quarta-feira, 7 de julho de 2010

Venda da maconha é normatizada no Colorado (EUA) e será restrita a profissionais


Venda da maconha é normatizada no Colorado (EUA) e será restrita a profissionais
The New York Times - David Segal, Em Boulder, no Colorado (Estados Unidos)
Quem achar que será fácil enriquecer vendendo maconha em um Estado no qual esta droga é legal deveria passar numa companhia de Ravi Respeto, gerente da Farmacy, uma drogaria de luxo daqui, especializada em maconha, que oferece a Strawberry Haze, a Hawaiian Skunk e outras variedades de Cannabis sativa por até US$ 16 (R$ 29) o grama.

Ela acabará com a alegria dos otimistas.

“Nenhum programa de M.B.A. poderia ter me preparado para esta experiência”, diz ela, usando um jaleco de cor creme feito de cânhamo. “As pessoas têm essa noção equivocada de que basta entrar no negócio para começar a ganhar dinheiro fácil, mas a realidade não é essa”.

Desde que este estabelecimento foi inaugurado, em janeiro, ela tem passado por vários problemas enervantes seguidos. Os cultivadores de maconha, acostumados a efetuar transações apenas em dinheiro vivo, estão chocados por serem pagos com cheques ou pelo fato de os clientes lhes pedirem recibos. E há muitas surpresas desagradáveis, como quando, recentemente, a Farmacy descobriu que a sua linha de bebidas com infusão de maconha não poderia ser vendida nas imediações de Denver. As autoridades municipais de lá decidiram que qualquer produto modificado com maconha precisa ser produzido em uma cozinha da cidade.

“Você jamais veria uma lei que determinasse, 'Quem quiser vender tênis da Nike em São Francisco, só poderá vendê-los se eles forem fabricados em São Francisco'”, diz Respeto, sentada em um pequeno escritório no segundo andar da Farmacy. “Mas neste ramo de negócios a gente se depara a todo momento com coisas desse tipo”.

Uma das experiências mais estranhas da história recente do capitalismo norte-americano está em andamento aqui nas Montanhas Rochosas: a primeira tentativa do país de regulamentar, licenciar e taxar integralmente a comercialização da maconha com fins lucrativos. Na Califórnia, os donos de farmácias que vendem maconha para fins medicinais trabalham em associações sem fins lucrativos, mas os pioneiros da cannabis do Estado do Colorado contam com a liberdade para lucrarem o quanto puderem – contanto que atuem segundo as regras estabelecidas.

O problema é que há uma quantidade enorme de regras, e regras adicionais entrarão em vigor nos próximos meses. As autoridades daqui foram inicialmente pegas de surpresa quando a corrida às farmácias que vendem maconha teve início aqui no ano passado, depois que o presidente Barack Obama anunciou que as forças federais de repressão ao uso de entorpecentes não perturbariam os usuários nem os fornecedores de maconha, contanto que estes obedecessem às leis do Estado. No Colorado, onde uma emenda constitucional legalizando a maconha para fins medicinais foi aprovada em 2000, centenas de drogarias especializadas na droga surgiram imediatamente, e uma quantidade enorme de residentes do Estado passou a se queixar de “fortes dores”, um dos oito problemas de saúde mais populares que podem ser tratados legalmente com essa erva, que antigamente costumava ser demonizada.

Agora, mais de 80 mil pessoas aqui possuem certificados para o uso medicinal da maconha. Esses certificados são basicamente receitas médicas, e durante meses cerca mil novos “pacientes” por dia procuraram obter o documento.

À medida que a oferta atendia a demanda, os políticos decidiram que era necessário um novo conjunto de regras. A receita federal dos Estados Unidos (Department of Revenue) passou meses criando regras para essa nova indústria, acabando com a fase da procura louca por receitas e substituindo-a por medidas específicas para conter essa tendência. Tais medidas dizem respeito ao cultivo, à distribuição, ao armazenamento e a todos os outros aspectos da indústria de produção e venda da maconha.

Agora todos observarão atentamente a experiência, bem além das fronteiras do Colorado, para ver se essas medidas terão sucesso. As regras adotadas aqui poderão ser um modelo para os 13 Estados, bem como o Distrito de Colúmbia e o Maine, que estão prestes a criar programas próprios relativos à maconha.

Os norte-americanos gastam cerca de US$ 25 bilhões (R$ 45,3 bilhões) por ano com maconha, segundo o economista da Universidade Harvard, Jeffrey Miron, o que dá uma ideia da popularidade dessa droga. No fim das contas, nós poderemos estar nos referindo a uma quantia considerável em impostos sobre a comercialização da droga, derivada da venda da maconha como remédio. Isso para não mencionar o investimento privado e a geração de empregos. Um porta-voz da Organização Nacional para a Reforma das Leis da Maconha diz que os investidores em fundos de hedge e vários firmas de serviços financeiros estão começando a manter contatos a fim de avaliarem as oportunidades financeiras proporcionadas pelo novo negócio.

“Hoje em dia ninguém nos telefona mais para perguntar se o uso da maconha faria com que os homens desenvolvessem seios”, diz Allen St. Pierre, diretor executivo da Organização Nacional para a Reforma das Leis da Maconha. “Agora, os telefonemas são de investidores – pessoas que estão procurando formas de investir ou de oferecer os seus serviços”.

E o que aconteceria se a maconha fosse legalizada? Como o governo criaria regras que permitissem que a indústria florescesse, sem no entanto crescer descontroladamente? E, tendo em vista que tudo isso diz respeito a uma medicação, o que dizer dos médicos, alguns dos quais transformaram as consultas para a prescrição de maconha para fins medicinais em uma especialização altamente lucrativa?

Estas e dezenas de outras questões estão sendo agora respondidas em cidades como Boulder, uma localidade afluente, com uma grande comunidade universitária, onde o número de drogarias especializadas na venda de maconha – existem de 50 a 100 dessas drogarias, dependendo da pessoa a quem se perguntar – é maior do que o número combinado de estabelecimentos de venda de álcool e de cafés Starbucks. Durante uma visita recente, ficou claro que para cada vendedor de maconha e cada médico que acredita que as regras são muito estritas, nebulosas ou fluidas, existem outros que mal podem esconder o sorriso das suas faces.

“Quando eu visitei a cidade em setembro último, olhei em volta e vi que havia apenas quatro dessas drogarias em Boulder, e todas elas ficavam no campus”, diz Bradley Melshenker, o co-proprietário da Greenest Green que já foi comerciante de maconha para fins medicinais em Los Angeles. “Nós entramos em uma delas e vimos 30 garotos na sala de espera. Nós percebemos que aquilo era uma maluquice”.

A primeira visita a um centro de venda de maconha para fins medicinais é uma experiência meio desorientadora, semelhante a respirar debaixo d'água durante o primeiro mergulho autônomo, ou como ver o Red Sox vencer a World Series de 2004. Tudo o que você viu no passado lhe diz que tal experiência é impossível, mas, ao mesmo tempo, você sabe que aquilo está de fato ocorrendo.

Esqueçam as transações furtivas que definem o comércio norte-americano de maconha desde que este teve início. As melhores drogarias especializadas de Boulder exibem o seu produto naquele tipo de vitrine que se vê em joalherias e padarias de luxo.

As pessoas que estão atrás do balcão, conhecidas como “budtenders”, gostam de se definir como sommeliers, embora os nomes das variedades à venda nestes estabelecimentos jamais serão confundidas com um vinho chardonnay: Bubble Gum, Sour Kush, God’s Gift, Grand Daddy Purp e Blue Skunk.

“Esta aqui vai deixar o usuário nas alturas”, diz Michael Bellingham, proprietário da drogaria Boulder Medical Marijuana Dispensary, enquanto segura um frasco de Jack the Ripper (“Jack, o Estripador”), uma das mais de dez variedades de maconha vendidas em sua loja. “É uma variedade muito séria, muito forte; ela vai direto ao cérebro”.

Tirando umas duas exceções – Bellingham entre elas –, entrevistar vendedores de maconha é uma experiência diferente de entrevistar qualquer outro tipo de empresário. Perguntas simples do tipo “sim” ou “não” geram solilóquios de dez minutos de duração. Palavras novas são criadas no local, como “refudiate”, e ouvem-se vocábulos regulares que são usados de maneiras que só fazem sentido naquele contexto específico. Um cara não parava de dizer “rue” (“arrependido”) como se a palavra significasse “relutante”, como na frase “I think the state was rue to act” (“Eu acho que o Estado estava 'arrependido' em agir”).

Muitos deles têm uma longa história de contato com a maconha, e eles continuam – vamos adotar a nova terminologia - “rue” na hora de fornecer os seus nomes. Um funcionário de uma drogaria jura que os seus pais hippies o batizaram de Onefree, mas diz que prefere ser chamado de Dave, e que todo mundo o chama de Van.

Alguns donos de drogarias recusaram-se a ser entrevistados; muitos deles ainda estão tentando se acostumar à ideia de que aquilo que estão fazendo é legal. E nenhum dos proprietários nos convidou para visitar o seu “grow”, conforme são conhecidas as plantações hidropônicas de maconha em ambientes fechados. Quanto a esse assunto, todo mundo fica meio acanhado. Existem regras estritas quanto ao tamanho dessas plantações, e é claro que no nível federal a maconha continua classificada como “Substância Controlada de Categoria I”, juntamente com a heroína e o LSD.

Porém, a maioria dos proprietários tem prazer em mostrar os seus produtos à venda, e esse material tem pouca coisa a ver com as trouxas de maconha da era antiga dessa droga. A maconha de última geração é densa e de aparência argilosa e vêm com tonalidades exóticas de verde e lavanda – como tapetes de fibras feitos em uma selva. A maioria dos usuários compra um ou dois gramas a cada vez, e muitas dessas drogarias oferecem “cartões de lealdade” - compre bastante e ganhe um pouco de graça. E se o consumidor não gosta de fumar, existe uma grande quantidade de produtos comestíveis à base de maconha, como biscoitos, bombons, manteiga, barras de chocolate, bolinhos, café e sorvete.

“Algumas semanas atrás nós organizamos aqui uma noite de milkshake de maconha”, conta Lauren Meisels, da Greenest Green. “O estabelecimento ficou lotado”.

Os comerciantes de maconha do Colorado, assim como os pioneiros em qualquer novo negócio, têm que tomar várias decisões básicas quando abrem as suas firmas. Entre elas: qual deveria ser o aspecto de uma drogaria especializada em maconha para fins medicinais com objetivos comerciais? As leis estaduais determinam que a venda de cannabis só pode ser efetuada em “áreas de acesso limitado”, mas não há nada referente à decoração do interior das lojas.

Portanto, o que se vê é uma grande variedade em termos de visual. A Greenest Green parece um bar de Amsterdã, com um quadro informativo que anuncia as ofertas do dia com cores que fazem lembrar o Starbust Fruit Chews, bem como um aparelho de som que toca reggae. Até uma lei recente ter entrado em vigor, os pacientes podiam “se medicar” na própria loja, com opções que incluíam a experiência de fumar óleo de haxixe em uma espécie de bong elaborado chamado “skillet”, ao preço de US$ 5 (R$ 9).

A Green Room tem um ar de Loja de Cristais na Boêmia, com um bar expresso e uma sala separada para uma massagista. Uma outra, a Dr. Reefer – este é o nome da drogaria e do dono – tem orgulho de ser meio bagunçada, em parte porque ela não passou por nenhuma reforma rigorosa desde que a lanchonete que funcionava ali mudou de endereço.

“Antigamente isso aqui era uma lanchonete de cachorros-quentes chamada What’s Up Dog. O meu negócio funcionava no porão”, diz Pierre Werner, que é o Dr. Reefer em pessoa. “Quando a What's Up Dog fechou, eu me mudei para cá no dia seguinte, e desde então a loja funciona aqui”.

Aliás, Werner não é na verdade médico. Ao contrário, ele é – e diz isso em tom de orgulho e desafio - “um criminoso condenado em três ocasiões pela posse de maconha com a intenção de vender a droga”. Essa história, bem como o seu hábito de ficar próximo à beira da estrada acenando com um grande cartaz com a inscrição “Dr. Reefer” para os carros que passam, enquanto grita “venham pegar os seus medicamentos”, fazem com que os outros proprietários de drogarias especializadas em maconha, para não falar dos políticos locais, não o vejam com bons olhos.

Afinal de contas, eles estão tentando criar respeitabilidade – e talvez até mesmo um certo toque de classe –, e o Dr. Reefer não está os ajudando nessa tarefa.

Se existe um precedente histórico para aquilo que está ocorrendo atualmente no Colorado, esse precedente pode ser a década de vinte e a era da Lei Seca. Durante aquela era, a lei de proibição federal continha uma cláusula de exceção para uso medicinal do álcool, e médicos de toda a nação logo descobriram que podiam incrementar os seus rendimentos mediante a prescrição de receitas de bebidas alcoólicas.

As farmácias, que se candidataram a fornecer tais receitas, e que foram um dos últimos tipos de estabelecimentos nos quais se podia comprar uísque legalmente, lucraram bastante. Durante a década de vinte, o número de lojas Walgreens disparou de 20 para quase 400.

A Lei Seca também enriqueceu aventureiros em todos as etapas da produção e do consumo de bebidas alcoólicas, desde plantadores de uvas e destiladores até os donos de lojas ilegais de bebidas. Muitos deles acabaram acumulando fortunas legítimas com o fim da Lei Seca. Muitos indivíduos que estão no ramo da venda de maconha dizem acreditar que eles são os pioneiros em um mercado que poderá crescer enormemente, à medida que as leis e a opinião pública se tornarem mais favoráveis ao negócio. Mas muita coisa depende das restrições impostas à venda da cannabis, conforme indica o exemplo do Colorado.

Os vendedores daqui dizem que, para ter sucesso no negócio, é preciso levar em consideração dois fatores essenciais.

O primeiro é a importância de garantir a obtenção de muitos “direitos de profissionais de saúde”, uma espécie de autorização de venda que toda pessoa que tenha um certificado para a aquisição de maconha pode designar ao vendedor que escolher. Esses direitos de profissionais de saúde de cada paciente, conforme os usuários são universalmente conhecidos, permitem que a drogaria venda a maconha produzida por seis plantas, embora a maconha possa ser vendida para qualquer um que possua um certificado. Assim, quando mais desses direitos a drogaria de maconha obtiver, mas maconha ela poderá vender.

O segundo fator essencial é cultivar a própria maconha. Uma libra (454 gramas) de maconha é vendida no mercado varejista por um preço que varia entre US$ 5.500 e US$ 7.500 (R$ 9.960 e R$ 13.583). A compra dessa quantidade no atacado custará cerca de US$ 4.000 (R$ 7.244). Mas quem plantar a própria maconha terá um custo por libra que ficará apenas entre US$ 750 e US$ 1.000 (R$ 1.358 e R$ 1.811).

“É como um ambiente real de atacado”, afirma Sean Fey, um dos proprietários da Green Room. “Tendo em vista as despesas gerais, ninguém vai ganhar muito dinheiro se as margens de lucro forem de 40% ou 50%, que é aquilo que você ganha caso não cultive a sua própria maconha. Mas quem produzir a própria maconha terá margens de 70% a 80%”.

Até o momento espera-se que as vendas de maconha gerem cerca de US$ 2,7 milhões (R$ 4,9 milhões) em taxas de licenciamento, além dos mais de US$ 681 mil (R$ 1,2 milhão) em impostos sobre vendas coletados entre julho de 2009 e fevereiro de 2010. Esses números parecem ser um início suficientemente bom, mas representam bem menos do que os US$ 15 milhões (R$ 27,2 milhões) em impostos anuais previstos por algumas das autoridades mais otimistas do Estado.

Uma série de regulamentações conhecida como Emenda 1284, assinada pelo governador em 7 de junho, deverá inviabilizar os negócios de muitas drogarias de maconha, eliminando os indivíduos amadores e os semi-profissionais que embarcaram nessa onda porque não havia nada para detê-los, mas ela fortalecerá bastante aqueles que até o momento conseguiram se manter firmes.

Essa é pelo menos a esperança de Matt Cook, diretor de fiscalização do Departamento da Receita Estadual, e o homem responsável pelo sistema de regulamentação da maconha no Colorado.

“Eu lido com regulamentações para diferentes setores empresariais há 30 anos”, diz Cook. “Álcool, tabaco, venda de automóveis. Eu simplesmente peguei as melhores práticas desses setores, e me foi permitido apresentar as minhas próprias sugestões”.

As novas regras, muitas das quais entrarão em vigor nos próximos meses, tratam as drogarias de maconha um pouco como as farmácias tradicionais e um pouco como os cassinos. Em breve aqueles indivíduos que tiverem passagem pela polícia não poderão ser proprietários desse tipo de estabelecimento (Werner está vendendo a loja Dr. Reefer). Webcams que funcionarão 24 horas por dia estarão focalizadas em todas as unidades de cultivo e drogarias de maconha no Estado. Existem restrições quanto a horários, novas regras para licenciamento, diretrizes para rótulos, e assim por diante.

Os proprietários, de forma geral, não estão reclamando. Quando mais o negócio for regulamentado, maior facilidade eles terão para operar, afirma Respeto, da Farmacy. A companhia, que ela fundou com o pai, tem grandes ambições: tornar-se uma franchise para a venda de maconha para fins medicinais e fazer com a Super Silver Haze o que a Rite Aid fez com as pílulas. A loja em Boulder é de fato a quinta da companhia. Já existem três na Califórnia e uma em Denver.

“No passado eu fui gerente de lojas da rede Whole Foods na Costa Leste”, explica ela. “E aquilo era muito mais fácil, já que na indústria de alimentos a gente conhece os padrões”.

Respeto tem uma espécie de aparência normal típica das mães de pré-adolescentes, algo que se ajusta perfeitamente a um elemento central do plano de marketing da Farmacy. A companhia gostaria de expurgar desse setor aquela imagem de contracultura, de indivíduos chapados e confusos, e transformá-lo em algo mais condizente com o consumidor comum.

“O que se ouve falar sobre esse setor tem a ver com bandos de garotos de 18 anos que só querem curtir uma onda”, diz ela. “Mas no nosso estabelecimento você vê muito pouco disso. O que se vê nele é, por exemplo, aquela mulher de 50 anos de idade que sofre de artrite e que escolhe a maconha como medicação analgésica”.

A dimensão medicinal dessa indústria parece estar em uma tensão perpétua com as suas raízes psicodélicas. Todos os funcionários dessas drogarias transmitem uma grande sinceridade ao falarem sobre os benefícios da maconha à saúde, e cada um deles tem uma história a contar sobre um homem idoso cuja dor crônica de coluna desapareceu ao experimentar os poderes curativos da maconha Sour Diesel.

Essas são histórias verdadeiras, e não há dúvida de que a maconha ajuda muita gente que está padecendo de dores genuínas.

Mas qual foi a última vez que a sua farmácia ofereceu uma noite do milkshake? Ou que ela vendeu bolas de sorvete de chocolate e amendoim com “dosagem controlada”?

A julgar pelos três dias de visitas a doze estabelecimentos, o público-alvo dessas drogarias parece consistir de um grupo de pessoas de 20 a 30 anos de idade. Quando questionados, todos eles disseram que padecem de algum problema de saúde – insônia, cólicas menstruais ou vários problemas ortopédicos dolorosos.

“Eu fraturei uma vértebra na minha coluna”, diz Keith Aten, que acabou de passar na Green Room para comprar um biscoito e um caramelo “medicinais”. “A minha coluna dói se eu passar o dia caminhando muito”.

Aten é um jovem alto de 21 anos de idade que usa uma camiseta com a ilustração de uma “versão zumbi” do espantalho do Mágico de Oz, espreitando na Estrada dos Tijolos Amarelos e gritando “Cérebros!”. Como todo paciente, Aten é assiduamente cortejado com amostras pelos proprietários que estão de olho no direito de profissionais de saúde obtido pelo rapaz junto a um médico.

“O meu fornecedor costumava me dar uma amostra grátis de 14 gramas por mês, mas ele diminuiu essa quantidade para 7 gramas”, diz Aten. “Assim, eu estou procurando quem me ofereça algo mais vantajoso. Até o momento eu já visitei 30 estabelecimentos”.

Para adquirir esse status privilegiado, Aten precisou passar primeiro por um exame médico que certificasse que a maconha era um remédio apropriado para ele. E, por mais surpreendente que isso seja, o exame pode ser o dinheiro mais fácil de se ganhar nesse campo aromático.

Para entender por que, basta visitar o consultório do médico James Boland, a cerca de 15 quilômetros de Boulder, em um centro comercial em Broomfield. O lugar é uma modelo de eficiência de fluxo de trabalho. Em uma questão de minutos, os pacientes são saudados por uma secretária, têm os documentos registrados por um cartório público e são acompanhados até uma sala de espera – que no dia em que a reportagem esteve lá tinha uma televisão que exibia um vídeo que ensinava como preparar a própria maconha.

“Hoje eu atendi cerca de 40 pacientes, mas às vezes atendo até cem”, afirma Boland, sentado na sua pequena sala de exames.

Ele usa um uniforme verde escuro, como se fosse um membro de uma unidade MASH no intervalo de trabalho. Até o ano passado, ele tinha uma renda modesta fornecendo atestados médicos a trabalhadores de uma fábrica local de mobília.

Foi então que ele decidiu entrar em tempo integral no campo da maconha para fins medicinais, e abriu este espaço, que tecnicamente não é um consultório médico, mas sim uma “firma de gerenciamento e marketing” chamada Relaxed Clarity. Os seus funcionários têm permissão para fazer aquilo que ele não pode fazer – ir até as drogarias para fazer propaganda dos seus serviços.

E quando os pacientes chegam, eles se deparam com uma operação empresarial altamente eficiente. Cada exame demora de três a cinco minutos. “Tudo o que fazemos é responder a esta pergunta simples: esta pessoa tem um problema de saúde que faz com que ela se qualifique para o uso medicinal da maconha?”, explica Boland. “E ela apresenta algum outro problema de saúde que faria com que corresse algum risco de reação adversa caso fizesse uso da maconha?”.

Sim para a primeira pergunta, não para a segunda – essas são, segundo ele, as respostas em 90% dos casos. E ele sustenta cada uma das suas decisões.

De acordo com Boland, para os padrões da prática médica diária, este é um trabalho simples e sem dores de cabeça, a menos que o médico esbarre com jornalistas portando câmeras de televisão ocultas na esperança de identificar um caso de má conduta profissional. E há ainda o temor sempre presente de se tornar muito liberal na hora de assinar, tornando-se assim alvo de uma ação disciplinar do comitê médico estadual. Um número muito pequeno de médicos aprova a maioria dos certificados, e Boland é um dos mais lenientes.

Em apenas um ano, trabalhando três dias por semana na Relaxed Clarity, ele atende 7.000 pacientes, cada um deles pagando em média US$ 150 (R$ 272) por consulta. Ele pega uma calculadora e faz umas contas rápidas. Isso significa mais de US$ 1 milhão (R$ 1,8 milhão) em 12 meses. “E não há uma espera para que uma companhia de seguros pague uma fração daquilo que você solicitou”, diz Boland. “Sabe como é: Boom! Dinheiro vivo à vista. Assim, dá para ganhar uma quantidade significativa de dinheiro fazendo isso”.
Assim como a Farmacy, Boland pretende expandir o seu negócio para o âmbito nacional, abrindo clinicas Relaxed Clarity em outros Estados. A diferença é que o negócio dele é rentável, enquanto que a filial da Farmacy em Boulder, pelo menos por ora, não é.

A ausência de lucros tem sido uma fonte de estresse para Respeto. Talvez, à medida que a indústria amadurecer, fique mais fácil e previsível navegar nesse negócio, e haja uma tendência menor a dar telefonemas em pânico devido a problemas imprevistos. Até lá, a boa notícia é que ela está cercada todos os dias por um dos mais conhecidos relaxantes da terra. A má notícia é que ela é uma das poucas pessoas do ramo que não fuma maconha.

“À noite eu vou para casa e tomo uma taça de vinho”, suspira Respeto.

Tradução: UOL

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