dos combatentes ao fim dos conflitos, e fazer frente a suas necessidades de forma rápida e abrangente é fundamental nesse período frágil. Uma das faíscas que faz com que conflitos eclodam repetidas vezes é um legado de ex-combatentes que não estão adequadamente desarmados, desmobilizados e reintegrados.
As Nações Unidas e seus parceiros investiram em normas internacionais para orientar ações de DDR de ex-combatentes. Um enquadramento jurídico adequado de base nacional é fundamental. Anistias podem ser necessárias para equilibrar as exigências conflitantes de paz e justiça, e estratégias de saída não-condicional para as chamadas "crianças-soldados" são imperativas. Além disso, empregos relevantes e oportunidades de educação, juntamente com relacionamento com a comunidade - especialmente nas áreas de reintegração - são essenciais. Por fim, o DDR eficaz requer compromentimento público e privado em caráter sustentado.
Embora algumas lições estejam sendo aprendidas com a experiência em zonas de guerra, sabe-se muito menos sobre como realizar atividades similares em ambientes de não-conflito. Existem ideias potencialmente relevantes, que, se adaptadas adequadamente, podem se aplicar a ex-criminosos, criminosos atuais e futuros, no Rio de Janeiro, uma vez que aqui não existe nem guerra, nem paz. Mas ainda assim, as características semelhantes às de guerra são inquietantes. Por exemplo, as taxas de homicídio no Rio excedem as taxas por morte violenta da maioria das zonas de guerra, como Afeganistão ou Sudão. Os criminosos ou traficantes frequentemente tem a mesma idade que os soldados nessas zonas. A violência constante no Rio prejudica o capital social e os sistemas de reciprocidade comunitária e alimenta ciclos recorrentes de violência.
Não é possível simplesmente depositar ex-criminosos na cadeia. De fato, a população carcerária está se expandindo e tanto a polícia, quanto o sistema penal são incapazes de lidar com a reincidência. Com o Estado incapaz de resolver o problema por si próprio, atores do setor privado e da sociedade civil devem se voltar para o desafio. Pacificação é uma coisa, mas compromisso de longo prazo e, consequentemente, desenvolvimento, é outra completamente diferente.
Esse esforço não será fácil. Na verdade, alinhar os requisitos de justiça penal com as prioridades da comunidade e com reconciliação é um grande desafio tanto em zonas de guerra, quanto de não-guerra. Ainda assim, a opção de não agir é inviável. Enquanto o Rio se recupera da última onda de violência, temos que reconhecer que a próxima está logo na curva. Se nós, cidadãos, pretendemos ir em frente, a cidade deve encarar e abraçar seus filhos renegados.

*Ilona Szabó de Carvalho é coordenadora da Igarapé – Agência de Cooperação Social,e consultora do secretariado da Declaração de Genebra sobre Violência Armada e Desenvolvimento. Foi membro do secretariado da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia e coordenadora da Campanha de Desarmamento da ONG Viva Rio. Possui mestrado em Estudos Internacionais pela Universidade de Uppsala, especialização em Desenvolvimento Internacional, pela Universidade de Oslo e em Operações de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração de ex-combatentes – DDR, na Escola Real Sueca de Defesa.


Favela Livre

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