sábado, 10 de julho de 2010

Indefensável

FICHADO
Bruno ao ser fotografado como suspeito pela polícia do Rio. Ele deverá ser indiciado em seis crimes

As confissões e os detalhes macabros do crime que chocou o Brasil – e levou para a cadeia o goleiro Bruno, antigo ídolo da torcida do Flamengo

“Vacilão, você tinha tudo!” As palavras da empregada doméstica Clécia Azevedo, de 34 anos, destoavam dos gritos de “assassino” e “matador”, desferidos pela multidão que cercava a delegacia. Os poucos passos do goleiro Bruno entre a porta de saída e o carro que o levaria à penitenciária de Bangu 2, na tarde da última quinta-feira, foram seguidos por uns 100 jornalistas e curiosos. Muitos estudantes, ainda em uniformes escolares, gente que passava por ali e desocupados com camisas de times rivais do Flamengo – todos queriam ver de perto o homem que nasceu pobre e virou ídolo, rico e famoso, para depois pôr tudo a perder.
De herói da torcida, Bruno virou um monstro. A frieza que fez a glória de Bruno em campo chocou o país fora dele. Na sala da diretora da Polinter, para onde foi assim que se entregou na quarta-feira, um Bruno alheio a tudo pediu para ver, pela fresta da persiana, a multidão lá embaixo. Olhou por alguns segundos, fechou a persiana e, em seguida, se distraiu com o símbolo da Polícia Civil desenhado num vidro. “É uma águia?”, perguntou à delegada Roberta Carvalho. Ela disse que sim. Enquanto o país inteiro assistia incrédulo aos detalhes estarrecedores do crime e uma pequena multidão gritava “Assassino!”, Bruno virou-se para a delegada:
– A senhora já viu o filme Ninho de águias? Veja. É muito bom.
Bruno deixou a Polinter e foi para a Delegacia de Homicídios na Barra da Tijuca, onde passaria a noite numa cela improvisada de 6 metros quadrados, sem banheiro. Enquanto aguardava numa das salas, voltou a conversar com os policiais. Num vídeo gravado por um agente, revelou sua primeira preocupação:
– Agora, eu acho que as coisas ficaram difíceis. Se eu tinha esperança de disputar a Copa de 2014, acabou.
Na transferência da delegacia ao presídio de Bangu 2, onde ficou até ser levado a Belo Horizonte, Bruno aparecia inabalável, usando um boné com a aba para trás e carregando uma Bíblia. Seu ar impassível, seu comportamento alheio às evidências que se acumulavam contra ele, sua indiferença glacial à história de horror que aos poucos se revelava aos brasileiros, tudo isso chocou a nação. As acusações que pesam contra Bruno e seus amigos – todas negadas pelos suspeitos – pertencem àquela região da alma humana que, embora real, desperta um misto de repulsa, horror e incredulidade. A história está longe de ser comprovada. Há diversos detalhes a apurar e contradições a esclarecer. De acordo com a versão dos fatos que emerge dos depoimentos divulgados pela polícia, porém, Bruno teria sido o mandante de um crime bárbaro. Sua ex-amante Eliza Samudio, mãe de um filho que ele se recusava a reconhecer, teria sido sequestrada, mantida em cárcere privado, torturada, assassinada, e – o ingrediente mais macabro – seu corpo esquartejado teria sido entregue a cães da raça rottweiler para ser devorado e depois encoberto por uma camada de concreto.

Nelito Fernandes, Martha Mendonça, Rafael Pereira e Leopoldo Mateus, de Belo Horizonte (MG)



Veja mais:
Quantos anos de prisão o goleiro Bruno pode pegar?

Advogado criminalista ouvido por ÉPOCA detalha crimes pelos quais o jogador poderá ser acusado. Pena pode chegar a 74 anos

O goleiro do Flamengo Bruno Fernandes foi indiciado na última quarta-feira (7) como mandante do sequestro de Eliza Samudio, de 25 anos. Bruno, seu amigo Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão, e o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, também conhecido como Bola, estão presos na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem (MG). Eles são os principais suspeitos do caso.
Além deles, já estão presos Dayanne Rodrigues do Carmo Souza, mulher de Bruno, um menor de 17 anos, primo de Bruno, Sérgio Rosa Sales Camelo, também primo do jogador, Wemerson de Souza, o "Coxinha",Flávio Caetano de Araújo e Cleiton da Silva Gonçalves, amigos de Bruno, e Elenilson Vitor da Silva, administrador do sítio de Bruno.
De acordo com o advogado criminalista ouvido por ÉPOCA, James Walker, na somatória, a pena do goleiro Bruno (confira no quadro abaixo os crimes pelos quais ele pode ser acusado) pode passar dos 60 anos. O advogado diz ainda que o jogador pode ir a júri popular. "Os crimes dolosos contra a vida, em que há a intenção de matar, vão a júri popular. Os crimes que não são do mesmo tipo, como o sequestro, vão a júri popular se tiverem sido um degrau para a prática do homicídio”, afirma Walker.
O advogado estima que, se for condenado, Bruno pode cumprir pelo menos 17 anos de prisão, já levando em conta a progressão de pena. “Só não dá para dizer o tempo matematicamente, porque há muitas variáveis”, diz.

Buscas pelo corpo
Nesta sexta-feira (9), o Corpo de Bombeiros retomou as buscas pelo corpo de Eliza Samudio no sítio alugado no pelo ex-policial civil Marcos Aparecido dos Santos, conhecido como Bola, em Esmeraldas, na Grande Belo Horizonte. Com auxílio de cães farejadores, 40 homens vasculharam o local. Nada foi encontrado.
A polícia já trabalha com a hipótese de não encontrar o corpo de Eliza. Mas, se isso realmente acontecer, como ficam as acusações? Segundo o advogado criminalista Rodrigo Fragoso, a falta de cadáver não retira a materialidade do crime.
“Se as provas testemunhais e indícios fortes mostraram que o homicídio aconteceu e o corpo foi ocultado, o Código Penal afirma que esses indícios podem suprir a ausência do corpo", diz.

Crime e Pena
Sequestro: 2 a 8 anos

Lesão corporal : 3 a 10 anos (mas pode ser reduzida porque o crime não foi consumado)

Cárcere privado:
(RJ): 1 a 3 anos

Cárcere privado qualificado (MG): 2 a 8 anos (as condições são mais cruéis e resultaram na morte da Eliza)

Tortura: 2 a 8 anos

Homicídio triplamente qualificado: 12 a 30 anos (o motivo fútil, não querer pagar pensão alimentícia, é um dos agravantes)

Formação de quadrilha: 1 a 3 anos

Total:
24 a 74 anos


Época

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